Apontamentos sobre o Curso de Direito Penal de Rogério Greco – Parte Geral

CURSO DE DIREITO PENAL – PARTE GERAL

Rogério Greco

 

CAPÍTULO 1 – NOTAS PRELIMINARES

 

 

  1. INTRODUÇÃO

Por que Direito Penal e não Direito Criminal?

 

O Brasil, desde que se tornou independente, só se utilizou da expressão Direito Criminal uma

única vez: em seu Código Criminal do Império, de 1830. Em todos os outros Códigos passou a adotar a expressão Direito Penal.

 

Conceito de Código Penal – é o conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda legislação penal extravagante, desde que esta não disponha expressamente de modo contrário.

 

 

  1. FINALIDADE DO DIREITO PENAL

A finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade. Para efetivar essa proteção utiliza-se da cominação, aplicação e execução da pena. A pena não é a finalidade do direito penal. É apenas um instrumento de coerção de que se vale para a proteção desses bens, valores e interesses mais significativos da sociedade.

 

Não se admite, portanto, a criação de qualquer tipo penal incriminador onde não se consiga

apontar, com precisão, o bem jurídico que por intermédio dele pretende-se proteger.

 

 

  1. A SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICO-PENAIS

Quem faz a seleção dos bens jurídicos a serem defendidos pelo Direito Penal é o legislador. Mas este não está completamente livre em sua escolha. Os bens jurídicos eleitos como mais

importantes vêm todos tratados na Constituição. É ela quem servirá de norte ao legislador, que não poderá ignorar nenhum dos valores superiores abrangidos pela mesma.

 

Na verdade, a Constituição exerce um duplo papel:

– orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da

sociedade;

– impede que o mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou

imponha determinados comportamentos, violando direitos fundamentais atribuídos a toda

pessoa humana (VISÃO GARANTISTA DO DIREITO PENAL)

 

 

  1. CÓDIGOS PENAIS DO BRASIL

Antes de 1822, ao Brasil colonial eram impostos os diplomas legais vigorantes na então

metrópole, ou seja, vigoravam no país as Ordenações Afonsinas, seguidas pelas Manoelinas e

pelas Filipinas.

Após a República, os seguintes Códigos surgiram:

 

1) Código Criminal do Império do Brasil – 1830;

2) Código Penal dos Estados Unidos do Brasil – 1890;

3) Consolidação das Leis Penais – 1932;

4) Código Penal – 1940, cuja parte especial, com algumas alterações, voga até hoje;

5) Código Penal – 1969, que teve uma vacatio legis de aproximadamente nove anos, e foi

revogado sem nunca ter entrado em vigor;

6) Código Penal – 1984, que revogou tão somente a parte geral do Código de 1940.

 

Assim, o nosso atual Código possui uma parte geral (arts. 1º  a 120), que reporta a 1984, e uma parte especial (arts. 121 a 361), que reporta a 1940 com alterações.

 

 

  1. DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO

Direito Penal objetivo – é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e

contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal,

estejam ou não codificadas.

Direito Penal subjetivo – é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Judiciário. É O PRÓPRIO IUS PUNIENDI.

Mesmo nos crimes de ação penal privada, o Estado não transfere o seu ius puniendi ao particular.

O que este detém é o ius persequendi ou o ius accusationis, ou seja, o direito de vir a juízo e

pleitear a condenação de seu agressor, e não o direito de executar, por si só a sentença

condenatória.

 

 

  1. MODELO PENAL GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI

De acordo com a doutrina de NORBERTO BOBBIO, nem todas as normas ocupam um mesmo patamar dentro do ordenamento jurídico. Há normas superiores e normas inferiores. E há também uma norma que é superior a todas as demais, e confere-lhes legitimidade e coesão dentro do ordenamento. A esta norma superior o autor denominou NORMA FUNDAMENTAL. FERRAJOLI parte desse raciocínio para desenvolver seu modelo penal garantista.

 

A Constituição é a lei maior, a lei suprema que não pode ser mitigada pela legislação inferior. Ela nos garante uma série de direitos, tidos por fundamentais, que não podem ser maculados. Assim, o legislador não poderá proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de uma sanção penal, se o fundamento de validade de todas as leis, que é a Constituição, não nos impedir de praticar o ato ou não nos compelir a fazer aquilo que o legislador nos está impondo.

 

Para Ferrajoli, “o garantismo – entendido no sentido do ESTADO CONSTITUCIONAL DE

DIREITO, isto é, aquele conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa o único remédio para os poderes selvagens”.

 

O autor distingue as garantias em duas grandes classes: as garantias primárias e as garantias

secundárias:

– garantias primárias – limites e vínculos normativos – ou seja, as proibições e obrigações,

formais e substanciais, impostos na tutela dos direitos, ao exercício de qualquer poder;

– garantias secundárias – diversas formas de reparação – a anulabilidade dos atos inválidos

e a responsabilidade pelos atos ilícitos – subseqüentes às violações das garantias primárias.

Para o garantismo de Ferrajoli, o juiz não é um mero aplicador da lei, um mero executor da

vontade do legislador ordinário. Ele é, antes de mais nada, o guardião de nossos direitos

fundamentais.

 

6.1. Dez axiomas do garantismo penal

São dez máximas que dão suporte a todo raciocínio do garantismo penal:

1) nulla poena sine crimine – somente será possível a aplicação de pena quando houver,

efetivamente, a prática de determinada infração penal;

 

2) nullum crimen sine lege – a infração penal deverá sempre estar expressamente prevista

na lei penal;

 

3) nulla lex (poenalis) sine necessitate – a lei penal somente poderá proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de sanção, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tidos como fundamentais ao nosso convívio

em sociedade, (direito penal mínimo);

 

4) nulla necessitas sine injuria – as condutas tipificadas na lei penal devem, obrigatoriamente, ultrapassar a sua pessoa, isto é, não poderão se restringir à sua esfera pessoa, à sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibição de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros;

 

5) nulla injuria sine actione – as condutas tipificadas só podem ser exteriorizadas mediante

a ação do agente, ou omissão, quando previsto em lei;

 

6) nulla actio sine culpa – somente as ações culpáveis podem ser reprovadas;

 

7) nulla culpa sine judicio – é necessário adoção de um sistema nitidamente acusatório, com a presença de um juiz imparcial e competente para o julgamento da causa;

 

8) nullum judicium sine accusatione – o juiz que julga não pode ser responsável pela acusação;

 

9) nulla accusatio sine probatione – fica a cargo do acusador todo o ônus probatório, que

não poderá ser transferido para o acusado da prática de determinada infração penal;

 

10) nulla accusatio sine defensione – deve ser assegurada ao acusado a ampla defesa,

com todos os recursos a ela inerentes.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 2 – FONTES DO DIREITO PENAL

 

  1. CONCEITO

Ao termo FONTE, na ciência jurídica, deve ser atribuído duplo sentido: num primeiro, a

significação de “sujeito” do qual emanam as normas jurídicas (fontes de produção ou fontes

materiais); num segundo, o modo ou o meio pelo qual a vontade jurídica se manifesta (fontes de conhecimento ou fontes formais).

 

 

  1. ESPÉCIES

De acordo com a classificação apresentada, podemos assim distinguir as espécies de fontes:

 

  1. a) fontes de produção – o Estado é a única fonte de produção do Direito Penal. O artigo 22

da CF/88, em seu inciso I, dispõe que “compete privativamente à União legislar sobre  direito penal”.

 

  1. b) fontes de conhecimento – a única fonte de cognição ou de conhecimento do Direito Penal

é a LEI. Mas o autor ainda diferencia, dentro das fontes de cognição, as IMEDIATAS e as

MEDIATAS, sendo que a lei propriamente dita seria fonte imediata por excelência e, dentre as mediatas, estariam os costumes e os princípios gerais de direito.

 

 

CAPÍTULO 3 – DA NORMA PENAL

 

  1. INTRODUÇÃO

O princípio da reserva legal, no plano penal, diz que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. Daí podemos concluir que na vida social o particular está livre para fazer tudo o que quiser, desde que sua conduta não seja prevista na legislação como infração penal.

 

Embora a conduta do agente possa ser até socialmente reprovável, se não houver tipo penal

incriminador proibindo-a, não poderá sofrer qualquer sanção ao praticá-la. Pode haver até uma sanção da própria sociedade, uma sanção moral, mas não é isso que nos importa.

 

O princípio da intervenção mínima, que limita as atividades do LEGISLADOR, proíbe que o Direito Penal interfira nas relações, protegendo bens que não sejam vitais e necessários à manutenção da sociedade.

 

Para BOBBIO, normas penais são aquelas “cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada”.

 

  1. TEORIA DE BINDING

 

Ao analisarmos os artigos da parte especial do Código Penal, percebemos que o legislador usa

um meio interessante para proibir determinadas condutas. Ao invés de estabelecer proibições,

descreveu condutas que, se praticadas, nos levará a uma condenação correspondente à pena

prevista para aquela infração penal.

Ex.: art. 121 – o legislador não dispôs “é proibido matar”, mas descreveu a conduta: “matar

alguém”.

 

Luiz Regis Prado diz que a lei penal modernamente não contém ordem direta, mas sim vedação indireta, abstraída da norma descritiva do comportamento humano pressuposto da conseqüência jurídica.

 

Partindo dessa observação, BINDIG concluiu que, na verdade, quando o criminoso praticava a conduta descrita no núcleo do tipo (verbo), a rigor não infringia a lei. Seu comportamento se

amoldava perfeitamente ao tipo penal incriminador. O que ele infringia era a NORMA PENAL implicitamente contida na lei. Para o autor, a lei teria caráter descritivo da conduta proibida ou imposta, tendo a norma, por sua vez, caráter proibitivo.

 

  1. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS

3.1. Normas Penais Incriminadoras e Normas Penais Não

Incriminadoras.

 

O Código Penal não traz apenas normas que descrevem condutas típicas, que ensejam punição

estatal. Traz também normas que podem beneficiar o agente e até mesmo excluir o crime.

Portanto, existem no código duas espécies de normas penais:

  1. a) normas penais incriminadoras;
  2. b) normas penais não-incriminadoras.

 

  1. A) Normas Penais Incriminadoras

Possuem a função de definir as infrações penais, proibindo ou impondo condutas, sob ameaça de pena. São as normas penais em sentido estrito, proibitivas ou mandamentais.

Ao observarmos os tipos penais incriminadores, percebemos que existem duas espécies de

preceitos:

– preceito primário – preceptum iuris – faz a descrição detalhada e perfeita de uma conduta

que se procura proibir ou impor

– preceito secundário – sanctio iuris – individualiza a pena, cominando-a em abstrato

 

  1. B) Normas Penais Não-Incriminadoras

Possuem as seguintes finalidades:

  1. tornar lícitas determinadas condutas;
  2. afastar a culpabilidade do agente, erigindo causas de isenção de pena;
  3. esclarecer determinados conceitos;
  4. fornecer princípios gerais para a aplicação da lei penal.

 

Elas podem ser, portanto, PERMISSIVAS, EXPLICATIVAS e COMPLEMENTARES.

 

EXPLICATIVAS – esclarecem ou explicam conceitos (arts. 327 e 150, §4º  do CP).

 

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

 

Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena – detenção, de 1 um) a 3 (três) meses, ou multa. § 4º. A expressão “casa” compreende:

I – qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva;

III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

 

 

COMPLEMENTARES – fornecem princípios gerais para a aplicação da lei penal. Ex.: art. 59, do CP.

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:

 

As PERMISSIVAS, por sua vez, podem ser:

 

– permissivas justificantes – têm por finalidade afastar a ilicitude (antijuridicidade) da conduta do agente. Ex.: arts. 23 a 25, do CP.

 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

 

Excesso punível

Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo

excesso doloso ou culposo.

 

Estado de necessidade

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo

atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio

ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

  • 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito quando ameaçado, a pena

poderá ser reduzida de um a dois terços.  7.

 

Legítima defesa

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

 

– permissivas exculpantes – têm por finalidade eliminar a culpabilidade, isentando o agente de pena. Ex.: arts. 26, caput e 28, §1º  do CP.

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

Art. 28. § 1º. É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

3.2. Normas Penais em Branco

São aquelas em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender o

âmbito de aplicação de seu preceito primário. Embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de outro diploma, uma vez que, sem o complemento, torna-se impossível sua aplicação.

 

As normas penais em branco se dividem em dois grupos:

 

–  normas penais em branco homogêneas (ou em sentido amplo) – se o seu complemento é

oriundo da mesma espécie legislativa que editou a norma que necessita do complemento.

Lei complementando lei.

 

– normas penais em branco heterogêneas (ou em sentido estrito) – seu complemento é

oriundo de fonte diversa daquela que a editou. Regulamento complementando lei.

 

3.2.1. Ofensa ao Princípio da Legalidade pelas Normas Penais em Branco Heterogêneas

Como o complemento da norma penal em branco heterogênea pode ser oriundo de outra fonte

legislativa, que não a lei em sentido estrito, haveria ofensa ao princípio da legalidade?.

 

De acordo com o ROGÉRIO GRECO, SIM. Por ofensa à competência exclusiva da União para legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, da CF/88). Faltaria legitimidade à autoridade administrativa para ampliar e mesmo restringir o alcance da norma penal carecedora de complementação.

 

3.3. Normas Penais Incompletas ou Imperfeitas

São aquelas que para se saber a sanção imposta pela transgressão de seu preceito primário o

legislador nos remete a outro texto de lei. Pela leitura do tipo penal incriminador, verifica-se o

conteúdo da proibição ou do mandamento, mas para saber a conseqüência jurídica é preciso se

deslocar para outro tipo penal.

 

Enquanto a norma penal em branco é formalmente deficiente em seu preceito primário, a norma penal incompleta ou imperfeita é deficiente em seu preceito secundário.

Ex.: O artigo 304 do CP, que é ao mesmo tempo norma penal em branco (em seu preceito

primário) e norma penal incompleta (em seu preceito secundário):

 

Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os

artigos 297 a 302: Pena – a cominada à falsificação ou à alteração.

 

  1. ANOMIA E ANTINOMIA

 

ANOMIA – pode se compreendida de duas formas diferentes:

  1. a) em razão da pura e simples ausência de normas;
  2. b) em razão do demérito das normas existentes diante da sociedade, que continua a praticar

as condutas por ela proibidas como se tais normas não existissem. Neste caso, paradoxalmente, a “inflação legislativa”, ou seja, o número excessivo de normas, pode nos

conduzir à situação de anomia. Melhor dizendo, quanto mais normas, maior a sensação de ausência de leis, em face do sentimento de impunidade.

 

ANTINOMIA – é a “situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico e tendo o mesmo âmbito de validade”. NORBERTO BOBBIO.

BOBBIO sugere três critérios para solucionar a antinomia entre as normas:

 

  1. a) critério cronológico – a lei posterior revoga a lei anterior;
  2. b) critério hierárquico – norma hierarquicamente superior prevalece sobre norma

hierarquicamente inferior.

  1. c) critério da especialidade – a lei especial afasta a aplicação da lei geral.

 

  1. CONCURSO (OU CONFLITO) APARENTE DE NORMAS PENAIS

Ocorre quando para um mesmo fato aparentemente existem duas ou mais normas que poderão

sobre ele incidir. Diz-se aparentemente, pois o conflito só ocorre a princípio, antes de uma análise mais detida do problema, tendo em vista que o próprio ordenamento esclarece quais os métodos a serem usados para esclarecer a questão.

 

No âmbito penal, o conflito ocorre quando uma mesma conduta delituosa pode enquadrar-se em diversas disposições da lei penal.

 

São os seguinte princípios responsáveis pela solução do conflito:

  1. A) Princípio da Especialidade;
  2. B) Princípio da Subsidiariedade;
  3. C) Princípio da Consunção;
  4. D) Princípio da Alternatividade.

 

  1. A) Princípio da Especialidade

Norma especial afasta a aplicação da norma geral. Lex specialis derrogat generali.

Na norma especial há um plus, ou seja, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral. Ex.: Homicídio e Infanticídio.

 

  1. B) Princípio da Subsidiariedade

A norma subsidiária é considerada um “soldado de reserva” (NELSON HUNGRIA), ou seja, na ausência ou impossibilidade de aplicação da norma principal mais grave, aplica-se a norma

subsidiária menos grave. Lex primaria derrogat legi subsidiariae.

 

A SUBSIDIARIEDADE PODE SER EXPRESSA OU TÁCITA.

Expressa – a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu caráter subsidiário.Ex.:art. 132, do CP, que será aplicado somente se a conduta não constituir crime mais grave.

Tácita ou implícita – o artigo, embora não se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, somente terá aplicação nas hipóteses de não-ocorrência de um delito mais grave que, neste caso, afastará a aplicação da norma subsidiária. Ex.: art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, que descreve uma espécie de crime de perigo, que é transitar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, etc. Se atropelar alguém, causando-lhe a morte, o crime será outro.

 

DIFERENÇA ENTRE ESPECIALIDADE E SUBSIDIARIEDADE

Na subsidiariedade, ao contrário do que ocorre na especialidade, os fatos previstos em uma e

outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre

mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário

pode apresentar-se como “soldado de reserva” e aplicar-se pelo residuum.

 

  1. C) Princípio da Consunção

Pode-se aplicar o princípio da consunção:

 

  1. a) quando um crime é meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução de outro crime (progressão criminosa e crime progressivo) – a consumação absorve a tentativa e esta absorve o incriminado ato preparatório; o crime de lesão absorve o correspondente crime de perigo; o homicídio, a lesão corporal; o furto em casa habitada, a violação de domicílio.

 

  1. b) nos casos de antefato e pós-fato impuníveis

 

ANTEFATO IMPUNÍVEL (não punível) – situação antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir levar a efeito o crime por ele pretendido inicialmente e que, sem aquele, não seria possível. Ex: para praticar estelionato com um cheque que o sujeito ativo encontrou na rua é necessário que cometa um delito de falso, ou seja: que o preencha e o assine.

Súmula 17 – STJ – “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido”.

 

PÓS-FATO IMPUNÍVEL (não punível) – é um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Ex.: a venda pelo ladrão de coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se o agente falsifica moeda e depois a introduz em circulação pratica apenas o crime de moeda falsa.

 

  1. D) Princípio da Alternatividade

Observa-se a aplicabilidade do princípio nos casos de crimes de ação múltipla ou de conteúdo

variado, ou seja, crimes plurinucleares, nos quais o tipo penal prevê mais de uma conduta em

seus vários núcleos. Ex.: artigo 12 da Lei de Tóxicos (lei 6.368/76):

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à

venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Se o sujeito pratica três verbos diferentes, não responde por concurso material, mas sim uma

única vez, sem que se possa falar em concurso de infrações penais. O princípio da alternatividade diz que o agente só pode ser punido por uma das modalidades inscritas no tipo penal, ainda que possa praticar duas ou mais condutas.

 

 

CAPÍTULO 4 – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL

 

  1. INTRODUÇÃO

Buscar a interpretação de uma norma jurídica é buscar o exato sentido que essa norma quer nos transmitir. Não existe norma que careça de interpretação. Por mais clara que a norma seja,

precisa ser interpretada dentro de determinado contexto. Aliás, a própria conclusão sobre a

clareza de uma norma advém de um exercício intelectual denominado interpretação.

 

  1. ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO

 

Quanto ao sujeito que a realiza:

  1. autêntica – é a realizada pelo próprio texto legal. O legislador traz no próprio corpo da lei

a interpretação que deseja ser atribuída a determinado instituto, de forma a afastar quaisquer dúvidas; a. contextual – é realizada no mesmo momento em que é editado o diploma legal

que se procura interpretar – ex.: artigo 327, do CP, que define o que é funcionário público;

  1. posterior – realizada pela lei, após a edição de um diploma legal anterior. Ocorre quando a lei nova tenta dirimir a incerteza ou obscuridade da lei anterior.

 

AS EXPOSIÇÕES DE MOTIVOS DOS CÓDIGOS SÃO EXEMPLOS DE INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA?.

Não, pois embora nos auxilie a interpretar o texto legal, a exposição de motivos não é votada pelo Congresso Nacional nem sancionada pelo Presidente da República. Assim, não sendo efetivamente uma lei, as conclusões e explicações levadas a efeito não podem ser consideradas interpretações autênticas, mas sim DOUTRINÁRIAS.

 

  1. doutrinária – realizada pelos estudiosos do direito, que emitem suas opiniões pessoais

sobre o significado de determinado instituto;

 

  1. judicial – realizada pelos aplicadores do direito. Restringe-se à interpretação feita intra

autos, ou seja, dentro do processo. Se os juízes proferem palestras, a interpretação será doutrinária.

 

Quanto aos meios interpretativos empregados:

  1. literal (ou gramatical) – o intérprete se preocupa somente com o sentido real e efetivo

das palavras.

 

  1. teleológica – o intérprete busca alcançar a finalidade da lei, aquilo ao qual ela se destina

regular. O método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu

objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o

sentido terminológico das palavras.

 

  1. sistemática (ou sistêmica) – o intérprete analisa o dispositivo legal no sistema no qual

ele está contido, e não de forma isolada. Interpreta-se olhando para o todo, e não apenas

para uma parte.

 

  1. histórica – o intérprete volta ao passado, ao tempo em que foi editado o diploma que se

quer interpretar, buscando os fundamentos de sua criação, o momento pelo qual

atravessava a sociedade, com vistas a entender o motivo pelo qual houve a necessidade

de modificação do ordenamento jurídico.  11

 

Quando aos resultados:

  1. declaratória – o intérprete não amplia nem restringe o alcance da lei, apenas declara sua

vontade.

  1. extensiva – para que se possa conhecer a amplitude da lei o intérprete necessita alargar

o seu alcance, haja vista ter aquela lei dito menos do que efetivamente pretendia (lex minus dixit quam voluit). Ex.: quando o Código proíbe a bigamia, obviamente proibiu também a poligamia.

 

  1. restritiva – o intérprete diminui, restringe o alcance da lei, uma vez que esta, à primeira

vista, disse mais do que efetivamente pretendia dizer (lex plus dixit quam voluit), buscando

apreender seu verdadeiro sentido.

 

 

  1. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

O que justifica a interpretação analógica é a impossibilidade de o legislador prever todas as

situações possíveis, similares àquelas situações já enumeradas, de maneira a demonstrar sua

relevância para o direito posto.

Na interpretação analógica surge primeiro uma fórmula casuística, que servirá de norte ao

intérprete, e depois segue-se uma fórmula genérica. A primeira fórmula atende ao princípio da

legalidade, detalhando todas as situações que quer o código regular e a segunda, por sua vez,

permite que tudo aquilo que a elas sejam semelhantes possa também ser abrangido pelo mesmo artigo.

 

Exemplo: artigo 121, §2º, , inciso III, do CP: § 2º. Se o homicídio é cometido: III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou

cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

 

Fórmula casuística – “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura…”;

Fórmula genérica – “… ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”.

 

 interpretação extensiva EM SENTIDO ESTRITO

INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA

 interpretação analógica

 

COMO PODEMOS DIFERENCIAR A INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM SENTIDO ESTRITO DA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA?

  1. – POR EXCLUSÃO. QUALQUER PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM QUE NÃO ESTÃO PRESENTES UMA FÓRMULA CASUÍSTICA SEGUIDA DE UMA FÓRMULA GENÉRICA É INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM SENTIDO ESTRITO, CASO PRESENTES, É INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA.

 

  1. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

CONCEITO – método de interpretação mediante o qual o intérprete, de acordo com uma

concepção penal garantista, procura aferir a validade das normas mediante o seu confronto com a Constituição.  12

 

A missão primeira do juiz, como guardião da legalidade constitucional, antes de julgar os fatos, é julgar a própria lei a ser aplicada, é julgar, enfim, a sua compatibilidade formal e substancial com a Constituição, para, se entender lesiva à Constituição, interpreta-la conforme a Constituição ou, não sendo isso (a interpretação conforme) possível, deixar de aplica-la, simplesmente, declarando-lhe a inconstitucionalidade.

 

 

  1. DÚVIDAS EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO

Quando, ainda que aplicados todos os métodos interpretativos possíveis, ainda subsistirem

dúvidas sobre a interpretação da norma penal, deve-se resolver o conflito contra ou a favor do

réu?

  1. – Existem três correntes diferentes. A primeira diz que, em caso de dúvida de interpretação, esta deve pesar em prejuízo do agente (in dubio pro societate); uma segunda corrente diz que o problema deveria ser resolvido pelo julgador, seja de forma benéfica ou prejudicial ao réu; por fim, uma terceira corrente, em sintonia com a maioria da doutrina, preconiza que a dúvida em matéria de interpretação deve ser resolvida em benefício do agente (in dubio pro reo).

 

 

  1. ANALOGIA

 

CONCEITO – é forma de auto-integração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante. É o raciocínio que permite transferir a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro certos caracteres essenciais ou a mesma ou suficiente razão.

 

O campo de abrangência do Direito Penal, dado o seu caráter fragmentário, é muito restrito,

limitado. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas porventura existentes devem ser

consideradas como expressões da vontade negativa da lei.

 

No Direito Penal é terminantemente proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando o rol de

circunstâncias agravantes, seja ampliando o conteúdo dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador.

 

Portanto, daí se inferem duas hipóteses de analogia:

  1. a) analogia in bonam partem – é a analogia benéfica ao agente. Ex.: imagine situação em que a mulher engravide em razão de atentado violento ao pudor.

Embora o código só permita o aborto nos casos em que a gravidez decorra de estupro, por analogia também será permitido aborto no caso do atentado violento ao pudor.

  1. b) analogia in malam partem – é a aplicação de uma norma que define o ilícito penal,

sanção, ou consagre qualificadora, causa especial de aumento de pena ou agravante (occidentalia delicti) a uma hipótese não contemplada, mas que se assemelha ao caso típico. POR IR DE ENCONTRO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, É INADMISSÍVEL NO BRASIL.

 

 

CAPÍTULO 5 – PRINC. DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

 

ENUNCIADO – O Direito Penal só deve preocupar-se com os bens mais importantes e

necessários à vida em sociedade.

O Direito Penal só atua para proteger os bens jurídicos não suficientemente protegidos pelos

outros ramos do Direito, desde tais bens jurídicos sejam salutares à vida em sociedade. É um princípio limitador do poder de punir do Estado. O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. O Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito.

 

O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, assim como possui o condão de identificar os bens jurídicos mais relevantes, merecedores de proteção pelo Direito Penal, também é o responsável pelo movimento oposto, ou seja, identificar quais os bens jurídicos carecedores de importância à luz do Direito Penal. A esse fenômeno dá-se o nome de DESCRIMINALIZAÇÃO. Exemplos:DESCRIMINALIZAÇÃO – crime de adultério, emissão de cheque sem fundos (??).

CRIMINALIZAÇÃO – crime de assédio sexual.

 

 

14

CAPÍTULO 6 – PRINCÍPIO DA LESIVIDADE

Intimamente relacionado com o princípio da intervenção mínima (ultima ratio), o princípio da

lesividade esclarece, limitando ainda mais o poder punitivo do Estado, quais são as condutas

passíveis de serem incriminadas pela lei penal. Aliás, o princípio o faz de forma negativa, ou seja, indicando quais condutas NÃO PODEM ser incriminadas.

 

A Doutrina enumera quatro principais funções do princípio da lesividade:

  1. a) proibir a incriminação de uma atitude interna (se é que existem “atitudes” internas);
  2. b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor (daí não

se punir a tentativa de suicídio);

  1. c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais (impede que seja

erigido um direito penal do autor);

  1. d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico (não

incriminação do que não toma banho, do homossexual).

 

O princípio coloca em discussão na Doutrina a validade do artigo 16 da Lei 6.368/76 (Lei

Antitóxicos), que incrimina o uso de drogas.

Por outro lado, o princípio informa o instituto do crime impossível, em que não existe a

possibilidade de lesão ao bem jurídico penalmente protegido seja pela absoluta ineficácia do meio utilizado ou pela absoluta impropriedade do objeto.

 

 

CAPÍTULO 7 – PRINC. DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

A teoria da adequação social, concebida por HANS WELZEL, significa que, apesar de uma

conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada.

O princípio da adequação social possui uma dupla função:

  1. a) restringe o âmbito de aplicação do direito penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade;
  2. b) orienta o legislador na eleição das condutas que se deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes, seja incluindo novas condutas, seja excluindo condutas NÃO MAIS INADEQUADAS À CONVIVÊNCIA EM SOCIEDADE.

Observe-se que o princípio da adequação social NÃO SE PRESTA A REVOGAR TIPOS PENAIS INCRIMINADORES. Mesmo que sejam constantes as práticas de algumas infrações penais, cujas condutas incriminadas a sociedade já não mais considera perniciosas, não cabe, aqui, a alegação, pelo agente, de que o fato que pratica se encontra, agora, socialmente adequado. Isto ocorre, por exemplo, com o “jogo do bicho”, que porquanto não seja socialmente inadequado, permanece contravenção penal.

 

 

CAPÍTULO 8 – PRINC. DA FRAGMENTARIEDADE

O caráter fragmentário do Direito Penal quer dizer que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais ao Estado, comprovada a lesividade e a inadequação social das condutas que os

ofendem, esses bens passarão a constituir um fragmento, uma pequena parcela de todos os bens protegidos pelo ordenamento jurídico.

De toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o

Direito penal só se ocupa de uma parte, de fragmentos, embora da maior importância. Deflui o princípio dos princípios da intervenção mínima (ultima ratio), da lesividade e da adequação social.

 

 

CAPÍTULO 9 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

 

  1. INTRODUÇÃO

Para os que adotam um conceito analítico do crime, o mesmo é composto pelo fato típico, pela ilicitude e pela culpabilidade. E para que haja tipicidade é preciso que haja quatro requisitos:

conduta

resultado

nexo de causalidade

tipicidade

Assim, se alguém age (conduta) de forma a causar a alguém (nexo de causalidade) algum dano (resultado), só nos resta saber se existe tipicidade para que o ato possa ser considerado típico.

 

 

  1. TIPICIDADE PENAL

A tipicidade penal é bipartida em:

– formal – é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto

na lei penal;

– conglobante – deve-se analisar se a) a conduta do agente é antinormativa e b) se o fato é

materialmente típico.

 

O ESTUDO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RESIDE NESSE ÚLTIMO PONTO DA TIPICIDADE PENAL, QUAL SEJA, NO FATO DE O FATO SER OU NÃO MATERIALMENTE TÍPICO.

Para se descobrir se determinado fato é ou não materialmente típico, devemos responder à

seguinte indagação: será que o legislador, a tipificar aquela conduta determinada, teve a intenção de englobar aquela lesão específica (considerando-se a gravidade da lesão)?

Caso a resposta seja negativa, faltaria ao ato a chamada tipicidade material o que, via de

conseqüência, excluiria a tipicidade conglobante e, ato contínuo, a tipicidade penal. Não havendo fato típico, não há crime.

 

  1. REJEIÇÃO AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

O princípio da insignificância, introduzido por CLAUS ROXIN, tem por finalidade auxiliar o

intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei

aquelas situações consideradas como de bagatela.

 

 

CAPÍTULO 10 – PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

 

FASES DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O primeiro momento da individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador,

quando escolhe as modalidades de penas a serem aplicadas. Ver inciso XLVI, do art. 5º , da CF. XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

  1. a) privação ou restrição da liberdade;
  2. b) perda de bens;
  3. c) multa;
  4. d) prestação social alternativa;
  5. e) suspensão ou interdição de direitos;

 

A segunda fase é a atribuição de uma pena a determinados crimes de acordo com sua lesividade ao bem jurídico protegido, levando em consideração, também, a intenção do agente (se agiu com dolo ou culpa). A essa fase dá-se o nome de cominação. É levada a efeito pelo poder legislativo, em uma atividade anterior ao fato criminoso.

 

A terceira fase é a denominada aplicação da pena, na qual o julgador deve atentar às determinações contidas no artigo 59 do Código Penal (circunstâncias judiciais):

 

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se

cabível.

 

Fixação da pena-base, de acordo com o critério trifásico determinado pelo artigo 68 do Código Penal:

– circunstâncias judiciais;

– circunstâncias atenuantes e agravantes

– causas de diminuição e de aumento de pena.

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte

especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo,

todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

 

Por fim, ocorre também a individualização na fase de execução penal, de acordo com o artigo 5o, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

 

Art. 5o – Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

 

  1. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E A LEI Nº 8.072/90

Com o advento da lei nº 8.072/90, começou uma discussão acerca da constitucionalidade do §1o

do artigo 2o da referida lei, tendo em vista que impunha o total cumprimento da pena em regime fechado, seja qual a modalidade de crime praticado, dês que hediondo, em possível afronta ao princípio da individualização da pena.

STF e STJ têm opiniões divergentes. Enquanto o STJ diz ser impossível à legislação ordinária

impor regime único, inflexível, visto que o princípio da individualização da pena obrigava o juiz a atender a 3 fases na sua aplicação, o STF diz não haver inconstitucionalidade, visto ter o

constituinte atribuído ao legislador originário a competência para fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar a concreção ou a individualização da pena.

 

 

CAPÍTULO 11 – PRINC. DA PROPORCIONALIDADE

O Princípio da Proporcionalidade veio a lume em 1764, na obra Dos delitos e das penas, na qual Cesare Bonessana (Marquês de Beccaria) ou Cesare Beccaria afirmava que “para não seu um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.

O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação

existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que

pode alguém ser privado (gravidade da pena).

Toda vez que existir, nessa relação, um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto o

ESTABELECIMENTO DE COMINAÇÕES LEGAIS (proporcionalidade em abstrato) e a

IMPOSIÇÃO DE PENAS (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Possui, portanto, um duplo destinatário: o legislador e o juiz.

 

 

 CAPÍTULO 12 – PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

De acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, também denominado princípio da

pessoalidade ou princípio da intranscendência da pena, somente a pessoa do condenado é que

terá que se submeter à sanção que lhe foi aplicada pelo Estado.

Determina o inciso XLV do artigo 5o, da CF/88:

XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

Havendo o falecimento do condenado, a pena que lhe fora infligida, MESMO QUE SEJA DE NATUREZA PECUNIÁRIA, não poderá ser estendida a ninguém, tendo em vista seu caráter personalíssimo.

 

 

CAPÍTULO 13 – PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS

 

  1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal preceitua no inciso XLVII de seu artigo 5o

que:

XLVII – não haverá penas:

  1. a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
  2. b) de caráter perpétuo;
  3. c) de trabalhos forçados;
  4. d) de banimento;
  5. e) cruéis;

A proibição constitucional dessas espécies de pena atende ao princípio da DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA (art. 1o, III).

 

  1. PENAS DE MORTE E DE CARÁTER PERPÉTUO

A população, revoltada com o aumento da criminalidade, entende que tais penas poderiam ser

adotadas para que se tentasse inibir a prática de infrações penais graves. Estudos indicam, contudo, que a aplicação da pena de morte ou de caráter perpétuo não parece ter efeito algum

sobre as taxas de homicídios.

A vida é um dos direitos fundamentais defendidos pelo Estado e se encontra protegido contra

proposta de Emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Existem alguns autores que não admitem que a pena de morte seja restabelecida sequer por meio de uma nova ordem constitucional. De acordo com estes autores, embora o poder constituinte originário não encontre limites no poder constituinte anterior, em matéria de direitos humanos, não se admitem regressões.

 

No Brasil, a própria Constituição, que veda a pena de morte, permite que em alguns casos haja pena de morte. Ver, por exemplo, o artigo 56, do Código Penal Militar:

 

Art. 55. As penas principais são:

  1. a) morte;

Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

É de se observar que a prisão perpétua não é admitida em qualquer hipótese dentro de nosso

ordenamento, nem mesmo no caso de guerra declarada, em que se admite a pena de morte.

 

  1. PENA DE TRABALHOS FORÇADOS

Haveria contradição entre a proibição constitucional da pena de trabalhos forçados e as

disposições constantes na Lei de Execuções Penais no sentido de que é dever do condenado a

execução do trabalho, das tarefas e ordens recebidas (artigo 39, inciso V), ou que só ingressará no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo (artigo 114, inciso I)?

O que a Constituição quis proibir, na verdade, foi o trabalho que humilha o condenado pelas

condições como é executado. Não pode ser espancado para trabalhar nem ter sua refeição

suspensa, por exemplo.

O fato de não poder ser obrigado a trabalhar não impede que vários benefícios durante a

execução penal não sejam deferidos àqueles condenados que não se empregam ao trabalho, tais como a progressão de regime (semi-aberto para o aberto) e a remição da pena (3 dias de trabalho para 1 dia remido).

 

 

  1. PENA DE BANIMENTO

O banimento era medida de política criminal que consistia na expulsão do território nacional de quem atentasse contra a ordem política interna ou a forma de governo estabelecida.

Durante o regime dos Atos Institucionais, o de número 13, de 1969, estabelecia o banimento de brasileiro que, comprovadamente, se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança

Nacional.

Na verdade, a pena de banimento não é vedada apenas para se evitar que se expulse brasileiro

do território nacional. Ocorre que qualquer limitação na liberdade de locomoção do indivíduo

circunscrita a algumas cidades, estados ou regiões do próprio território nacional configura pena de banimento. Ex.: na liberdade condicional, o juiz proíbe que o sujeito seja encontrado nas cidades X ou Y, ou determina que o sujeito deixe o Estado Z para nunca mais voltar.

 

  1. PENAS CRUÉIS

 

Com o intuito de preservar a integridade física e moral do preso, proibiu a Constituição a aplicação de penas cruéis. O antônimo de pena cruel obviamente não é pena doce, agradável, mas sim pena RACIONAL

 

Proíbe-se o decepamento da mão do ladrão, a castração do condenado pelo crime de estupro etc.

 

 

CAPÍTULO 14 – PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Culpabilidade é o juízo de censura, é o juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente. É a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, “agir de outro modo”.

 

O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais:

 

  • culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico do crime – exerce papel

fundamental na caracterização da infração penal. A culpabilidade é o terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo estudada após a análise do fato típico e a ilicitude, ou seja, após concluir-se que o agente praticou um injusto penal. Após essa constatação, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado.

  • culpabilidade como princípio medidor da pena – uma vez existente a infração penal (fato

típico, antijurídico e culpável) o agente será, em tese, condenado. O juiz, para encontrar a medida justa da pena para a infração penal praticada, terá sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador.

A primeira das CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAI0 a serem analisadas pelo juiz para a fixação da pena-base (primeira fase dentro do critério trifásico de fixação da pena) é justamente a CULPABILIDADE (art. 59, do CP).

A culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o da responsabilidade penal sem culpa – o princípio da culpabilidade impõe subjetividade na responsabilidade penal. Não se admite no Direito penal a atribuição de responsabilidade derivada simplesmente de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico.

Se não houver dolo ou culpa, não haverá conduta. Sem conduta não há fato típico. Sem fato típico não haverá crime.

 

 

CAPÍTULO 15 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 

  1. O ESTADO DE DIREITO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 

Os conceitos estão intimamente ligados, visto que o Estado de Direito, criado justamente para

retirar o poder das mãos do soberano, demanda que todos se subordinem à lei posta. O Estado de Direito é um Estado submetido a um regime de direito. O princípio da legalidade surgiu no anseio de estabelecer na sociedade regras permanentes e válidas, que pudessem proteger os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível por parte dos governantes.

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL

O princípio é trazido na Constituição Federal (CF), em seu artigo 5o

, inciso XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. (quase igual ao art. 1o do Código Penal – CP)

De acordo com o Rogério Greco, o princípio da legalidade é, sem dúvida, o mais importante

princípio do Direito Penal. Tudo o que não é expressamente proibido é lícito diante do Direito

Penal. Von Liszt dizia, por isso, ser o Código Penal a Carta Magna do delinqüente.

 

Surgiu o princípio da legalidade penal na Inglaterra, no ano de 1215, por meio da Carta Magna inglesa, editada pelo Rei João Sem Terra.

O princípio sempre constou em todos os nossos Códigos Penais, desde o império até a reforma de 1984.

Atribui-se o surgimento da expressão latina do princípio a ANSELM VON FEUERBACH, em seu Tratado de Direito Penal de 1801.

 

NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIA LEGE

 

  1. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

– proibir a retroatividade da lei penal – o inciso LX da CF determina que “a lei penal não

retroagirá, salvo para beneficiar o agente”. A regra, portanto, é a irretroatividade. A retroatividade é exceção só admitida para beneficiar o agente. Daí ninguém poder ser punido por cometer um fato que, à época, era tido como um indiferente penal;

– proibir a criação de crimes e penas pelos costumes – se só a lei pode criar crimes e

penas, resulta óbvio a proibição de se invocar normas consuetudinárias para fundamentar ou

agravar a pena. A fonte imediata do Direito Penal é a lei;

– proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas – a

proibição é o recurso à analogia in malam partem para, de qualquer forma, prejudicar o agente;

– proibir incriminações vagas e indeterminadas (taxatividade) – o preceito primário do tipo

penal incriminador deve ter uma descrição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. Isso quer dizer, também, que o judiciário está sempre obrigado a interpretar a norma legal de maneira restritiva.

 

  1. LEGALIDADE FORMAL E LEGALIDADE MATERIAL

Legalidade Formal – é a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico.

Legalidade Material – de acordo com LUIGI FERRAJOLI, a adoção de um modelo penal

garantista implica não somente a legalidade formal, mas também a legalidade material, definida como o respeito em seu conteúdo das proibições e imposições trazidas pela Constituição para a garantia de nossos direitos fundamentais por ela previstos.

 

  1. VIGÊNCIA E VALIDADE DA LEI A vigência da lei estaria para a legalidade formal e a validade estaria para a legalidade material. O papel da jurisdição expresso pela teoria do garantismo deve ser compreendido como defesa intransigente dos direitos fundamentais, fundamento hermenêutico para a avaliação da validade substancial das leis.

O vínculo do julgador à legalidade não deve ser outro que ao da LEGALIDADE

CONSTITUCIONALMENTE válida, sendo que a denúncia crítica da invalidade constitucional das leis permite sua exclusão do sistema, não gerando nada além do que a otimização do próprio princípio da legalidade e não, como querem alguns doutrinadores, sua negação.

 

  1. TERMO INICIAL DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Não é a simples publicação de uma lei penal que a faz obrigatória a todos. Para que se incrimine alguém, é necessário que a prática do fato penalmente descrito tenha sido após a VIGÊNCIA da lei. Assim, a lei penal que contenha tipos penais incriminadores que agravem a situação do agente só pode ser aplicada após sua entrada em vigor.

Diferente ocorre com a lex mitior. Nesse caso, existe a possibilidade de se aplicar a lei mesmo

antes de sua entrada em vigor. De acordo com o artigo 2o do Código Penal determina que lei

posterior que de qualquer forma favorecer o agente deverá retroagir, ainda que o fato já tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado. Se a lei que favorece o agente deve ser aplicada obrigatoriamente de forma retroativa, pra que aguardar sua vacatio legis? Maior vantagem é aplicá-la desde sua publicação.

 

  1. MEDIDAS PROVISÓRIAS REGULANDO MATÉRIAS PENAIS

Somente lei em sentido estrito, lei formalmente considerada (lei ordinária) pode criar tipos penais – em atenção aos princípios da legalidade e da separação dos poderes.

Vários eram os argumentos contrários à possibilidade de medidas provisórias regularem matérias penais:

 

1º – ARGUMENTO

Pelo princípio da separação dos poderes, a função de legislar, notadamente sobre matéria penal, é do poder Legislativo, e não do Executivo. Qualquer Medida Provisória que viesse de encontro a esse princípio deveria se declarada inconstitucional.

 

2º ARGUMENTO

O processo legislativo regular deve atender aos seguintes passos: iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação, publicação, vigência.

Sendo assim, um dos principais momentos da elaboração de uma lei é a discussão realizada

pelos representantes do povo (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado Federal). As

Medidas Provisórias, por sua vez, começam a regular as situações por ela abrangidas a partir de sua publicação. A decisão de inovar no ordenamento jurídico não vem dos eleitos pelo povo para tanto, mas sim do Presidente da República, eleito para administrar o país.  27

 

3º ARGUMENTO

Pode ocorrer de a Medida Provisória ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Neste caso, a simples reparação do dano sofrido pelas pessoas, presas em decorrência da inovação trazida pela MP, por meio de indenização é uma solução demasiadamente simplista. Não satisfaz a exigência constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, ao mesmo tempo, infringe o status libertatis dos cidadãos. Além disso, o Direito penal não tolera “tipos condicionados”.

 

4º ARGUMENTO

Para a edição de Medida Provisória são exigidos os requisitos da RELEVÂNCIA e da URGÊNCIA.

Quanto à primeira, não há discussão de que a matéria penal é de extrema relevância dentro do ordenamento jurídico. Quanto à urgência, contudo, não se vislumbra situação em que o

Presidente, por sua vontade única e isolada, conclua pela urgência de inovação do sistema

jurídico-penal, desprezando a necessidade de discussão e reflexão de muitos.

 

5º  ARGUMENTO

Medida Provisória, enquanto não aprovada pelo Congresso Nacional, não é lei, mas apenas

possui força de lei. Poder-se ia cogitar da hipótese de ficar com seus efeitos suspensos até que se convertesse em lei? Obviamente não. Se assim fosse, poderia ser equiparada a um mero projeto de lei do Legislativo. Além do mais, onde estaria a urgência exigida para a edição de MPs?

 

HOJE, APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.

O O ARTIGO 62, §1OINCISO I, ALÍNEA B DA CONSTITUIÇÃO PROÍBE EXPRESSAMENTE A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS SOBRE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL E PROCESSUAL

CIVIL.

 

  1. DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

Falando-se em princípio da legalidade estaríamos permitindo a adoção de quaisquer dos diplomas elencados no artigo 59 da Constituição (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo, resoluções), OU SEJA, LEIS MATERIALMENTE CONSIDERADAS.

Por outro lado, quando fazemos menção à reserva legal, limitamos a aceitação às espécies tidas como LEIS FORMALMENTE CONSIDERADAS, ou seja, que respeitam o procedimento legislativo próprio das leis ordinárias (incluídas as leis complementares).

 

 

CAPÍTULO 14 – PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE

Culpabilidade é o juízo de censura, é o juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente. É a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, “agir de outro modo”.

O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais:

  • culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico do crime – exerce papel

fundamental na caracterização da infração penal. A culpabilidade é o terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo estudada após a análise do fato típico e a ilicitude, ou seja, após concluir-se que o agente praticou um injusto penal. Após essa constatação, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado.

  • culpabilidade como princípio medidor da pena – uma vez existente a infração penal (fato

típico, antijurídico e culpável) o agente será, em tese, condenado. O juiz, para encontrar a medida justa da pena para a infração penal praticada, terá sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador.

A primeira das CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS a serem analisadas pelo juiz para a fixação da pena-base (primeira fase dentro do critério trifásico de fixação da pena) é justamente a CULPABILIDADE (art. 59, do CP).

  • culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o

da responsabilidade penal sem culpa – o princípio da culpabilidade impõe subjetividade na

responsabilidade penal. Não se admite no Direito penal a atribuição de responsabilidade derivada simplesmente de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico.

Se não houver dolo ou culpa, não haverá conduta. Sem conduta não há fato típico. Sem fato típico não haverá crime.

 

 

CAPÍTULO 15 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 

  1. O ESTADO DE DIREITO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Os conceitos estão intimamente ligados, visto que o Estado de Direito, criado justamente para

retirar o poder das mãos do soberano, demanda que todos se subordinem à lei posta. O Estado de Direito é um Estado submetido a um regime de direito. O princípio da legalidade surgiu no anseio de estabelecer na sociedade regras permanentes e válidas, que pudessem proteger os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível por parte dos governantes.

 

  1. INTRODUÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL

O princípio é trazido na Constituição Federal (CF), em seu artigo 5o, inciso XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. (quase igual ao art. 1o do Código Penal – CP)

De acordo com o Rogério Greco, o princípio da legalidade é, sem dúvida, o mais importante

princípio do Direito Penal. Tudo o que não é expressamente proibido é lícito diante do Direito

Penal. Von Liszt dizia, por isso, ser o Código Penal a Carta Magna do delinqüente.

Surgiu o princípio da legalidade penal na Inglaterra, no ano de 1215, por meio da Carta Magna inglesa, editada pelo Rei João Sem Terra.

O princípio sempre constou em todos os nossos Códigos Penais, desde o império até a reforma de 1984.

Atribui-se o surgimento da expressão latina do princípio a ANSELM VON FEUERBACH, em seu Tratado de Direito Penal de 1801.

 

NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIA LEGE

 

  1. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

1º – proibir a retroatividade da lei penal – o inciso LX da CF determina que “a lei penal não

retroagirá, salvo para beneficiar o agente”. A regra, portanto, é a irretroatividade. A retroatividade é exceção só admitida para beneficiar o agente. Daí ninguém poder ser punido por cometer um fato que, à época, era tido como um indiferente penal;

2º – proibir a criação de crimes e penas pelos costumes – se só a lei pode criar crimes e penas, resulta óbvio a proibição de se invocar normas consuetudinárias para fundamentar ou

agravar a pena. A fonte imediata do Direito Penal é a lei;

3º – proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas – a 3º – proibição é o recurso à analogia in malam partem para, de qualquer forma, prejudicar o agente;

º 4º – proibir incriminações vagas e indeterminadas (taxatividade) – o preceito primário do tipo penal incriminador deve ter uma descrição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. Isso quer dizer, também, que o judiciário está sempre obrigado a interpretar a norma legal de maneira restritiva.

 

  1. LEGALIDADE FORMAL E LEGALIDADE MATERIAL

Legalidade Formal – é a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico.

Legalidade Material – de acordo com LUIGI FERRAJOLI, a adoção de um modelo penal

garantista implica não somente a legalidade formal, mas também a legalidade material, definida como o respeito em seu conteúdo das proibições e imposições trazidas pela Constituição para a garantia de nossos direitos fundamentais por ela previstos.

 

  1. VIGÊNCIA E VALIDADE DA LEI

A vigência da lei estaria para a legalidade formal e a validade estaria para a legalidade material. O papel da jurisdição expresso pela teoria do garantismo deve ser compreendido como defesa intransigente dos direitos fundamentais, fundamento hermenêutico para a avaliação da validade substancial das leis.

O vínculo do julgador à legalidade não deve ser outro que ao da LEGALIDADE

CONSTITUCIONALMENTE válida, sendo que a denúncia crítica da invalidade constitucional das leis permite sua exclusão do sistema, não gerando nada além do que a otimização do próprio princípio da legalidade e não, como querem alguns doutrinadores, sua negação.

 

  1. TERMO INICIAL DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL

Não é a simples publicação de uma lei penal que a faz obrigatória a todos. Para que se incrimine alguém, é necessário que a prática do fato penalmente descrito tenha sido após a VIGÊNCIA da lei. Assim, a lei penal que contenha tipos penais incriminadores que agravem a situação do agente só pode ser aplicada após sua entrada em vigor.

Diferente ocorre com a lex mitior. Nesse caso, existe a possibilidade de se aplicar a lei mesmo

antes de sua entrada em vigor. De acordo com o artigo 2o do Código Penal determina que lei

posterior que de qualquer forma favorecer o agente deverá retroagir, ainda que o fato já tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado. Se a lei que favorece o agente deve ser aplicada obrigatoriamente de forma retroativa, pra que aguardar sua vacatio legis? Maior vantagem é aplicá-la desde sua publicação.

 

  1. MEDIDAS PROVISÓRIAS REGULANDO MATÉRIAS PENAIS

Somente lei em sentido estrito, lei formalmente considerada (lei ordinária) pode criar tipos penais – em atenção aos princípios da legalidade e da separação dos poderes.

Vários eram os argumentos contrários à possibilidade de medidas provisórias regularem matérias penais:

 1º ARGUMENTO

Pelo princípio da separação dos poderes, a função de legislar, notadamente sobre matéria penal, é do poder Legislativo, e não do Executivo. Qualquer Medida Provisória que viesse de encontro a esse princípio deveria se declarada inconstitucional.

2º  ARGUMENTO

O processo legislativo regular deve atender aos seguintes passos: iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação, publicação, vigência.

Sendo assim, um dos principais momentos da elaboração de uma lei é a discussão realizada

pelos representantes do povo (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado Federal). As

Medidas Provisórias, por sua vez, começam a regular as situações por ela abrangidas a partir de sua publicação. A decisão de inovar no ordenamento jurídico não vem dos eleitos pelo povo para tanto, mas sim do Presidente da República, eleito para administrar o país.

 

3º  ARGUMENTO

Pode ocorrer de a Medida Provisória ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Neste caso, a simples reparação do dano sofrido pelas pessoas, presas em decorrência da inovação trazida pela MP, por meio de indenização é uma solução demasiadamente simplista. Não satisfaz a exigência constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, ao mesmo tempo, infringe o status libertatis dos cidadãos. Além disso, o Direito penal não tolera “tipos condicionados”.

 

4º ARGUMENTO

Para a edição de Medida Provisória são exigidos os requisitos da RELEVÂNCIA e da URGÊNCIA.

Quanto à primeira, não há discussão de que a matéria penal é de extrema relevância dentro do

ordenamento jurídico. Quanto à urgência, contudo, não se vislumbra situação em que o Presidente, por sua vontade única e isolada, conclua pela urgência de inovação do sistema

jurídico-penal, desprezando a necessidade de discussão e reflexão de muitos.

 

5º  ARGUMENTO

Medida Provisória, enquanto não aprovada pelo Congresso Nacional, não é lei, mas apenas

possui força de lei. Poder-se ia cogitar da hipótese de ficar com seus efeitos suspensos até que se convertesse em lei? Obviamente não. Se assim fosse, poderia ser equiparada a um mero projeto de lei do Legislativo. Além do mais, onde estaria a urgência exigida para a edição de MPs?

HOJE, APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 32, O ARTIGO 62, §1OINCISO I, ALÍNEA B DA CONSTITUIÇÃO PROÍBE EXPRESSAMENTE A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS SOBRE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL E PROCESSUAL CIVIL.

 

  1. DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL

Falando-se em princípio da legalidade estaríamos permitindo a adoção de quaisquer dos diplomas elencados no artigo 59 da Constituição (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medidaprovisória, decreto legislativo, resoluções), OU SEJA, LEIS MATERIALMENTE CONSIDERADAS.

Por outro lado, quando fazemos menção à reserva legal, limitamos a aceitação às espécies tidas como LEIS FORMALMENTE CONSIDERADAS, ou seja, que respeitam o procedimento legislativo próprio das leis ordinárias (incluídas as leis complementares).

 

 

CAPÍTULO 20 – CONCEITO E EVOLUÇÃO DATEORIA DO CRIME

 

  1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS

CONCEITO – é a parte do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Essa explicação atende a uma função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto.

O delito não pode ser fragmentado, pois é um todo unitário. Contudo, para efeitos de estudo,

deve-se proceder a uma análise de cada um de seus elementos fundamentais, quais sejam: o fato  típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Cada um deles, nessa ordem, é antecedente lógico e necessário à apreciação do seguinte.

 

  1. INFRAÇÃO PENAL

Existe diferença entre CRIME, DELITO e CONTRAVENÇÃO?

Para o nosso sistema, crime e delito são sinônimos, mas não se confundem com contravenção.

Enquanto para alguns sistemas, como o francês, esses três elementos se distinguem (critério

tripartido), para o Brasil (assim como na Alemanha e na Itália) utiliza-se o critério bipartido –

crimes e delitos, como sinônimos, de um lado, e contravenções penais, de outro. Infração penal, por sua vez, é gênero relativo a essas duas espécies.

 

  1. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO

No artigo 1o da Lei de Introdução ao Código penal vem a distinção entre crime e contravenção:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de

detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;

contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples

ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Na verdade não há diferença substancial entre crime e contravenção. O critério é meramente

político, como também é político o critério de identificação de ser tal ou qual conduta crime ou contravenção. Ex.: o porte de arma, que era contravenção penal, passou a ser crime em 1997.

Entretanto, as contravenções penais são infrações menos graves que os crimes, são delitos-anões (NELSON HUNGRIA), ofendem bens jurídicos não tão importantes quanto os protegidos ao se tipificar um crime.

 

  1. ILÍCITO PENAL E ILÍCITO CIVIL

A rigor, não existe diferença entre ilícito penal e ilícito civil. Ambos são infrações ao ordenamento jurídico posto. A diferença consiste, na verdade, em que o ilícito penal implica afronta aos bens jurídicos mais importantes da sociedade, o que justifica, assim, a atribuição de penas extremamente graves se comparadas às penalidades (e não penas) civis.

 

  1. CONCEITO DE CRIME

O legislador não conceituou o crime. O conceito hoje apresentado, portando, é essencialmente

jurídico.

O crime pode apresentar três conceitos diferentes:

  1. conceito formal;
  2. conceito material; 38
  3. conceito analítico.

 

CONCEITO FORMAL – crime é todo o fato humano proibido pela lei penal.

CONCEITO MATERIAL – todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade. É a conduta que viola os bens jurídicos mais importantes.

 

CONCEITO ANALÍTICO – crime é ação típica (tipicidade), antijurídica ou ilícita (ilicitude) e culpável (culpabilidade).

Ao invés de considerarmos o crime como sendo AÇÃO típica, consideremos como sendo na

verdade um FATO típico, que englobará: a) a conduta do agente, b) o resultado dela advindo e c) o nexo de causalidade entre um e outro.

 

CRIME

FATO TÍPICO ANTIJURÍDICO CULPÁVEL

– conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva;

– resultado;

– nexo de causalidade;

– tipicidade (formal e conglobante).

Obs.: quando o agente não atua em:

– estado de necessidade;

– legítima defesa

– estrito cumprimento de dever legal

– exercício regular de direito

Quando não houver o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude.

– Imputabilidade;

– potencial consciência sobre a ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa.

 

  1. CONCEITO ANALÍTICO (OU ESTRATIFICADO) DE CRIME

 Para a maioria dos doutrinadores, o crime se configura quando a ação é típica, ilícita (antijurídica) e culpável. Alguns autores, como MEZGER e BASILEU GARCIA, dizem integrar esse grupo também a punibilidade. Para a maioria, entretanto, a punibilidade não faz part

FUNÇÃO DO CONCEITO ANALÍTICO – analisar cada um dos elementos constitutivos do delito, sem que com isso se queira fragmenta-lo. O crime é um todo unitário e indivisível.

O crime é portanto, todo fato típico, ilícito e culpável.

Para uma visão finalista (seja lá o que for isso), o fato típico é composto de quatro elementos:

  1. a) conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva)
  2. b) resultado (nos crimes materiais)
  3. c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado
  4. d) tipicidade (formal e conglobante)

A ilicitude, por sua vez, é a relação de contrariedade, de antagonismo, que se verifica entre a

conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude é encontrada por exclusão, ou seja, a ação só será lícita se o agente tiver atuado sob o amparo de uma das quatro causas excludentes da ilicitude do Código Penal (artigo 23):

  1. legítima defesa
  2. estado de necessidade
  3. estrito cumprimento de dever legal
  4. exercício regular de direito

 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

A doutrina aponta, ainda, além dessas causas legais de exclusão da ilicitude, uma causa

supralegal, qual seja, o CONSENTIMENTO DO OFENDIDO. Contudo, para que ele seja eficaz para afastar a ilicitude, alguns requisitos devem ser observados:  39

  1. que o ofendido tenha capacidade para consentir;
  2. que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível;
  3. que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou simultaneamente ao ato.

Culpabilidade, por fim, é um juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta do agente.

De acordo com a concepção finalista adotada pelo autor, integram a culpabilidade:

– imputabilidade;

– potencial conhecimento da ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa.

 

  1. CONCEITO DE CRIME ADOTADO POR DAMÁSIO, DOTTI, MIRABETE E DELMANTO

Para esses autores, o crime é fato TÍPICO e ANTIJURÍDICO, sendo que a culpabilidade é ap

A crítica que ROGÉRIO GRECO faz a esse entendimento é que, sob determinado ponto de vista, não só a culpabilidade mas também a ilicitude e a tipicidade são pressupostos para a aplicação da pena, já que se o fato não for típico ou se o fato for amparado por uma causa de justificação não poderá ser aplicada a pena.

O fundamento do raciocínio daqueles autores se deve ao fato de que o Código, ao se referir à

culpabilidade, nos casos em que a afasta, utiliza-se de expressões que se referem à aplicação da pena (é isento de pena).

Acontece que embora o Código utilize essas expressões quando quer se referir às causas

dirimentes de culpabilidade, isso não implica dizer que somente a tipicidade e a antijuridicidade integram o crime.

 

 

CAPÍTULO 21 – CONDUTA

 

  1. CONDUTA

Fato típico, conforme ressaltado, constitui-se de:

– conduta (dolosa/culposa, comissiva/omissiva);

– resultado (nos crimes materiais);

– nexo de causalidade entre um e outro;

– tipicidade (formal e conglobante).

Conduta é ação humana por excelência, entretanto, a CF expressamente permitiu a punição penal da pessoa jurídica por ter ela própria praticado uma atividade lesiva ao meio ambiente.

 

  1. CONCEITO DE AÇÃO – CAUSAL, FINAL E SOCIAL

Segundo a concepção CAUSALISTA, a ação deve ser analisada em dois momentos diferentes:

  1. a) SISTEMA CLÁSSICO, OU CAUSAL-NATURALISTA (LISZT e BELING) – ação como movimento humano voluntário, produtor de uma modificação no mundo exterior – “ação é, pois, o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”.

 

CRÍTICA – EMBORA EXPLIQUE A AÇÃO EM SENTIDO ESTRITO, NÃO CONSEGUE SOLUCIONAR O PROBLEMA DA OMISSÃO.

  1. b) SISTEMA NEOCLÁSSICO (PAZ AGUADO) – ainda dentro do causalismo, ação é

comportamento humano voluntário, manifestado no mundo exterior. A ação deixa de ser

absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a

compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão (ação negativa).

 

Segundo uma concepção FINALISTA (WELZEL), a ação passa a ser entendida como o

exercício de uma atividade final. Ação é um comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. O homem, quando age, age dirigido a uma finalidade qualquer, que pode ser ilícita (movida por dolo) ou lícita (mas praticada com imperícia, imprudência ou negligência, resultando em culpa).

De acordo com uma concepção SOCIAL da ação (DANIELA DE FREITAS MARQUES,

JOHANNES WESSELS), ação é toda atividade humana social e juridicamente relevante, segundo padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade.

 

  1. CONDUTAS DOLOSAS E CULPOSAS

A conduta pode ser de dois tipos: dolosa ou culposa.

DOLOSA – ocorre quando o agente quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo;

CULPOSA – ocorre quando o agente dá causa ao resultado em virtude de sua imprudência,

imperícia ou negligência.

Via de regra, os crimes só podem ser dolosos, sendo culposos apenas quando houver previsão

legal expressa nesse sentido. De acordo com o artigo 18, parágrafo único, do CP:

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato

previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

 

  1. CONDUTAS COMISSIVAS E OMISSIVAS

A conduta pode se traduzir por meio de uma ação (conduta comissiva ou positiva) ou de uma

omissão (conduta omissiva ou negativa).

Enquanto nos crimes comissivos o agente direciona sua conduta a uma finalidade ilícita, nos

crimes omissivos há uma abstenção de uma atividade que era imposta pela lei ao agente. A

omissão, segundo RENÉ ARIEL DOTTI, é a abstenção da atividade juridicamente exigida.

Constitui uma atitude psicológica e física de não-atendimento da ação esperada, que devia e

podia ser praticada. O conceito é, portanto, puramente normativo.

Os crimes omissivos podem ser próprios (puros ou simples) ou impróprios (comissivos por

omissão ou omissivos qualificados):

 CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS – são objetivamente descritos no tipo com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico (são portanto delitos formais). São delitos nos quais existe o chamado dever genérico de proteção.

CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS – somente as pessoas referidas no §2o

do artigo 13, do CP, podem praticá-los, pois existe o chamado dever especial de proteção. Nesses crimes, o agente deve encontrar-se numa posição de garante ou garantidor, que pode ocorrer de três formas distintas:

– deve ter a obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância;

– de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

– com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

 

  1. AUSÊNCIA DE CONDUTA

Tendo como norte a concepção finalista da ação, esta será sempre uma ação final, dirigida à

produção de um resultado. Logo, se não houver vontade dirigida à produção de um resultado

qualquer, não haverá conduta. Ocorre nos casos de:

  1. a) força irresistível (seja proveniente da natureza ou da ação de um terceiro);
  2. b) movimentos reflexos (só excluem a conduta quando absolutamente imprevisíveis);
  3. c) estados de inconsciência.

No caso de crime praticado em embriaguez completa, esta só excluirá a conduta se proveniente de caso fortuito ou de força maior. Caso provier de embriaguez culposa ou dolosa, seja ou nãocom a intenção de praticar um delito, prevalece a teoria da actio libera in causa, ou seja, tendo em vista que a ação foi livre na causa, o agente deve ser responsabilizado pelos resultados dela decorrentes.

 

  1. FASES DE REALIZAÇÃO DA AÇÃO

A ação possui sempre duas fases: a interna e a externa.

A interna ocorre na esfera do pensamento, e percorre os seguintes pontos:

  1. a) representação e antecipação mental do resultado a ser alcançado;
  2. b) escolha dos meios a serem utilizados;
  3. c) consideração dos efeitos colaterais ou concomitantes à utilização dos meios escolhidos.

Na fase externa o agente somente exterioriza tudo aquilo que havia arquitetado mentalmente.

A única exceção do ordenamento à regra de impossibilidade de punição dos atos preparatórios é o do artigo 288, do CP:

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer

crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Aqui, o que normalmente seria considerado ato preparatório é alçado à categoria de crime

autônomo.

 

 

 CAPÍTULO 22 – TIPO PENAL

 

  1. CONCEITO

Tendo em vista a disposição do princípio nullum crimen sine lege, o legislador, para impor ou proibir condutas, deve-se utilizar de uma lei. Quando essa lei descreve uma conduta (comissiva ou omissiva) para proteger determinados bens cuja tutela se mostrou insuficiente pelos demais ramos do direito (princípio da subsidiariedade do direito penal), surge o tipo penal.

Nas lições de ZAFFARONI, “tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de

natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas

humanas penalmente relevantes”.

 

Quando um fato do mundo natural se coaduna perfeitamente com a descrição legal realizada pelo tipo surge a TIPICIDADE, a ser futuramente estudada.

 

  1. TIPICIDADE PENAL = TIPICIDADE FORMAL + TIPICIDADE CONGLOBANTE

Tipicidade é a perfeita subsunção da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, a um tipo penal incriminador. É a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal.

Mas essa perfeita adequação faz surgir o que chamamos tipicidade FORMAL, ou tipicidade

LEGAL.

Para que se possa falar em tipicidade conglobante é necessário que:

  1. a) a conduta do agente seja antinormativa;
  2. b) que haja tipicidade material, ou seja, que ocorra um critério material de seleção do bem a

ser protegido.

A tipicidade conglobante, portanto, ocorre quando a conduta é considerada antinormativa, ou seja,contrária à norma penal (e não imposta ou fomentada por ela), bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material).

Com esse conceito de antinormatividade esvaziam-se um pouco as causas de exclusão de

antijuridicidade nos casos de estrito cumprimento do dever legal. Assim, o problema que antes era resolvido somente na segunda fase da análise do delito (ilicitude), passa a ser resolvido já na tipicidade, e tudo isso em virtude de seu requisito conglobante.

Mas a análi

fomentado ou permitido pela lei – não é suficiente para a configuração da tipicidade conglobante. Deve-se observar também, a importância do bem jurídico lesado no caso concreto, afim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.

Nesta segunda análise estar-se-ia verificando a ocorrência da TIPICIDADE MATERIAL. É no campo da tipicidade material que ficam excluídos dos tipos penais os crimes de bagatela.

Concluindo, para que o ato seja típico, devem estar presentes:

– TIPICIDADE FORMAL;

– TIPICIDADE CONGLOBANTE, composta por:

o antinormatividade – se o ato não é imposto, fomentado ou permitido pelo direito;

o tipicidade material – relevância do bem jurídico lesado no caso concreto.

 

  1. ADEQUAÇÃO TÍPICA ou TIPICIDADE FORMAL

Existem duas formas de adequação típica: de subordinação imediata e de subordinação mediata:

SUBORDINAÇÃO IMEDIATA OU DIRETA – ocorrerá quando houver perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador.

SUBORDINAÇÃO MEDIATA OU INDIRETA – ocorrerá quando o agente, embora atue com vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, seu comportamento não consiga se adequar DIRETAMENTE à figura típica. Ex.: tentativa de homicídio. A conduta não se adequará diretamente ao tipo “matar alguém”, mas somente indiretamente, por meio de uma NORMA DE EXTENSÃO.

NORMAS DE EXTENSÃO – são normas que têm por finalidade ampliar o tipo penal, a fim de nele abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. Ex.:

Art. 14. Diz-se o crime:

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à

vontade do agente.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Caso não houvesse essa norma de extensão, a conduta de tentar matar alguém seria atípica, tendo em vista não se adequar perfeitamente à descrição legal da conduta feita pelo caput do

artigo 121, não podendo por isso ser punida.

Outra norma de extensão: artigo 29 do Código Penal:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade.

 

  1. FASES DA EVOLUÇÃO DO TIPO

Podemos identificar três fases na construção do tipo penal:

 

PRIMEIRA FASE

Numa primeira fase, o tipo possuía caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo tão-somente para descrever as condutas (omissivas ou comissivas) proibidas pela lei penal. O tipo era concebido como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de juízos de valor.

O tipo, para Beling, não tem qualquer conteúdo valorativo, sendo meramente objetivo e descritivo, representando o lado exterior do delito, sem qualquer referência à antijuridicidade e à culpabilidade. Haveria no tipo tão somente uma delimitação descritiva de fatos relevantes

penalmente, sem que isto envolvesse uma valoração jurídica dos mesmos.

 

SEGUNDA FASE

O tipo passou a ter caráter de INDÍCIO DE ILICITUDE, ou seja, quando o agente pratica um fato típico, provavelmente esse comportamento também será antijurídico. A tipicidade opera como um desvalor provisório, que deve ser configurado ou descartado mediante a comprovação de causas de justificação.

Tipo como razão indiciária da ilicitude – tipo como ratio cognoscendi.

 

TERCEIRA FASE

O tipo passa a ser A RAZÃO DE SER da ilicitude – ratio essendi.

É como se fosse uma fusão entre a tipicidade e a antijuridicidade. Não há que se falar em fato

típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento jurídico.

Para MEZGER, aquele que atua de forma típica está atuando também antijuridicamente, enquanto não houver uma causa de exclusão do injusto. Ou a pessoa pratica fato típico e antijurídico desde a sua origem, em razão da ausência de qualquer causa de exclusão da ilicitude, ou é atípico e lícito desde o início, em fase da presença de causa de justificação. Na verdade, as causas de justificação atingiriam diretamente a tipicidade, e não somente a antijuridicidade.

 

  1. TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO

Como decorrência dessa posição de entender o tipo como a ratio essendi da antijuridicidade,

surgiu a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.

Segundo essa teoria, toda vez que a conduta do agente não for ilícita, não for antijurídica, não

existirá o próprio fato típico. Para a teoria, já que a antijuridicidade integra o tipo penal, a

existência de causas de justificação faz desaparecer a tipicidade. O fato deixa de ser típico.

Hans-Heinrich JESCHECK, precursor da teoria dos elementos negativos do tipo, “o tipo deve abarcar não só as circunstâncias típicas do delito, mas também todas aquelas que afetem a antijuridicidade. OS PRESSUPOSTOS DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO SE ENTENDEM, ASSIM, COMO ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Incluem-se, portanto, no tipo porque somente quando faltam é possível um juízo definitivo sobre a antijuridicidade do fato. Elementos do tipo e pressupostos das causas de justificação se reúnem, por esta via, em um tipo total e se situam sistematicamente em um mesmo nível.

Assim, os elementos negativos do tipo são as causas de justificação, porque implicitamente

integram o tipo e só permitem que ele opere quando ausentes no caso concreto.

Para essa teoria, não se estuda primeiramente a conduta típica para somente depois levar a efeito a análise de sua antijuridicidade.

De acordo com as lições de HANS WELZEL, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito, sendo que o elemento seguinte pressupõe necessariamente o antecedente.

Já consoante as lições dos que adotam a teoria dos elementos negativos do delito, como

JESCHECK, a existência de um TIPO TOTAL (tipicidade + antijuridicidade) faria com que ou o fato é típico e antijurídico, ou não é nenhum dos dois. Não existiria, portanto, fato típico, mas lícito (ou não antijurídico.

 

  1. INJUSTO PENAL (INJUSTO TÍPICO)

 

Injusto penal é o fruto da constatação de que a conduta do agente se demonstrou efetivamente

típica e antijurídica. A valoração de uma ilicitude como um injusto processa-se no instante em que o julgador considera que o agente realizou uma conduta típica e não justificada.

INJUSTO – antijuridicidade TÍPICO – tipicidade

Assim, quando afirmamos que existe um injusto penal (ou injusto típico), implicitamente afirmamos que as duas primeiras fases da análise do delito (partindo de uma concepção tripartite do mesmo) já foram realizadas, restando somente a análise da culpabilidade.

Daí fica claro concluirmos que O INJUSTO PENAL (OU INJUSTO TÍPICO) NÃO SE CONFUNDE COM A IDÉIA DE TIPO TOTAL, TRAZIDA PELOS ADEPTOS DA TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Se para concluirmos sobre a existência do injusto penal devemos passar por duas fases: análise da tipicidade + análise da antijuridicidade, para a teoria dos elementos negativos do tipo a fase é uma só. Para estes só existem o tipo total de injusto (como tipicidade fundida à antijuridicidade) e a culpabilidade.

VALE LEMBRAR QUE, SEM PREJUÍZO DE OUTRAS DOUTRINAS, A DIVISÃO TRIPARTIDA DO DELITO, BEM COMO A TEORIA DA RATIO COGNOSCENDI, É A QUE TEM A PREFERÊNCIA DA MAIORIA DOS AUTORES.

 

  1. TIPO BÁSICO E TIPOS DERIVADOS

 TIPO BÁSICO – é a forma mais simples de descrição da conduta proibida ou imposta pela lei penal. Ex.: homicídio simples.

TIPOS DERIVADOS – são descrições complementadas por determinadas circunstâncias, que

podem aumentar ou diminuir a reprimenda prevista no tipo básico. Ex.: homicídio privilegiado, homicídio qualificado.

 

  1. TIPOS NORMAIS E TIPOS ANORMAIS

Essa classificação era usada quando predominava em nosso Direito Penal a TEORIA

CAUSALISTA, NATURALISTA OU MECANICISTA DA AÇÃO.

TIPO NORMAL – é aquele que contem apenas elementos objetivos na descrição da conduta;

TIPO ANORMAL – é aquele que, além dos elementos objetivos, vinha impregnado de elementos subjetivos e normativos. Ex.: “com o fim de, com o intuito de, a fim de”.

Hodiernamente, com a adoção da TEORIA FINALISTA DA AÇÃO, dolo e culpa se encontram na conduta do agente, que está localizada no fato típico (conduta, resultado, nexo, tipicidade). Assim, todo tipo penal contém elementos subjetivos, mesmo quando não sejam tão evidentes, como acontece com as expressões acima referidas.

 

  1. TIPOS FECHADOS E TIPOS ABERTOS

TIPOS FECHADOS – são aqueles que possuem a descrição completa da conduta proibida pela lei penal.

 TIPOS ABERTOS – são tipos em que não há a descrição completa e precisa do modelo de

conduta proibida ou imposta, tendo em vista a impossibilidade de o legislador prever todas as

formas possíveis de ocorrerem. Ex.: crimes culposos, que podem ocorrer de inúmeras formas

diferentes. Também são tipos abertos os crimes comissivos por omissão, ou crimes omissivos

impróprios, do artigo 13, §2o do CP:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.  § 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

  1. a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
  2. b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
  3. c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

 

  1. TIPOS CONGRUENTES E TIPOS INCONGRUENTES

A distinção, feita por SANTIAGO MIR PUIG, aponta para a congruência ou não entre a intenção do autor e a conduta efetivamente realizada. Assim, seriam congruentes os tipos que descrevem condutas dolosas e incongruentes os que descrevem condutas culposas.

 

De acordo com FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, há tipos estruturalmente incongruentes, como o do artigo 219:

Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim ibidinoso:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Neste caso, a lei estende o tipo subjetivo para além do objetivo, ou seja, para que haja consumação do crime, basta que o fim libidinoso esteja presente na intenção do agente, não

sendo necessário, portanto, que os atos libidinosos se concretizem no mundo exterior.

O mesmo autor assevera que existe incongruência, ainda nos crimes qualificados pelo resultado, nos crimes preterdolosos (dolo no início, culpa no final), e nas tentativas, em que não há coincidência entre a parte objetiva (lesão corporal) e a parte subjetiva (morte de alguém) do tipo legal.

 

  1. TIPO COMPLEXO

Quando prevalecia no direito brasileiro a teoria causal da ação, o tipo penal se tornava perfeito pela simples presença de seus elementos objetivos, vez que dolo e culpa faziam parte da culpabilidade. O injusto penal, ou injusto típico (tipicidade + antijuridicidade) era objetivo e a culpabilidade era subjetiva.

Com o advento da teoria finalista da ação, desenvolvida por WELZEL, dolo e culpa foram trazidos da culpabilidade para o fato típico, integrando a conduta. O injusto passou a ser subjetivo e a culpabilidade, normativa.

Assim, fala-se em tipo complexo quando no tipo penal há o encontro de elementos objetivos com elementos de natureza subjetiva.

No tipo complexo, por exigir simultaneamente os elementos objetivos e subjetivos da conduta, quando faltarem os últimos, e desde que o fato não seja punido a título de culpa, o fato será atípico, dada a ocorrência do ERRO DE TIPO, que tem por finalidade afastar o dolo do agente.

 

  1. ELEMENTARES

Elementares são figuras essenciais da conduta tipificada, sem as quais pode ocorrer duas formas de atipicidade: uma absoluta e outra relativa.

 ATIPICIDADE ABSOLUTA – ocorre quando, pela falta da elementar, o fato se torna um indiferente

penal. Ex.: se o sujeito furta coisa própria, pensando ser de outrem, não pratica furto, por lhe faltar a elementar “coisa alheia móvel”, prevista no tipo.

 

ATIPICIDADE RELATIVA – ocorre quando, pela ausência da elementar, ocorre desclassificação do fato para uma outra figura típica. Ex.: se a mãe, logo após o parto, mata o filho sem estar sob a influência do estado puerperal, não poderá responder por infanticídio (art. 123), mas responderá por homicídio (art. 121).

Portanto:

Atipicidade absoluta – indiferente penal;

Atipicidade relativa – desclassificação do crime.

 

  1. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O TIPO

Os elementos que integram o tipo podem ser OBJETIVOS e SUBJETIVOS.

Os ELEMENTOS OBJETIVOS descrevem a ação, o objeto da ação, o resultado (se for o caso), as circunstâncias externas do fato, a pessoa do autor e o sujeito passivo (se for o caso). O objetivo dos elementos subjetivos é fazer com que o agente tome conhecimento de todos os dados necessários à caracterização da infração penal.

 

Os ELEMENTOS OBJETIVOS podem ser normativos ou descritivos.

Elementos objetivos descritivos – têm a finalidade de traduzir o tipo penal, ou seja, evide

Elementos objetivos normativos – são criados e traduzidos por uma norma ou que, para sua

devida compreensão, carecem de valoração por parte do intérprete. Ex.: conceitos como mulher honesta, sem justa causa, decoro.

 Os ELEMENTOS SUBJETIVOS dizem respeito à vontade do agente. Quer dizer elemento anímico (ânimo). O dolo é, por excelência, o elemento subjetivo do tipo. Existe também a culpa e outros elementos explícitos no corpo do tipo penal. Ex.: artigo 159, do CP:

Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como

 

  1. ELEMENTOS ESPECÍFICOS DOS TIPOS PENAIS

São elementos encontrados em todos os tipos penais:

– núcleo;

– sujeito ativo;

– sujeito passivo;

– objeto material.

 

  1. A) NÚCLEO DO TIPO – é o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal. O núcleo será sempre verbo de ação, visto não poder uma pessoa ser incriminada por um estado ou por uma situação qualquer em que não concorra de forma ativa (positiva ou negativa / ação ou omissão).

Tipos penais com um só verbo – tipos uninucleares;

Tipos penais com mais de um verbo – tipos plurinucleares, ou crimes de ação múltipla ou de

conteúdo variado.

 

  1. B) SUJEITO ATIVO – é aquele que pode praticar a conduta delituosa descrita no tipo. Se qualquer um pode ser o sujeito ativo do crime, ou seja, se a conduta pode ser praticada por qualquer pessoa, o crime é tido como CRIME COMUM. Mas se somente um grupo de pessoas pode praticar o crime, dadas determinadas condições pessoais, o crime é tido como CRIME PRÓPRIO.

Somente o homem, aqui entendido como pessoa humana, pode praticar delitos. Societas delinquere non potest. Mas e quanto à possibilidade de responsabilização da Pessoa Jurídica por crimes ambientais?

O autor é contrário à idéia da responsabilização penal da pessoa jurídica, tendo em vista:

– a impossibilidade de ser adaptar à teoria do crime, notadamente à análise dos elementos

subjetivos da conduta típica;

– a desnecessidade de intervenção do Direito Penal, pois os outros ramos do Direito são

ágeis e fortes o suficiente para inibir atividades nocivas por ela (pessoa jurídica) levadas a efeito. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.

 

  1. C) SUJEITO PASSIVO – pode ser formal ou material.

 

SUJEITO PASSIVO FORMAL – é sempre o Estado, que sofre danos toda vez que suas leis são desobedecidas.

SUJEITO PASSIVO MATERIAL – é o titular do bem jurídico tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa. Em alguns casos, pode ser o Estado. Ex.: crimes contra a Administração Pública.

A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de delitos, com algumas ressalvas, como o caso do

crime de injúria, tendo em vista que a pessoa jurídica não possui o que a doutrina costuma chamar“honra subjetiva”.

 

  1. D) OBJETO MATERIAL – é a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta delituosa do agente.

Não é o mesmo que bem jurídico tutelado, que é de natureza subjetiva (vida, propriedade). O

objeto material possui natureza objetiva (corpo humano, veículo automotor).

Nem todos os tipos penais possuem objeto material, pois sua existência depende de uma

alteração da realidade fática para a consumação do delito. Ex.: crimes formais ou de mera

conduta.

 

  1. FUNÇÕES DO TIPO

O tipo penal tem, basicamente, três funções distintas:

 

  1. a) função de garantia (ou garantidora) – é a garantia do cidadão, que só poderá ser

penalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou deixar de

praticar aquelas impostas pela lei penal. É lícito fazer tudo o que não for proibido pela lei

penal – princípio da autonomia da vontade;

 

  1. b) função fundamentadora – o Estado, por meio do tipo pena, fundamenta suas decisões,

fazendo valer o seu ius puniendi. A função garantidora e a função fundamentadora atuam

como duas faces da mesma moeda, sendo uma dirigida ao indivíduo e outra, ao Estado;

 

  1. c) função selecionadora de condutas – o tipo seleciona as condutas que deverão ser

proibidas ou impostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. Em atenção aos princípios

da INTERVENÇÃO MÍNIMA e da ADEQUAÇÃO SOCIAL, o legislador só elege dignos de

proteção os bens jurídicos mais importantes. Dessa função ressalta a característica

notadamente instrumental do tipo penal.

 

 

CAPÍTULO 20 – CONCEITO E EVOLUÇÃO DA TEORIA DO CRIME

 

  1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS

 

CONCEITO – é a parte do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer

dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Essa explicação atende a uma

função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência

de delito em cada caso concreto.

 

O delito não pode ser fragmentado, pois é um todo unitário. Contudo, para efeitos de estudo,

deve-se proceder a uma análise de cada um de seus elementos fundamentais, quais sejam: o fato

típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Cada um deles, nessa ordem, é antecedente lógico e

necessário à apreciação do seguinte.

 

 

  1. INFRAÇÃO PENAL

 

Existe diferença entre CRIME, DELITO e CONTRAVENÇÃO?

Para o nosso sistema, crime e delito são sinônimos, mas não se confundem com contravenção.

 

Enquanto para alguns sistemas, como o francês, esses três elementos se distinguem (critério

tripartido), para o Brasil (assim como na Alemanha e na Itália) utiliza-se o critério bipartido –

crimes e delitos, como sinônimos, de um lado, e contravenções penais, de outro. Infração penal,

por sua vez, é gênero relativo a essas duas espécies.

 

 

  1. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO

 

No artigo 1o

da Lei de Introdução ao Código penal vem a distinção entre crime e contravenção:

 

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de

detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa;

contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples

ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

 

Na verdade não há diferença substancial entre crime e contravenção. O critério é meramente

político, como também é político o critério de identificação de ser tal ou qual conduta crime ou

contravenção. Ex.: o porte de arma, que era contravenção penal, passou a ser crime em 1997.

 

Entretanto, as contravenções penais são infrações menos graves que os crimes, são delitos-anões

(NELSON HUNGRIA), ofendem bens jurídicos não tão importantes quanto os protegidos ao se

tipificar um crime.

 

 

  1. ILÍCITO PENAL E ILÍCITO CIVIL

 

A rigor, não existe diferença entre ilícito penal e ilícito civil. Ambos são infrações ao ordenamento

jurídico posto. A diferença consiste, na verdade, em que o ilícito penal implica afronta aos bens

jurídicos mais importantes da sociedade, o que justifica, assim, a atribuição de penas

extremamente graves se comparadas às penalidades (e não penas) civis.

 

 

  1. CONCEITO DE CRIME

 

O legislador não conceituou o crime. O conceito hoje apresentado, portando, é essencialmente

jurídico.

 

O crime pode apresentar três conceitos diferentes:

 

  1. conceito formal;
  2. conceito material; 38
  3. conceito analítico.

 

CONCEITO FORMAL – crime é todo o fato humano proibido pela lei penal.

 

CONCEITO MATERIAL – todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as

condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade. É a conduta que

viola os bens jurídicos mais importantes.

 

CONCEITO ANALÍTICO – crime é ação típica (tipicidade), antijurídica ou ilícita (ilicitude) e culpável

(culpabilidade).

 

Ao invés de considerarmos o crime como sendo AÇÃO típica, consideremos como sendo na

verdade um FATO típico, que englobará: a) a conduta do agente, b) o resultado dela advindo e c)

o nexo de causalidade entre um e outro.

 

 

CRIME

FATO TÍPICO ANTIJURÍDICO CULPÁVEL

– conduta (dolosa/culposa,

omissiva/comissiva;

– resultado;

– nexo de causalidade;

– tipicidade (formal e conglobante).

Obs.: quando o agente não atua em:

– estado de necessidade;

– legítima defesa

– estrito cumprimento de dever legal

– exercício regular de direito

Quando não houver o consentimento

do ofendido como causa supralegal de

exclusão da ilicitude.

– Imputabilidade;

– potencial consciência sobre a

ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa.

 

 

 

  1. CONCEITO ANALÍTICO (OU ESTRATIFICADO) DE CRIME

 

Para a maioria dos doutrinadores, o crime se configura quando a ação é típica, ilícita (antijurídica)

e culpável. Alguns autores, como MEZGER e BASILEU GARCIA, dizem integrar esse grupo

também a punibilidade. Para a maioria, entretanto, a punibilidade não faz parte do delito, sendo

somente sua conseqüência.

 

FUNÇÃO DO CONCEITO ANALÍTICO – analisar cada um dos elementos constitutivos do delito,

sem que com isso se queira fragmenta-lo. O crime é um todo unitário e indivisível.

 

O crime é portanto, todo fato típico, ilícito e culpável.

 

Para uma visão finalista (seja lá o que for isso), o fato típico é composto de quatro elementos:

 

  1. a) conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva)
  2. b) resultado (nos crimes materiais)
  3. c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado
  4. d) tipicidade (formal e conglobante)

 

A ilicitude, por sua vez, é a relação de contrariedade, de antagonismo, que se verifica entre a

conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude é encontrada por exclusão, ou seja, a ação

só será lícita se o agente tiver atuado sob o amparo de uma das quatro causas excludentes da

ilicitude do Código Penal (artigo 23):

 

  1. legítima defesa
  2. estado de necessidade
  3. estrito cumprimento de dever legal
  4. exercício regular de direito

 

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

 

A doutrina aponta, ainda, além dessas causas legais de exclusão da ilicitude, uma causa

supralegal, qual seja, o CONSENTIMENTO DO OFENDIDO. Contudo, para que ele seja eficaz

para afastar a ilicitude, alguns requisitos devem ser observados:  39

 

  1. que o ofendido tenha capacidade para consentir;
  2. que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível;
  3. que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou simultaneamente ao ato.

 

Culpabilidade, por fim, é um juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta do agente.

De acordo com a concepção finalista adotada pelo autor, integram a culpabilidade:

 

– imputabilidade;

– potencial conhecimento da ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa.

 

 

 

  1. CONCEITO DE CRIME ADOTADO POR DAMÁSIO, DOTTI, MIRABETE E DELMANTO

 

Para esses autores, o crime é fato TÍPICO e ANTIJURÍDICO, sendo que a culpabilidade é apenas

um pressuposto para a aplicação da pena.

 

A crítica que ROGÉRIO GRECO faz a esse entendimento é que, sob determinado ponto de vista,

não só a culpabilidade mas também a ilicitude e a tipicidade são pressupostos para a aplicação da

pena, já que se o fato não for típico ou se o fato for amparado por uma causa de justificação não

poderá ser aplicada a pena.

 

O fundamento do raciocínio daqueles autores se deve ao fato de que o Código, ao se referir à

culpabilidade, nos casos em que a afasta, utiliza-se de expressões que se referem à aplicação da

pena (é isento de pena).

 

Acontece que embora o Código utilize essas expressões quando quer se referir às causas

dirimentes de culpabilidade, isso não implica dizer que somente a tipicidade e a antijuridicidade

integram o crime.

 

 

 

 

 

 

40

CAPÍTULO 21 – CONDUTA

 

 

 

  1. CONDUTA

 

Fato típico, conforme ressaltado, constitui-se de:

– conduta (dolosa/culposa, comissiva/omissiva);

– resultado (nos crimes materiais);

– nexo de causalidade entre um e outro;

– tipicidade (formal e conglobante).

 

Conduta é ação humana por excelência, entretanto, a CF expressamente permitiu a punição penal

da pessoa jurídica por ter ela própria praticado uma atividade lesiva ao meio ambiente.

 

 

 

 

  1. CONCEITO DE AÇÃO – CAUSAL, FINAL E SOCIAL

 

Segundo a concepção CAUSALISTA, a ação deve ser analisada em dois momentos diferentes:

 

  1. a) SISTEMA CLÁSSICO, OU CAUSAL-NATURALISTA (LISZT e BELING) – ação como

movimento humano voluntário, produtor de uma modificação no mundo exterior – “ação é, pois, o

fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do

homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime. Mas também não há

ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um

resultado”.

CRÍTICA – EMBORA EXPLIQUE A AÇÃO EM SENTIDO ESTRITO, NÃO CONSEGUE

SOLUCIONAR O PROBLEMA DA OMISSÃO.

 

  1. b) SISTEMA NEOCLÁSSICO (PAZ AGUADO) – ainda dentro do causalismo, ação é

comportamento humano voluntário, manifestado no mundo exterior. A ação deixa de ser

absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a

compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão (ação negativa).

 

Segundo uma concepção FINALISTA (WELZEL), a ação passa a ser entendida como o

exercício de uma atividade final. Ação é um comportamento humano voluntário, dirigido a uma

finalidade qualquer. O homem, quando age, age dirigido a uma finalidade qualquer, que pode ser

ilícita (movida por dolo) ou lícita (mas praticada com imperícia, imprudência ou negligência,

resultando em culpa).

 

De acordo com uma concepção SOCIAL da ação (DANIELA DE FREITAS MARQUES,

JOHANNES WESSELS), ação é toda atividade humana social e juridicamente relevante, segundo

padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade.

 

 

 

  1. CONDUTAS DOLOSAS E CULPOSAS

 

A conduta pode ser de dois tipos: dolosa ou culposa.

 

DOLOSA – ocorre quando o agente quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo;

CULPOSA – ocorre quando o agente dá causa ao resultado em virtude de sua imprudência,

imperícia ou negligência.

 

Via de regra, os crimes só podem ser dolosos, sendo culposos apenas quando houver previsão

legal expressa nesse sentido. De acordo com o artigo 18, parágrafo único, do CP:

 

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato

previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

 

41

 

  1. CONDUTAS COMISSIVAS E OMISSIVAS

 

A conduta pode se traduzir por meio de uma ação (conduta comissiva ou positiva) ou de uma

omissão (conduta omissiva ou negativa).

 

Enquanto nos crimes comissivos o agente direciona sua conduta a uma finalidade ilícita, nos

crimes omissivos há uma abstenção de uma atividade que era imposta pela lei ao agente. A

omissão, segundo RENÉ ARIEL DOTTI, é a abstenção da atividade juridicamente exigida.

Constitui uma atitude psicológica e física de não-atendimento da ação esperada, que devia e

podia ser praticada. O conceito é, portanto, puramente normativo.

 

Os crimes omissivos podem ser próprios (puros ou simples) ou impróprios (comissivos por

omissão ou omissivos qualificados):

 

CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS – são objetivamente descritos no tipo com uma conduta

negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma

jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico (são portanto delitos formais). São

delitos nos quais existe o chamado dever genérico de proteção.

 

CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS – somente as pessoas referidas no §2o

do artigo 13, do CP,

podem praticá-los, pois existe o chamado dever especial de proteção. Nesses crimes, o agente

deve encontrar-se numa posição de garante ou garantidor, que pode ocorrer de três formas

distintas:

– deve ter a obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância;

– de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

– com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

 

 

 

  1. AUSÊNCIA DE CONDUTA

 

Tendo como norte a concepção finalista da ação, esta será sempre uma ação final, dirigida à

produção de um resultado. Logo, se não houver vontade dirigida à produção de um resultado

qualquer, não haverá conduta. Ocorre nos casos de:

 

  1. a) força irresistível (seja proveniente da natureza ou da ação de um terceiro);
  2. b) movimentos reflexos (só excluem a conduta quando absolutamente imprevisíveis);
  3. c) estados de inconsciência.

 

No caso de crime praticado em embriaguez completa, esta só excluirá a conduta se proveniente

de caso fortuito ou de força maior. Caso provier de embriaguez culposa ou dolosa, seja ou não

com a intenção de praticar um delito, prevalece a teoria da actio libera in causa, ou seja, tendo

em vista que a ação foi livre na causa, o agente deve ser responsabilizado pelos resultados dela

decorrentes.

 

 

 

  1. FASES DE REALIZAÇÃO DA AÇÃO

 

A ação possui sempre duas fases: a interna e a externa.

 

A interna ocorre na esfera do pensamento, e percorre os seguintes pontos:

  1. a) representação e antecipação mental do resultado a ser alcançado;
  2. b) escolha dos meios a serem utilizados;
  3. c) consideração dos efeitos colaterais ou concomitantes à utilização dos meios escolhidos.

 

Na fase externa o agente somente exterioriza tudo aquilo que havia arquitetado mentalmente.

 

A única exceção do ordenamento à regra de impossibilidade de punição dos atos preparatórios é o

do artigo 288, do CP:

 

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer

crimes:  42

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

 

Aqui, o que normalmente seria considerado ato preparatório é alçado à categoria de crime

autônomo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

43

CAPÍTULO 22 – TIPO PENAL

 

 

 

  1. CONCEITO

 

Tendo em vista a disposição do princípio nullum crimen sine lege, o legislador, para impor ou

proibir condutas, deve-se utilizar de uma lei. Quando essa lei descreve uma conduta (comissiva ou

omissiva) para proteger determinados bens cuja tutela se mostrou insuficiente pelos demais ramos

do direito (princípio da subsidiariedade do direito penal), surge o tipo penal.

 

Nas lições de ZAFFARONI, “tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de

natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas

humanas penalmente relevantes”.

 

Quando um fato do mundo natural se coaduna perfeitamente com a descrição legal realizada pelo

tipo surge a TIPICIDADE, a ser futuramente estudada.

 

 

 

  1. TIPICIDADE PENAL = TIPICIDADE FORMAL + TIPICIDADE CONGLOBANTE

 

Tipicidade é a perfeita subsunção da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto

na lei penal, a um tipo penal incriminador. É a adequação de um fato cometido à descrição que

dele se faz na lei penal.

 

Mas essa perfeita adequação faz surgir o que chamamos tipicidade FORMAL, ou tipicidade

LEGAL.

 

Para que se possa falar em tipicidade conglobante é necessário que:

 

  1. a) a conduta do agente seja antinormativa;
  2. b) que haja tipicidade material, ou seja, que ocorra um critério material de seleção do bem a

ser protegido.

 

A tipicidade conglobante, portanto, ocorre quando a conduta é considerada antinormativa, ou seja,

contrária à norma penal (e não imposta ou fomentada por ela), bem como ofensiva a bens de

relevo para o Direito Penal (tipicidade material).

 

Com esse conceito de antinormatividade esvaziam-se um pouco as causas de exclusão de

antijuridicidade nos casos de estrito cumprimento do dever legal. Assim, o problema que antes era

resolvido somente na segunda fase da análise do delito (ilicitude), passa a ser resolvido já na

tipicidade, e tudo isso em virtude de seu requisito conglobante.

 

Mas a análise da antinormatividade – com a verificação de que determinado ato é ou não imposto,

fomentado ou permitido pela lei – não é suficiente para a configuração da tipicidade conglobante.

Deve-se observar também, a importância do bem jurídico lesado no caso concreto, afim de que

possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.

Nesta segunda análise estar-se-ia verificando a ocorrência da TIPICIDADE MATERIAL. É no

campo da tipicidade material que ficam excluídos dos tipos penais os crimes de bagatela.

 

Concluindo, para que o ato seja típico, devem estar presentes:

– TIPICIDADE FORMAL;

– TIPICIDADE CONGLOBANTE, composta por:

o antinormatividade – se o ato não é imposto, fomentado ou permitido pelo direito;

o tipicidade material – relevância do bem jurídico lesado no caso concreto.

 

 

 

  1. ADEQUAÇÃO TÍPICA ou TIPICIDADE FORMAL

 

Existem duas formas de adequação típica: de subordinação imediata e de subordinação mediata:

44

SUBORDINAÇÃO IMEDIATA OU DIRETA – ocorrerá quando houver perfeita adequação entre a

conduta do agente e o tipo penal incriminador.

 

SUBORDINAÇÃO MEDIATA OU INDIRETA – ocorrerá quando o agente, embora atue com

vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, seu comportamento não

consiga se adequar DIRETAMENTE à figura típica. Ex.: tentativa de homicídio. A conduta não se

adequará diretamente ao tipo “matar alguém”, mas somente indiretamente, por meio de uma

NORMA DE EXTENSÃO.

 

NORMAS DE EXTENSÃO – são normas que têm por finalidade ampliar o tipo penal, a fim de nele

abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. Ex.:

 

Art. 14. Diz-se o crime:

 

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à

vontade do agente.

 

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena

correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

 

Caso não houvesse essa norma de extensão, a conduta de tentar matar alguém seria atípica,

tendo em vista não se adequar perfeitamente à descrição legal da conduta feita pelo caput do

artigo 121, não podendo por isso ser punida.

 

Outra norma de extensão: artigo 29 do Código Penal:

 

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade.

 

 

 

  1. FASES DA EVOLUÇÃO DO TIPO

 

Podemos identificar três fases na construção do tipo penal:

 

 

PRIMEIRA FASE

 

Numa primeira fase, o tipo possuía caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração

alguma, servindo tão-somente para descrever as condutas (omissivas ou comissivas) proibidas

pela lei penal. O tipo era concebido como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos

independentemente de juízos de valor.

 

O tipo, para Beling, não tem qualquer conteúdo valorativo, sendo meramente objetivo e descritivo,

representando o lado exterior do delito, sem qualquer referência à antijuridicidade e à

culpabilidade. Haveria no tipo tão somente uma delimitação descritiva de fatos relevantes

penalmente, sem que isto envolvesse uma valoração jurídica dos mesmos.

 

 

SEGUNDA FASE

 

O tipo passou a ter caráter de INDÍCIO DE ILICITUDE, ou seja, quando o agente pratica um fato

típico, provavelmente esse comportamento também será antijurídico. A tipicidade opera como um

desvalor provisório, que deve ser configurado ou descartado mediante a comprovação de causas

de justificação.

 

Tipo como razão indiciária da ilicitude – tipo como ratio cognoscendi.

 

 

TERCEIRA FASE

 

O tipo passa a ser A RAZÃO DE SER da ilicitude – ratio essendi.

 

É como se fosse uma fusão entre a tipicidade e a antijuridicidade. Não há que se falar em fato

típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento jurídico.  45

 

Para MEZGER, aquele que atua de forma típica está atuando também antijuridicamente, enquanto

não houver uma causa de exclusão do injusto. Ou a pessoa pratica fato típico e antijurídico desde

a sua origem, em razão da ausência de qualquer causa de exclusão da ilicitude, ou é atípico e

lícito desde o início, em fase da presença de causa de justificação. Na verdade, as causas de

justificação atingiriam diretamente a tipicidade, e não somente a antijuridicidade.

 

 

  1. TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO

 

Como decorrência dessa posição de entender o tipo como a ratio essendi da antijuridicidade,

surgiu a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO.

 

Segundo essa teoria, toda vez que a conduta do agente não for ilícita, não for antijurídica, não

existirá o próprio fato típico. Para a teoria, já que a antijuridicidade integra o tipo penal, a

existência de causas de justificação faz desaparecer a tipicidade. O fato deixa de ser típico.

 

Hans-Heinrich JESCHECK, precursor da teoria dos elementos negativos do tipo, “o tipo deve

abarcar não só as circunstâncias típicas do delito, mas também todas aquelas que afetem a

antijuridicidade. OS PRESSUPOSTOS DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO SE ENTENDEM,

ASSIM, COMO ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Incluem-se, portanto, no tipo porque

somente quando faltam é possível um juízo definitivo sobre a antijuridicidade do fato. Elementos

do tipo e pressupostos das causas de justificação se reúnem, por esta via, em um tipo total e se

situam sistematicamente em um mesmo nível.

 

Assim, os elementos negativos do tipo são as causas de justificação, porque implicitamente

integram o tipo e só permitem que ele opere quando ausentes no caso concreto.

 

Para essa teoria, não se estuda primeiramente a conduta típica para somente depois levar a efeito

a análise de sua antijuridicidade.

 

De acordo com as lições de HANS WELZEL, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são

três elementos que convertem uma ação em um delito, sendo que o elemento seguinte pressupõe

necessariamente o antecedente.

 

Já consoante as lições dos que adotam a teoria dos elementos negativos do delito, como

JESCHECK, a existência de um TIPO TOTAL (tipicidade + antijuridicidade) faria com que ou o fato

é típico e antijurídico, ou não é nenhum dos dois. Não existiria, portanto, fato típico, mas lícito (ou

não antijurídico).

 

 

 

  1. INJUSTO PENAL (INJUSTO TÍPICO)

 

Injusto penal é o fruto da constatação de que a conduta do agente se demonstrou efetivamente

típica e antijurídica. A valoração de uma ilicitude como um injusto processa-se no instante em que

o julgador considera que o agente realizou uma conduta típica e não justificada.

 

INJUSTO – antijuridicidade

TÍPICO – tipicidade

 

Assim, quando afirmamos que existe um injusto penal (ou injusto típico), implicitamente afirmamos

que as duas primeiras fases da análise do delito (partindo de uma concepção tripartite do mesmo)

já foram realizadas, restando somente a análise da culpabilidade.

 

Daí fica claro concluirmos que O INJUSTO PENAL (OU INJUSTO TÍPICO) NÃO SE CONFUNDE

COM A IDÉIA DE TIPO TOTAL, TRAZIDA PELOS ADEPTOS DA TEORIA DOS ELEMENTOS

NEGATIVOS DO TIPO. Se para concluirmos sobre a existência do injusto penal devemos passar

por duas fases: análise da tipicidade + análise da antijuridicidade, para a teoria dos elementos

negativos do tipo a fase é uma só. Para estes só existem o tipo total de injusto (como tipicidade

fundida à antijuridicidade) e a culpabilidade.

46

VALE LEMBRAR QUE, SEM PREJUÍZO DE OUTRAS DOUTRINAS, A DIVISÃO TRIPARTIDA DO

DELITO, BEM COMO A TEORIA DA RATIO COGNOSCENDI, É A QUE TEM A PREFERÊNCIA

DA MAIORIA DOS AUTORES.

 

 

 

 

 

  1. TIPO BÁSICO E TIPOS DERIVADOS

 

TIPO BÁSICO – é a forma mais simples de descrição da conduta proibida ou imposta pela lei

penal. Ex.: homicídio simples.

 

TIPOS DERIVADOS – são descrições complementadas por determinadas circunstâncias, que

podem aumentar ou diminuir a reprimenda prevista no tipo básico. Ex.: homicídio privilegiado,

homicídio qualificado.

 

 

 

  1. TIPOS NORMAIS E TIPOS ANORMAIS

 

Essa classificação era usada quando predominava em nosso Direito Penal a TEORIA

CAUSALISTA, NATURALISTA OU MECANICISTA DA AÇÃO.

 

TIPO NORMAL – é aquele que contem apenas elementos objetivos na descrição da conduta;

TIPO ANORMAL – é aquele que, além dos elementos objetivos, vinha impregnado de elementos

subjetivos e normativos. Ex.: “com o fim de, com o intuito de, a fim de”.

 

Hodiernamente, com a adoção da TEORIA FINALISTA DA AÇÃO, dolo e culpa se encontram na

conduta do agente, que está localizada no fato típico (conduta, resultado, nexo, tipicidade). Assim,

todo tipo penal contém elementos subjetivos, mesmo quando não sejam tão evidentes, como

acontece com as expressões acima referidas.

 

 

 

  1. TIPOS FECHADOS E TIPOS ABERTOS

 

TIPOS FECHADOS – são aqueles que possuem a descrição completa da conduta proibida pela lei

penal.

 

TIPOS ABERTOS – são tipos em que não há a descrição completa e precisa do modelo de

conduta proibida ou imposta, tendo em vista a impossibilidade de o legislador prever todas as

formas possíveis de ocorrerem. Ex.: crimes culposos, que podem ocorrer de inúmeras formas

diferentes. Também são tipos abertos os crimes comissivos por omissão, ou crimes omissivos

impróprios, do artigo 13, §2o

do CP:

 

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem

lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria

ocorrido.

 

  • 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o

resultado. O dever de agir incumbe a quem:

 

  1. a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
  2. b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
  3. c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

 

 

 

 

  1. TIPOS CONGRUENTES E TIPOS INCONGRUENTES

 

A distinção, feita por SANTIAGO MIR PUIG, aponta para a congruência ou não entre a intenção

do autor e a conduta efetivamente realizada. Assim, seriam congruentes os tipos que descrevem

condutas dolosas e incongruentes os que descrevem condutas culposas.  47

 

De acordo com FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, há tipos estruturalmente incongruentes, como o

do artigo 219:

 

Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim

libidinoso:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

 

Neste caso, a lei estende o tipo subjetivo para além do objetivo, ou seja, para que haja

consumação do crime, basta que o fim libidinoso esteja presente na intenção do agente, não

sendo necessário, portanto, que os atos libidinosos se concretizem no mundo exterior.

 

O mesmo autor assevera que existe incongruência, ainda nos crimes qualificados pelo resultado,

nos crimes preterdolosos (dolo no início, culpa no final), e nas tentativas, em que não há

coincidência entre a parte objetiva (lesão corporal) e a parte subjetiva (morte de alguém) do tipo

legal.

 

 

 

  1. TIPO COMPLEXO

 

Quando prevalecia no direito brasileiro a teoria causal da ação, o tipo penal se tornava perfeito

pela simples presença de seus elementos objetivos, vez que dolo e culpa faziam parte da

culpabilidade. O injusto penal, ou injusto típico (tipicidade + antijuridicidade) era objetivo e a

culpabilidade era subjetiva.

 

Com o advento da teoria finalista da ação, desenvolvida por WELZEL, dolo e culpa foram trazidos

da culpabilidade para o fato típico, integrando a conduta. O injusto passou a ser subjetivo e a

culpabilidade, normativa.

 

Assim, fala-se em tipo complexo quando no tipo penal há o encontro de elementos objetivos com

elementos de natureza subjetiva.

 

No tipo complexo, por exigir simultaneamente os elementos objetivos e subjetivos da conduta,

quando faltarem os últimos, e desde que o fato não seja punido a título de culpa, o fato será

atípico, dada a ocorrência do ERRO DE TIPO, que tem por finalidade afastar o dolo do agente.

 

 

 

  1. ELEMENTARES

 

Elementares são figuras essenciais da conduta tipificada, sem as quais pode ocorrer duas formas

de atipicidade: uma absoluta e outra relativa.

 

ATIPICIDADE ABSOLUTA – ocorre quando, pela falta da elementar, o fato se torna um indiferente

penal. Ex.: se o sujeito furta coisa própria, pensando ser de outrem, não pratica furto, por lhe faltar

a elementar “coisa alheia móvel”, prevista no tipo.

 

ATIPICIDADE RELATIVA – ocorre quando, pela ausência da elementar, ocorre desclassificação

do fato para uma outra figura típica. Ex.: se a mãe, logo após o parto, mata o filho sem estar sob a

influência do estado puerperal, não poderá responder por infanticídio (art. 123), mas responderá

por homicídio (art. 121).

 

Portanto:

Atipicidade absoluta – indiferente penal;

Atipicidade relativa – desclassificação do crime.

 

 

 

  1. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O TIPO

 

Os elementos que integram o tipo podem ser OBJETIVOS e SUBJETIVOS.

 

48

Os ELEMENTOS OBJETIVOS descrevem a ação, o objeto da ação, o resultado (se for o caso), as

circunstâncias externas do fato, a pessoa do autor e o sujeito passivo (se for o caso). O objetivo

dos elementos subjetivos é fazer com que o agente tome conhecimento de todos os dados

necessários à caracterização da infração penal.

 

Os ELEMENTOS OBJETIVOS podem ser normativos ou descritivos.

 

Elementos objetivos descritivos – têm a finalidade de traduzir o tipo penal, ou seja, evidenciar o

que pode ser facilmente constatado pelo intérprete.

 

Elementos objetivos normativos – são criados e traduzidos por uma norma ou que, para sua

devida compreensão, carecem de valoração por parte do intérprete. Ex.: conceitos como mulher

honesta, sem justa causa, decoro.

 

 

Os ELEMENTOS SUBJETIVOS dizem respeito à vontade do agente. Quer dizer elemento anímico

(ânimo). O dolo é, por excelência, o elemento subjetivo do tipo. Existe também a culpa e outros

elementos explícitos no corpo do tipo penal. Ex.: artigo 159, do CP:

 

Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer

vantagem, como condição ou preço do resgate:

 

 

 

  1. ELEMENTOS ESPECÍFICOS DOS TIPOS PENAIS

 

São elementos encontrados em todos os tipos penais:

– núcleo;

– sujeito ativo;

– sujeito passivo;

– objeto material.

 

 

  1. A) NÚCLEO DO TIPO – é o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal. O núcleo será

sempre verbo de ação, visto não poder uma pessoa ser incriminada por um estado ou por uma

situação qualquer em que não concorra de forma ativa (positiva ou negativa / ação ou omissão).

 

Tipos penais com um só verbo – tipos uninucleares;

Tipos penais com mais de um verbo – tipos plurinucleares, ou crimes de ação múltipla ou de

conteúdo variado.

 

 

  1. B) SUJEITO ATIVO – é aquele que pode praticar a conduta delituosa descrita no tipo. Se qualquer

um pode ser o sujeito ativo do crime, ou seja, se a conduta pode ser praticada por qualquer

pessoa, o crime é tido como CRIME COMUM. Mas se somente um grupo de pessoas pode

praticar o crime, dadas determinadas condições pessoais, o crime é tido como CRIME PRÓPRIO.

 

Somente o homem, aqui entendido como pessoa humana, pode praticar delitos. Societas

delinquere non potest. Mas e quanto à possibilidade de responsabilização da Pessoa Jurídica por

crimes ambientais?

 

O autor é contrário à idéia da responsabilização penal da pessoa jurídica, tendo em vista:

– a impossibilidade de ser adaptar à teoria do crime, notadamente à análise dos elementos

subjetivos da conduta típica;

– a desnecessidade de intervenção do Direito Penal, pois os outros ramos do Direito são

ágeis e fortes o suficiente para inibir atividades nocivas por ela (pessoa jurídica) levadas a

efeito. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.

 

 

  1. C) SUJEITO PASSIVO – pode ser formal ou material.

 

SUJEITO PASSIVO FORMAL – é sempre o Estado, que sofre danos toda vez que suas leis são

desobedecidas.

49

SUJEITO PASSIVO MATERIAL – é o titular do bem jurídico tutelado sobre o qual recai a conduta

criminosa. Em alguns casos, pode ser o Estado. Ex.: crimes contra a Administração Pública.

 

A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de delitos, com algumas ressalvas, como o caso do

crime de injúria, tendo em vista que a pessoa jurídica não possui o que a doutrina costuma chamar

“honra subjetiva”.

  1. D) OBJETO MATERIAL – é a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta delituosa do agente.

 

Não é o mesmo que bem jurídico tutelado, que é de natureza subjetiva (vida, propriedade). O

objeto material possui natureza objetiva (corpo humano, veículo automotor).

 

Nem todos os tipos penais possuem objeto material, pois sua existência depende de uma

alteração da realidade fática para a consumação do delito. Ex.: crimes formais ou de mera

conduta.

 

 

 

  1. FUNÇÕES DO TIPO

 

O tipo penal tem, basicamente, três funções distintas:

 

  1. a) função de garantia (ou garantidora) – é a garantia do cidadão, que só poderá ser

penalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou deixar de

praticar aquelas impostas pela lei penal. É lícito fazer tudo o que não for proibido pela lei

penal – princípio da autonomia da vontade;

 

  1. b) função fundamentadora – o Estado, por meio do tipo pena, fundamenta suas decisões,

fazendo valer o seu ius puniendi. A função garantidora e a função fundamentadora atuam

como duas faces da mesma moeda, sendo uma dirigida ao indivíduo e outra, ao Estado;

 

  1. c) função selecionadora de condutas – o tipo seleciona as condutas que deverão ser

proibidas ou impostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. Em atenção aos princípios

da INTERVENÇÃO MÍNIMA e da ADEQUAÇÃO SOCIAL, o legislador só elege dignos de

proteção os bens jurídicos mais importantes. Dessa função ressalta a característica

notadamente instrumental do tipo penal.

CAPÍTULO 26 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

 

 

  1. DISPOSITIVO LEGAL

 

O CP esclarece quais são os momentos por ele considerados como consumação de um crime e

também tentativa:

 

Art. 14. Diz-se o crime:

I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal;

II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à

vontade do agente.

Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena

correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

 

 

 

  1. ITER CRIMINIS

 

Iter criminis, ou caminho do crime, pode ser definido como o conjunto de etapas que se sucedem,

cronologicamente, no desenvolvimento do delito. É o caminho percorrido pelo crime desde seu

surgimento na idéia íntima do agente, até sua consumação.

 

O iter criminis é composto por cinco fases:

 

  1. cogitação (cogitatio);
  2. preparação (atos preparatórios);
  3. execução (atos de execução);
  4. consumação (summatum opus);
  5. exaurimento.

 

COGITAÇÃO – fase interna ao agente. Corresponde à definição da infração que deseja praticar e

representação e antecipação mental do resultado;

 

PREPARAÇÃO – eleição dos meios dos quais fará uso para alcançar o resultado;

 

EXECUÇÃO – é o início da execução do crime. Aqui, duas situações podem ocorrer:

  1. a) o agente consuma a infração penal;
  2. b) a infração não chega a consumar-se, por circunstâncias alheias à vontade do agente,

ocorrendo então a tentativa.

 

EXAURIMENTO – é a fase que se situa após a consumação do delito, esgotando-o plenamente.

 

 

OBS.: O ITER CRIMINIS SÓ SE REFERE AOS CRIMES DOLOSOS, NÃO EXISTINDO QUANDO

A CONDUTA DO AGENTE FOR DE NATUREZA CULPOSA.

 

 

  1. CONSUMAÇÃO

 

O CP diz estar consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição

legal. Dada a variedade de espécies de delito, vários também são os momentos em que eles se

consideram consumados. Para cada tipo de crime há um momento de consumação:

 

  1. A) crimes materiais, omissivos impróprios e culposos: consumam-se quando há a produção

do resultado naturalístico, ou seja, a modificação no mundo exterior. Ex.: homicídio.

  1. B) omissivos próprios: consumam-se com a abstenção do comportamento imposto ao agente.

Ex.: omissão de socorro.

  1. C) mera conduta: consumam-se com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo

qualquer resultado naturalístico. Ex.: violação de domicílio.

  1. D) formais: consumam-se com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo,

independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será

considerado mero exaurimento do crime. Ex.: extorsão mediante seqüestro.  70

  1. E) qualificados pelo resultado: consumam-se com a ocorrência do resultado agravador. Ex.:

lesão corporal seguida de morte.

  1. F) permanentes: consumam-se enquanto durar a permanência, vez que o crime permanente é

aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Ex.: seqüestro e cárcere privado.

 

 

  1. NÃO-PUNIBILIDADE DA COGITAÇÃO E DOS ATOS PREPARATÓRIOS

 

De acordo com o texto legal, crime tentado ocorre quando, INICIADA SUA EXECUÇÃO, não se

consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

 

Daí podemos concluir que a conduta criminosa só é punível após a terceira fase do iter criminis,

ou seja, após a prática de atos executórios, excluídas, portanto, a cogitação e a preparação.

 

Acontece que, em alguns casos expressamente previstos na lei, os atos preparatórios foram

alçados pelo legislador penal à categoria de delito autônomo. É o caso, por exemplo, dos delitos

de formação de quadrilha ou bando (art. 288, do CP) e da contravenção de posse de instrumentos

destinados usualmente à prática de furtos (art. 25, da LCP):

 

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer

crimes:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou

enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo,

gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de

crime de furto, desde que não prove destinação legítima:

Pena – prisão simples, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, e multa.

 

Quando, por exemplo, quatro pessoas se reúnem para a prática de um único crime de furto, essa

conduta não é punida pelo direito penal, pois a reunião é considerada mero ato preparatório para

aquele fim.

Quando, por outro lado, quatro pessoas se reúnem com a finalidade de praticar crimes, não sendo

uma reunião eventual, mas de caráter duradouro, o que antes era mero ato preparatório passa a

ser crime autônomo.

 

A COGITAÇÃO, VALE FRISAR, JAMAIS PODERÁ SER OBJETO DE REPREENSÃO PENAL.

Cogitationis poenam nemo patitur.

 

 

 

  1. DIFERENÇA ENTRE ATOS PREPARATÓRIOS E ATOS DE EXECUÇÃO

 

É extremamente importante o estudo sobre essa diferenciação, tendo em vista que, conforme

exposto anteriormente, somente após iniciados os atos de execução o direito penal poderá usar

sua força repreensiva, e entre a preparação e a execução de um delito é tênue a linha divisória.

Ao menos pode-se falar em tentativa após o início dos atos de execução, quando o delito não se

consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

 

Várias teorias tentaram definir a tentativa:

 

  • teoria subjetiva – haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua

conduta no sentido de praticar a infração penal. Essa teoria não faz distinção entre os atos

preparatórios e os de execução. Assim, caso um sujeito queira matar o outro em uma emboscada,

encurralando-o numa viela por onde sempre passava, e, por um motivo qualquer, no dia exato em

que aguardava a vítima, esta resolveu fazer o caminho de carro, responderia por tentativa, vez

que exteriorizou de maneira inequívoca sua intenção criminosa.

 

  • teoria objetiva – formal – só haveria tentativa quando o agente já tivesse praticado a conduta

descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado como ato

preparatório.

 

  • teoria objetiva – material – a teoria é um complemento da primeira. Incluem-se no âmbito da

tentativa as condutas que, por sua necessária vinculação com a ação típica, aparecem como parte  71

integrante dela, segundo uma natural concepção ou que produzem uma imediata colocação em

perigo de bens jurídicos.

 

  • teoria da hostilidade ao bem jurídico – ocorreria tentativa quando houvesse uma agressão

direta ao bem jurídico. Ato de execução é o que ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico; ato

preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico.

 

 

 

  1. DÚVIDA SE O ATO É PREPARATÓRIO OU DE EXECUÇÃO

 

A doutrina aconselha que, seja a teoria adotada para a distinção dos atos preparatórios dos

executórios, se após uma análise detida não se conseguiu concluir se a conduta pode ou não ser

considerada executória, deve-se decidir em benefício do agente, no sentido de se declarar a

inexistência da tentativa.

 

 

 

  1. TENTATIVA E ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO MEDIATA

 

De acordo com o que foi dito anteriormente, dado o princípio da legalidade somente a conduta que

perfeitamente se amolde no tipo descrito na lei penal (tipicidade formal) poderá ser objeto de

sanção pelo direito penal.

 

Porém, uma vez que o legislador, via de regra, descreve a consumação do delito no tipo penal,

como adequar a tentativa (em que não há consumação) aos respectivos tipos?

 

Para se evitar que as condutas restem impunes, foram criadas as NORMAS DE EXTENSÃO, tais

como a prevista no inciso II, do art. 14, que funcionam fazendo com que se amplie a figura típica,

de modo a abranger situações não previstas expressamente pelo tipo penal.

 

Assim, quando não é o próprio tipo quem prevê expressamente a tentativa, como no artigo 352, do

CP, OCORRE UMA ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO INDIRETA, OU MEDIATA, pois

será necessária a ação de uma norma de extensão prevista na lei.

 

Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de

segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.

 

  1. ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O CRIME TENTADO

 

Para que haja tentativa, são necessários três requisitos:

– conduta dolosa;

– prática de atos de execução;

– não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.

 

CONDUTA DOLOSA – não existe dolo da tentativa, o agente não age com o objetivo de tentar,

mas de conseguir. Desde o início da execução até a interrupção de seus atos seu dolo não se

modifica.

 

NÃO CONSUMAÇÃO POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DO AGENTE – não

importa se o resultado não foi alcançado porque o agente interrompeu os atos executórios ou se,

mesmo se utilizando de todos os meios disponíveis no momento, não ocorreu o resultado

pretendido, a conseqüência será a mesma.

 

  1. TENTATIVA PERFEITA E IMPERFEITA

 

Tentativa perfeita, acabada, ou crime falho – ocorre quando o agente esgota todos os meios

que tinha ao seu dispor a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não

ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade.

 

Tentativa imperfeita ou inacabada – ocorre quando o agente é interrompido durante a prática

dos atos de execução, não chegando a fazer tudo aquilo que intencionava visando consumar o

delito.  72

 

 

 

  1. TENTATIVA E CONTRAVENÇÃO PENAL

 

Sendo a Lei das Contravenções Penais regra especial em relação ao Código Penal e, ainda,

prevendo em seu artigo 4o

, que não é punível a tentativa de contravenção, não se aplica o inciso

II, do artigo 14, do CP, sendo impossível, portanto, a adequação típica de subordinação indireta ou

mediata. Contravenção não consumada é fato atípico.

 

 

  1. CRIMES QUE NÃO ADMITEM A TENTATIVA

 

Diz-se em doutrina que o crime admite tentativa se pudermos fracionar o iter criminis. Contudo, a

doutrina especifica alguns delitos que, ao menos em tese, não admitem a tentativa:

 

  • contravenções penais

 

  • crimes habituais – são delitos em que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente

pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo.

 

  • crimes preterdolosos – fala-se em preterdolo quando há dolo na conduta e culpa no

resultado. Dolo no antecedente, culpa no conseqüente. As infrações culposas demandam

resultado. Se não há resultado, não há crime culposo (e na tentativa não há resultado, ao menos o

pretendido pelo autor).

 

  • crimes culposos – se não há vontade dirigida à prática de uma infração penal não existirá a

necessária circunstância alheia à vontade do agente, que impediria a consumação do delito. Não

existe iter criminis em delito culposo. ENTRETANTO, NA CULPA IMPRÓPRIA PODER-SE IA

COGITAR EM TENTATIVA.

 

Ocorre CULPA IMPRÓPRIA quando o agente, em virtude de ERRO EVITÁVEL PELAS

CIRCUNSTÂNCIAS, dá causa DOLOSAMENTE a um resultado, mas responde como se tivesse

praticado um DELITO CULPOSO.

 

  • crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do

crime consumado – na verdade, nesse caso pode ocorrer tentativa. A diferença é que não

haverá qualquer diminuição na pena do agente se ele não alcança o resultado por circunstâncias

alheias à sua vontade. Ex.: art. 352, do CP:

 

Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de

segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.

 

  • crimes unissubsistentes – unissubsistente é o crime no qual a conduta do agente é exaurida

num único ato, não se podendo fracionar o iter criminis. Ex.: injúria verbal.

 

  • crimes omissivos próprios – nesses crimes, ou o agente não pratica a conduta determinada

pela lei e consuma a infração, ou pratica a conduta, não havendo qualquer fato típico.

 

  1. TENTATIVA E CRIME COMPLEXO

 

Crime complexo é aquele em que, numa mesma figura típica, há a fusão de dois ou mais tipos

penais. Consumam-se os crimes complexos pela realização dos dois tipos integrantes de sua

essência.

O problema surge em relação ao latrocínio (homicídio + subtração):

 

– homicídio consumado + subtração consumada = latrocínio consumado;

– homicídio tentado + subtração tentada = latrocínio tentado;

– homicídio tentado + subtração consumada = ?

 

 

73

 

Para NELSON HUNGRIA, haveria tentativa de homicídio qualificado (121, §2o

, V):

 

  • 2º. Se o homicídio é cometido:

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

 

O autor justifica sua posição com base na discrepância entre a conduta do agente e a pena

cominada ao latrocínio. Acontece que, após 1990, com a Lei 8.072, a pena mínima do latrocínio foi

aumentada para 20 anos, não mais subsistindo os argumentos do autor.

 

CONCLUSÃO: homicídio tentado + subtração consumada = latrocínio tentado.

 

– homicídio consumado + subtração tentada = 3 correntes:

 

1

a

) LATROCÍNIO TENTADO, por ser crime complexo;

2

a

) HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO, nas lições de HUNGRIA, acima descritas;

3

a

) LATROCÍNIO CONSUMADO – corrente majoritária, inclusive com súmula do STF (610):

 

610 – Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o

agente a subtração de bens da vítima.

 

 

 

  1. TENTATIVA BRANCA

 

Fala-se em tentativa branca, ou incruenta, quando o agente, mesmo utilizando-se de todos os

meios ao seu dispor, não consegue sequer lesar minimamente o bem jurídico visado.

 

Para que se fale em tentativa branca, deve-se analisar o dolo do agente. Ex.: A atira em B e erra o

alvo. Sem analisarmos o dolo de A não podemos dizer se ele desejava matar, ferir, ou somente

expor a vida de terceiro a perigo (arts. 121, 129 e 132, respectivamente).

 

 

 

  1. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DO CRIME TENTADO

 

SUBJETIVA – tendo em vista que o agente não consuma o delito por circunstâncias alheias à sua

vontade, reponde como se houvesse a consumação, aplicando-se a pena do delito consumado e

não ocorrendo qualquer redução pelo fato da não consumação do mesmo. (NÃO É ADOTADA NO

BRASIL)

 

OBJETIVA – deve haver uma redução na pena quando o agente não consegue alcançar o

resultado. Entretanto, essa regra sofre algumas exceções, conforme já exposto anteriormente.

Assim, adota-se no Brasil a TEORIA OBJETIVA MODERADA, TEMPERADA OU MATIZADA.

 

 

 

  1. PUNIÇÃO DA TENTATIVA COMO DELITO AUTÔNOMO

 

Optou o legislador por erigir a tentativa a crime autônomo, não havendo portanto a adequação

típica por subordinação mediata, ou indireta, mas sim por subordinação imediata, ou direta.

 

 

 

  1. TENTATIVA E APLICAÇÃO DA PENA

 

Pune-se a tentativa com a pena do crime consumado, reduzida de um a dois terços. Qual o critério

a ser utilizado pelo julgador para escolher o percentual de diminuição?

 

Entende a doutrina que, quanto mais próximo o agente chegar da consumação da infração penal,

menor será o percentual de redução e, ao contrário, quanto mais distante o agente permanecer da

consumação do crime, maior será a redução.

 

74

 

  1. TENTATIVA E DOLO EVENTUAL

 

Para o autor, é completamente incompatível a tentativa com o dolo eventual. A própria definição

legal da tentativa nos impede de reconhece-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual.

Se o CP, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma

por circunstâncias alheias À VONTADE DO AGENTE, nos está a induzir, mediante a palavra

vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e

diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o

risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento.

 

PORTANTO, O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL ADOTOU, PARA FINS DE

RECONHECIMENTO DO DOLO, A TEORIA DA VONTADE.

 

Para alguns autores espanhóis, essa incompatibilidade se explica no fato de que o dolo eventual

tem a estrutura de uma imprudência a que, por razões político-criminais, se aplica a pena do delito

doloso.

fatos. Quando essa falsa noção é vencível, o agente culposamente não a superou. Assim, pratica

atos dolosos, mas responde por crime culposo.

CAPÍTULO 29 – CRIME IMPOSSÍVEL

 

 

  1. DISPOSITIVO LEGAL

 

Dispõe o artigo 17, do CP, que:

 

Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta

impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Quando o legislador trata do crime impossível, parte do pressuposto que o agente já ingressou na

fase de execução do delito e que este não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.

Essa conclusão podemos tirar do fato de que o legislador já introduz o instituto dizendo “não se

pune a tentativa quando…”.

 

Por isso, o crime impossível é também conhecido como:

– tentativa inidônea;

– tentativa inadequada ou

– quase-crime.

 

 

 

  1. TEORIAS SOBRE O CRIME IMPOSSÍVEL

 

Duas teorias surgiram para explicar o crime impossível: a teoria subjetiva e a objetiva. A objetiva,

por sua vez, se divide em teoria objetiva pura e teoria objetiva temperada.

 

TEORIA SUBJETIVA – não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente

ineficazes ou impróprios, bastando que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração

penal para que seja configurada a tentativa.

 

TEORIA OBJETIVA PURA – não interessa se os meios ou objeto eram absolutamente ou

relativamente inidôneos para que se alcançasse o resultado. Em qualquer desses casos não

haverá bem jurídico em perigo, não existindo fato punível.

 

TEORIA OBJETIVA TEMPERADA – os atos praticados pelo agente só são puníveis se os meios e

os objetos são relativamente eficazes. ESSA TEORIA FOI ADOTADA NO BRASIL.

 

 

 

  1. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO

 

O que se pode entender por meio? É tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajuda-lo a

produzir o resultado por ele pretendido.

 

E o que vem a ser meio absolutamente ineficaz? É o meio de que o agente se vale a fim de

cometer a infração penal, mas que, no caso concreto, por mais que o agente queira realizar a

conduta descrita no tipo, jamais o conseguirá com a utilização do meio escolhido, pois ele não

possui qualquer aptidão para produzir os efeitos pretendidos.

 

Ex.: envenenar alguém com açúcar, falsificação grosseira.

 

 

 

 

 

 

82

  1. MEIO RELATIVAMENTE INEFICAZ

 

Ocorre a ineficácia relativa do meio quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento

intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização.

 

Ex.: uso de munição velha em revólver para tentar matar alguém; gestante que, querendo abortar,

ingere medicamento abortivo com prazo de validade vencido.

 

 

 

  1. ABSOLUTA IMPROPRIEDADE DO OBJETO

 

Objeto é tudo aquilo contra o qual se dirige a conduta do agente.

A impropriedade absoluta do objeto reside na impossibilidade de lesar o bem jurídico que não

existe ou cuja lesão já se exauriu de forma absoluta.

 

Ex.: desferir tiros em direção a pessoa já morta, a mulher, acreditando equivocadamente que está

grávida, toma medicamento abortivo.

 

 

 

  1. OBJETO RELATIVAMENTE IMPRÓPRIO

 

Ocorre a impropriedade relativa do objeto quando este é colocado efetivamente numa situação de

perigo, ou seja, está apto a sofrer com a conduta do agente, que pode ou não vir a alcançar o

resultado inicialmente pretendido.

 

Ex.: se um sujeito quer bater a carteira do outro e erra o bolso, comete tentativa de furto (pela

impropriedade relativa do objeto), mas se a vítima não possuía carteira em nenhum dos bolsos,

comete crime impossível (pela impropriedade absoluta do objeto).

 

 

 

  1. CRIME IMPOSSÍVEL E A SÚMULA N.O

145 DO STF

 

De acordo com a súmula 145,

 

145 – Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua

consumação.

 

É o caso do flagrante preparado, em que a total impossibilidade de se consumar a infração penal

pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso de absoluta ineficácia do meio por ele utilizado

como no de absoluta impropriedade do objeto

 

A diferença entre o flagrante preparado e o flagrante esperado reside na existência ou não do

estímulo, da indução do agente à pratica de algum delito. No flagrante preparado o agente é

induzido pela vítima e pelas autoridades policiais, no esperado não há essa indução.

 

É justamente por essa razão que o autor discorda de parte da doutrina, que atribui diferentes

efeitos ao flagrante preparado (crime impossível) e ao flagrante esperado (tentativa). Se o agente

não tiver qualquer possibilidade de chegar à consumação do delito, o crime será impossível.

 

 

 

  1. DIFERENÇA ENTRE CRIME IMPOSSÍVEL E CRIME PUTATIVO

 

A diferença reside no fato de que no crime impossível a conduta do agente é descrita em algum

tipo penal, mas o resultado não ocorre ou pela absoluta impropriedade do objeto ou pela absoluta

ineficácia do meio.

 

Já no crime putativo, a conduta do agente não é descrita em qualquer tipo penal. O agente,

embora acredite estar praticando crime, pratica fato atípico. É considerado, portanto, um

indiferente penal.

CAPÍTULO 29 – CRIME IMPOSSÍVEL

 

 

  1. DISPOSITIVO LEGAL

 

Dispõe o artigo 17, do CP, que:

 

Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta

impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Quando o legislador trata do crime impossível, parte do pressuposto que o agente já ingressou na

fase de execução do delito e que este não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.

Essa conclusão podemos tirar do fato de que o legislador já introduz o instituto dizendo “não se

pune a tentativa quando…”.

 

Por isso, o crime impossível é também conhecido como:

– tentativa inidônea;

– tentativa inadequada ou

– quase-crime.

 

 

 

  1. TEORIAS SOBRE O CRIME IMPOSSÍVEL

 

Duas teorias surgiram para explicar o crime impossível: a teoria subjetiva e a objetiva. A objetiva,

por sua vez, se divide em teoria objetiva pura e teoria objetiva temperada.

 

TEORIA SUBJETIVA – não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente

ineficazes ou impróprios, bastando que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração

penal para que seja configurada a tentativa.

 

TEORIA OBJETIVA PURA – não interessa se os meios ou objeto eram absolutamente ou

relativamente inidôneos para que se alcançasse o resultado. Em qualquer desses casos não

haverá bem jurídico em perigo, não existindo fato punível.

 

TEORIA OBJETIVA TEMPERADA – os atos praticados pelo agente só são puníveis se os meios e

os objetos são relativamente eficazes. ESSA TEORIA FOI ADOTADA NO BRASIL.

 

 

 

  1. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO

 

O que se pode entender por meio? É tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajuda-lo a

produzir o resultado por ele pretendido.

 

E o que vem a ser meio absolutamente ineficaz? É o meio de que o agente se vale a fim de

cometer a infração penal, mas que, no caso concreto, por mais que o agente queira realizar a

conduta descrita no tipo, jamais o conseguirá com a utilização do meio escolhido, pois ele não

possui qualquer aptidão para produzir os efeitos pretendidos.

 

Ex.: envenenar alguém com açúcar, falsificação grosseira.

 

 

 

 

 

 

82

  1. MEIO RELATIVAMENTE INEFICAZ

 

Ocorre a ineficácia relativa do meio quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento

intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização.

 

Ex.: uso de munição velha em revólver para tentar matar alguém; gestante que, querendo abortar,

ingere medicamento abortivo com prazo de validade vencido.

 

 

 

  1. ABSOLUTA IMPROPRIEDADE DO OBJETO

 

Objeto é tudo aquilo contra o qual se dirige a conduta do agente.

A impropriedade absoluta do objeto reside na impossibilidade de lesar o bem jurídico que não

existe ou cuja lesão já se exauriu de forma absoluta.

 

Ex.: desferir tiros em direção a pessoa já morta, a mulher, acreditando equivocadamente que está

grávida, toma medicamento abortivo.

 

 

 

  1. OBJETO RELATIVAMENTE IMPRÓPRIO

 

Ocorre a impropriedade relativa do objeto quando este é colocado efetivamente numa situação de

perigo, ou seja, está apto a sofrer com a conduta do agente, que pode ou não vir a alcançar o

resultado inicialmente pretendido.

 

Ex.: se um sujeito quer bater a carteira do outro e erra o bolso, comete tentativa de furto (pela

impropriedade relativa do objeto), mas se a vítima não possuía carteira em nenhum dos bolsos,

comete crime impossível (pela impropriedade absoluta do objeto).

 

 

 

  1. CRIME IMPOSSÍVEL E A SÚMULA N.O

145 DO STF

 

De acordo com a súmula 145,

 

145 – Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua

consumação.

 

É o caso do flagrante preparado, em que a total impossibilidade de se consumar a infração penal

pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso de absoluta ineficácia do meio por ele utilizado

como no de absoluta impropriedade do objeto

 

A diferença entre o flagrante preparado e o flagrante esperado reside na existência ou não do

estímulo, da indução do agente à pratica de algum delito. No flagrante preparado o agente é

induzido pela vítima e pelas autoridades policiais, no esperado não há essa indução.

 

É justamente por essa razão que o autor discorda de parte da doutrina, que atribui diferentes

efeitos ao flagrante preparado (crime impossível) e ao flagrante esperado (tentativa). Se o agente

não tiver qualquer possibilidade de chegar à consumação do delito, o crime será impossível.

 

 

 

  1. DIFERENÇA ENTRE CRIME IMPOSSÍVEL E CRIME PUTATIVO

 

A diferença reside no fato de que no crime impossível a conduta do agente é descrita em algum

tipo penal, mas o resultado não ocorre ou pela absoluta impropriedade do objeto ou pela absoluta

ineficácia do meio.

 

Já no crime putativo, a conduta do agente não é descrita em qualquer tipo penal. O agente,

embora acredite estar praticando crime, pratica fato atípico. É considerado, portanto, um

indiferente penal.

CAPÍTULO 33 – CULPABILIDADE

 

 

  1. CONCEITO

 

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma

contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.

 

 

 

  1. LIVRE-ARBÍTRIO E DETERMINISMO

 

LIVRE-ARBÍTRIO – fruto da Escola Clássica, prega que o homem é moralmente livre para fazer

suas escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está na responsabilidade moral do

indivíduo.

 

DETERMINISMO – fruto da Escola Positivista, prega que o homem não possui essa liberdade de

escolha de forma soberana. Fatores internos e externos podem influenciá-lo na prática do delito.

 

 

 

  1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULPABILIDADE NA TEORIA DO DELITO

 

Na evolução da teoria do delito, três teorias se destacaram – a teoria causal, a final e a social.

Além destas, surgiu uma quarta teoria, proposta por Roxin, denominada funcional.

 

 

 

3.1. Sistema causal-naturalista de Liszt-Beling

 

Para os autores, o delito possuía dois aspectos bem definidos: um interno e outro externo. O

externo compreendia a ação típica e antijurídica. O interno dizia respeito à culpabilidade (vínculo

psicológico que unia o agente à conduta.

 

Ação – era entendida como um movimento humano voluntário que causava uma modificação no

mundo exterior. No conceito de ação estava embutido, também, o de resultado. Não há ação sem

vontade, e não há ação sem resultado. Portanto, dois elementos compunham a ação: ato de

vontade e resultado.

 

Tipo – tinha a função de descrever objetivamente as condutas, descrevendo, ainda, o resultado.

 

Antijuridicidade – somada á ação típica, compunha o injusto penal. A antijuridicidade limitava-se

à comprovação de que a conduta do agente contrariava a lei penal. Não se perquiria sobre o

elemento subjetivo do agente, pois a antijuridicidade possuía somente elementos objetivos. As

causas de exclusão da ilicitude também eram analisadas objetivamente

 

Culpabilidade – para a teoria causalista da ação, dolo e culpa residiam na culpabilidade.

A imputabilidade era pressuposto da culpabilidade. Antes de se analisar o dolo e a culpa, primeiro

deveria-se avaliar se o agente é ou não imputável.

Culpabilidade era o vínculo psicológico que ligava o agente ao fato ilícito por ele cometido, razão

pela qual essa teoria passou a ser conhecida como uma teoria psicológica da culpabilidade.

Posteriormente, recebeu a denominação de sistema clássico.

 

CRÍTICAS:

– o conceito de ação não explica a essência da omissão;

– a culpabilidade como vínculo psicológico não se cogitava em explicar a culpa

inconsciente.

 

 

 

 

104

3.2. Teoria normativa – sistema neoclássico – metodologia neokantista

 

Ação – deixa de ser essencialmente natural para estar inspirada em um certo sentido normativo

que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como da omissão.

 

Tipo – acrescentaram-se elementos normativos ao tipo, que deixou de ser um elemento

meramente descritivo, e de elementos subjetivos que deviam ser incluídos no tipo (ânimo de

injuriar etc.).

 

Antijuridicidade – deixou de ter somente caráter formal e passou a ter também conteúdo de

desvalor material, representado pela DANOSIDADE SOCIAL.

 

Culpabilidade – deixa de ser eminentemente psicológica e passa a ser também normativa. A

base do sistema passa a ser a reprovabilidade como juízo de desaprovação jurídica do ato que

recai sobre o autor (exigibilidade da conduta conforme o direito).

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade – capacidade de compreender a ilicitude da conduta e capacidade de

autodeterminação;

– dolo ou culpa;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

 

 

3.3. Teoria da ação final

 

Nasceu em 1931, com a publicação da obra “Causalidade e ação”, de Hans Welzel. Para essa

teoria, a ação humana é essencialmente final. O homem pode prever, dentro de certos limites, as

conseqüências possíveis de sua atividade, estabelecendo fins diversos e dirigir sua atividade,

conforme o seu plano, a consecução desses fins.

 

Ação – partindo do pressuposto de que toda conduta humana – lícita ou ilícita – pressupõe uma

finalidade, o dolo e a culpa não poderiam continuar a ser estudados em sede de culpabilidade,

 

Tipo – o dolo migra para o tipo penal, afastando do dolo sua carga de normatividade (consciência

sobre a ilicitude do fato). Por isso, diz-se que o dolo finalista é um dolo natural. O tipo penal,

portanto, passa a ser um TIPO COMPLEXO, composto por elementos de ordem objetiva e

subjetiva (dolo e culpa).

 

Antijuridicidade – por ser um predicado da ação típica, passou a vir impregnada de elementos

subjetivos. O injusto típico ou injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) passou a ser composto

por elementos de ordem objetiva e subjetiva.

 

Culpabilidade – dela foram extraídos o dolo e a culpa. O dolo deixa de ser normativo e passa a

ser natural. Permaneceu na culpabilidade o potencial conhecimento sobre a ilicitude do fato

(extraído do dolo), juntamente com a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa.

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade;

– potencial consciência da ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

Assim, a culpabilidade era composta somente por elementos de ordem NORMATIVA, por isso, a

teoria final é reconhecida como uma teoria normativa pura.

 

CRÍTICAS:

– o próprio Welzel confessa que essa teoria final da ação não conseguiu apreender

corretamente o delito culposo, mas isso se deu pelo fato de que, ao contrário do que

ocorre com o dolo, a análise final da culpa não se dirige ao resultado pretendido pelo

agente, mas sim à finalidade de agir culposamente.

 

 

 

3.4. Teoria social da ação

 

A teoria social da ação procura englobar aspectos do finalismo e do causalismo. Ação, para essa

teoria, é um fenômeno social. A teoria social pretende fazer com que a ação seja entendida como

conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. A relevância social  105

da ação é verificada à medida que a conduta produza efeitos danosos na relação do indivíduo com

o seu ambiente social.

 

A crítica maior experimentada por essa teoria consiste no fato de que o conceito social de

conduta, que de modo algum serve de ponte entre causalismo e finalismo, padece dos mesmos

defeitos de qualquer conceito teórico nebuloso: na melhor das hipóteses resulta estéril, porque

não se pode extrair dele nenhuma conseqüência prática.

 

 

 

3.5. Funcionalismo

 

O funcionalismo parte dos pressupostos político-criminais ligados diretamente às funções do

Direito Penal, principalmente no que diz respeito à chamada teoria dos fins da pena.

 

Duas são as vigas mestras do funcionalismo:

– a teoria da imputação objetiva;

– a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade – exige a aferição da

necessidade preventiva da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta;

 

 

  1. CULPABILIDADE DE ATO E CULPABILIDADE DE AUTOR

 

Direito penal do fato – analisa-se o fato praticado pelo agente, e não o agente do fato;

Direito penal do autor – não se analisa o fato praticado pelo agente, mas sim o agente que

cometeu o fato.

 

Um direito penal exclusivamente do autor se mostra um direito penal intolerável, pois não se julga,

não se avalia o que o homem fez, mas sim o que ele é.

 

A culpabilidade de ato seria a reprovação do homem por aquilo que ele fez, considerando-se a sua

capacidade de autodeterminação;

Na culpabilidade de autor, o que se reprova é o homem como ele é, e não aquilo que fez.

Jescheck diz que o correto parece ser a união de ambas as concepções. “O núcleo do conceito de

culpabilidade somente pode ser a culpabilidade pelo fato individual, mas o Direito Penal deve ter

em conta também muitas vezes a culpabilidade do autor”.

 

 

 

  1. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE NA CONCEPÇÃO FINALISTA

 

Para o finalismo de Welzel, a culpabilidade possui os seguintes elementos normativos:

 

  1. a) imputabilidade
  2. b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
  3. c) exigibilidade da conduta diversa.

 

 

 

5.1. Imputabilidade

 

Imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.

 

A imputabilidade possui dois elementos:

 

– INTELECTUAL – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, de prever as

repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social.

– VOLITIVO – é a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

O Código Penal escolheu duas situações em que a imputabilidade penal é afastada:

 

 

I – Inimputabilidade por doença mental

106

Também chamada de inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, está

prevista no artigo 26, do CP:

 

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental

incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

Pela redação do artigo 26, podemos concluir que o Código adotou dois critérios de constatação da

inimputabilidade:

 

  1. a) existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado

(CRITÉRIO BIOLÓGICO);

  1. b) absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CRITÉRIO PSICOLÓGICO).

 

Pela união de ambos os critérios, podemos dizer que o Código Penal adotou o CRITÉRIO

BIOPSICOLÓGICO para aferição da inimputabilidade do agente.

 

O critério biológico reside na aferição da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto

ou retardado. Entretanto, ainda que comprovado, não será suficiente a fim de fazer surgir a

inimputabilidade, devendo-se averiguar a presença TAMBÉM do critério psicológico.

Se o resultado da análise trouxer à tona uma total inimputabilidade, o agente será absolvido e lhe

será imposta medida de segurança (ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA);

 

Diferente situação é trazida pelo parágrafo único do artigo 26:

 

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de

perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não

era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento.

 

Como se pode ver, a diferença entre a incapacidade do caput e do parágrafo único reside no fato

de que, neste, o agente não era INCAPAZ de entender o caráter ilícito do fato ou de

autodeterminar-se de acordo com o entendimento, mas sim PARCIALMENTE INCAPAZ.

 

O juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente deverá ser menor em virtude de sua

perturbação da saúde mental ou de seu desenvolvimento incompleto ou retardado, razão pela qual

a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços.

 

Neste caso, o sujeito pode ser condenado, mas o juiz poderá, com base no artigo 98, do CP,

substituir a pena privativa de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, por no mínimo 1

a 3 anos, nos termos do artigo 97 e seus parágrafos, do CP:

 

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o

condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser

substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3

(três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

 

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se,

todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a

tratamento ambulatorial.

  • 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando

enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O

prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

  • 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida

de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

  • 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a

situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de

persistência de sua periculosidade.

  • 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação

do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

 

 

 

 

 

107

II – Inimputabilidade por imaturidade natural

 

Aqui, adotou-se o critério exclusivamente biológico, pois, por motivos de política criminal, entendeu

o legislador que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que

lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito.

 

A questão da maioridade penal é de tamanha importância que foi inserida no artigo 228, da CF/88:

 

Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da

legislação especial.

 

Para alguns doutrinadores, a inimputabilidade penal pode ser reduzida aos 16 anos, mediante

Emenda constitucional, visto não constituir cláusula pétrea, imutável sequer pelo poder constituinte

derivado.

 

A súmula 74, do STJ, diz que

 

Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento

hábil.

 

O réu adquire maioridade penal no primeiro minuto do dia de seu aniversário, independentemente

da hora em que ocorreu o nascimento.

 

5.1.1. Denúncia oferecida em face de um inimputável e de um semi-imputável

 

É possível o oferecimento de denúncia em face do agente comprovadamente inimputável, quando

a lei processual penal determina em seu artigo 386, inciso V, que “o juiz absolverá o réu,

mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça existir circunstância que isente o

réu de pena”?

A única forma de se aplicar uma medida de segurança a um inimputável é por meio de uma ação

penal. Tomando conhecimento de que um agente comprovadamente inimputável praticou um fato

típico e antijurídico, deve o Promotor de Justiça denunciá-lo, narrando com exatidão os fatos por

ele cometidos, para que durante a instrução do processo possa ser assegurada sua ampla defesa,

e, ao final da peça acusatória, deverá o membro do Parquet, mencionando a causa dirimente da

culpabilidade, pugnar na própria denúncia pela absolvição do réu, com a conseqüente aplicação

de medida de segurança.

 

De forma diferente ocorre com o semi-imputável. Este pratica fato típico, ilícito e culpável, mas sua

pena será reduzida. O semi-imputável é condenado, mas sobre a condenação incide o parágrafo

único do artigo 26, fazendo reduzir o quantum da pena imposta. O membro do MP não pede a

absolvição na denúncia, mas sim a condenação com redução de pena.

 

 

 

5.1.2. Emoção e paixão

 

Nos termos do artigo 28, do CP:

 

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:

I – a emoção ou a paixão;

 

Como estabelece o preceito, a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal.

Todavia, são circunstâncias atenuantes, nos moldes do artigo 65, III, c. Também são causa de

diminuição de pena, como prescreve os artigos 121, § 1º (homicídio privilegiado), e 129, § 4º

(lesão corporal com diminuição de pena).

 

EMOÇÃO – intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento

imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por

predominar sobre outras atividades psíquicas.

 

PAIXÃO – estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a

atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes

alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle.

108

Embora possamos afirmar que elas não excluem a culpabilidade, quando do julgamento dos

crimes dolosos contra a vida, pelo tribunal do júri, esses fatores acabam por trazer a absolvição do

agente. Isso ocorre porque o Conselho de Sentença, composto geralmente por pessoas leigas,

geralmente aceita teses da defesa no sentido de que o agente não podia agir de outra forma, o

que o convence a absolver o réu.

 

 

 

5.1.3. Embriaguez

 

De acordo com o inciso II, do mesmo artigo 28, também não exclui a imputabilidade penal a

embriaguez, voluntária ou culposa, pelo alçou ou substância de efeitos análogos.

 

O Código admite que outras substâncias, que não o álcool, causem embriagues ou efeitos

análogos a ela.

 

Entretanto, se a embriaguez decorrer de CASO FORTUITO ou FORÇA MAIOR, e o agente era,

por esse motivo, INTEIRAMENTE INCAPAZ de compreender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento ao tempo da ação ou omissão, o artigo 28, inciso

II, §2o

, do CP, diz ser o agente ISENTO DE PENA.

 

A embriaguez pode ser:

– incompleta (ocorre quando há afrouxamento dos freios normais, em que o agente tem

ainda consciência, mas se torna excitado, loquaz, desinibido);

– completa (ocorre quando se desvanece qualquer censura ou freio moral, ocorrendo

confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e

vontade livres) ou

– comatosa (ocorre quando o sujeito cai em sono profundo).

 

Pode ser, ainda, voluntária ou involuntária:

 

VOLUNTÁRIA – é aquela presente no inciso II do artigo 28, do CP, e, mesmo quando for

completa, permite a punição do agente, em face da adoção da teoria da actio libera in causa.

– Voluntária em sentido estrito – ocorre quando o agente, por vontade própria, ingere

bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar.

– Culposa – ocorre quando o agente, embora não tenha a intenção de se embriagar, ingere

quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez.

Se ocorrer embriaguez preordenada, ou seja, o agente se embriaga para “tomar coragem” de

praticar o delito, a embriaguez terá o efeito de agravar a pena, conforme o artigo 61, II, “l”, do CP.

 

INVOLUNTÁRIA – é aquela proveniente de caso fortuito ou força maior.

Para afastar a culpabilidade do agente, a embriaguez involuntária deve ser COMPLETA. A

embriaguez involuntária incompleta veio prevista no artigo 28, inciso II, §2o

, do CP:

 

  • 2º. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,

proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão,

a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento.

 

CASO A EMBRIAGUEZ SEJA PATOLÓGICA, O SUJEITO É TIDO COMO UM DOENTE

MENTAL SENDO, POR ISSO, INIMPUTÁVEL.

 

 

 

5.2. Potencial consciência sobre a ilicitude do fato

 

5.2.1. Introdução

 

Antes da reforma da parte geral do CP, de 1984, existiam o erro de fato e o erro de direito. Após a

reforma esses termos deixaram de existir e surgiram o erro de tipo e o erro de proibição. Não

existe uma correspondência entre a terminologia antiga e a nova. Erro de fato não é erro de tipo e

erro de direito não é erro de proibição. O que ocorreu foi uma verdadeira mudança na concepção

do erro.

109

Conforme já estudado, com o finalismo de Welzel, dolo e culpa migraram da culpabilidade para o

fato típico, mais especificamente para a conduta do agente. O dolo, outrora normativo, passou a

ser natural permanecendo seu elemento normativo (potencial consciência da ilicitude do fato) na

culpabilidade.

 

O erro de tipo incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue

à figura típica. O erro de tipo é analisado no tipo.

O erro de proibição não é estudado no tipo, mas sim na culpabilidade. Com ele procura-se verificar

se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato

que praticava era ilícito.

 

O erro de proibição vem previsto no artigo 21, do CP:

 

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se

inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

 

Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a

consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir

essa consciência.

Por que podemos dizer que essa “potencial consciência sobre a ilicitude do fato” é de cunho

normativo, e não psicológico?

Não se trata do conhecimento da ilicitude (operação de natureza psicológica), mas da mera

possibilidade concreta desse conhecimento. Esse erro sobre a ilicitude do fato ocorre quando o

agente, por ignorância ou por uma representação falsa dou imperfeita da realidade supões ser

lícito o seu comportamento.

 

 

 

5.2.2. Diferença entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato

 

Pela mera redação do caput do artigo 21 percebe-se que o CP quis fazer distinção entre o

desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato, ao dizer que o primeiro é

inescusável e o segundo, se inevitável, isenta de pena.

 

Enquanto a lei é um diploma formal editado pelo poder competente, ilicitude é a relação de

contrariedade que se estabelece entre a conduta humana voluntária do agente e o ordenamento

jurídico.

 

 

 

5.2.3. Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do fato

 

Na consciência real o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita.

Na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar

esse conhecimento.

 

Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do

injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua

conduta, e esse conhecimento provém das normas de cultura, dos princípios morais, éticos, dos

conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.

 

 

 

5.2.4. Espécies de erro sobre a ilicitude do fato

 

Erro sobre a ilicitude do fato = erro de proibição, que pode ser

 

  1. a) erro de proibição direto;
  2. b) erro de proibição indireto;
  3. c) erro de proibição mandamental.

 

 

 

 

110

  1. A) ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO

É o erro que recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. O agente realiza uma conduta

proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender

o seu verdadeiro âmbito de incidência.

Ex.: turista holandês que, ao comprar um pacote turístico para o Brasil, após assistir a uma fita

promocional, na qual percebeu que um grupo de pessoas fumava um cigarro enrolado numa

palha, dando a entender que se tratava de maconha, quando na verdade não era, acredita que no

Brasil fosse permitido seu uso, tal como ocorre em algumas partes da Holanda. Ao descer do

avião, acende um cigarro e é preso em flagrante. O sujeito simplesmente não sabia que sua

conduta era ilícita.

 

  1. B) ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO

É a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os

limites da proposição permissiva (erro de permissão). Se o autor erra sobre uma situação fática

que, se existisse, tornaria a conduta legítima, o erro será de tipo, visto que o CP, no item 17 da

exposição de motivos da nova parte geral, deixa claro que adotou a teoria limitada da

culpabilidade.

TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE – se o erro do agente cair sobre uma situação de fato

que, se existisse, tornaria a ação legítima, será considerado erro de tipo. Se recair sobre a

existência ou os limites da causa de justificação, o erro será de proibição.

TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE – não faz essa distinção. Recaindo o erro sobre

situação fática ou sobre a existência ou limites da causa de justificação, será tudo erro de

proibição.

 

  1. C) ERRO MANDAMENTAL

É o erro que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou

impróprios. É o erro que recai sobre uma norma impositiva, que manda fazer, que está implícita,

evidentemente, nos tipos omissivos.

Deve-se distinguir o erro que recai sobre os elementos objetivos dos tipos omissivos (que afeta o

tipo penal) daquele erro que recai sobre o mandamento (que afeta a culpabilidade). Se o erro recai

sobre a situação objetiva de garantidor, o desconhecimento dará ensejo a erro de tipo. Se o erro

recai sobre o deve de cuidado derivado dessa posição, o erro será de proibição.

Ex. de erro de tipo – o banhista vê criança se afogar em uma lagoa e não presta socorro porque

não sabia nadar, mas na verdade, a profundidade da lagoa permitia o socorro se ele

permanecesse em pé.

Ex. de erro de proibição – o banhista que, podendo prestar socorro àquele que se afogava, não o

faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com ele, acreditava não estar

obrigado a isto.

 

 

 

5.2.5. Erro sobre elementos normativos do tipo

 

Elementos normativos são aqueles cujos conceitos são provenientes de uma norma, ou aqueles

sobre os quais o intérprete, obrigatoriamente, deverá realizar um juízo de valor, a exemplo do que

ocorre com as expressões indevidamente, sem justa causa etc..

 

A doutrina distingue elementos jurídico-normativos do tipo dos elementos jurídico-normativos da

ilicitude:

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DO TIPO – são conceitos que se constituem em

circunstâncias do fato criminoso, como “cheque”, “warrant”, “documento”, “moeda de curso legal”.

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA ILICITUDE – são conceitos que acentuam o desvalor

da conduta, como “indevidamente”, “sem justa causa”.

 

De uma forma ou de outra, tendo em vista que tanto os elementos jurídico-normativos do tipo

quanto da ilicitude integram o tipo penal, o erro incidente sobre eles será sempre de tipo.

 

 

 

5.2.6. Conseqüências do erro de proibição

 

Assim como no erro de tipo, o erro de proibição também poderá ser escusável ou inescusável,

mas suas conseqüências são completamente diferentes. O erro de tipo tem a finalidade de afastar

o dolo da conduta do agente, seja o erro escusável ou não.  111

 

ERRO DE TIPO

ESCUSÁVEL – afasta o dolo e a culpa;

INESCUSÁVEL – eliminará o dolo, mas permite a punição por crime culposo, havendo previsão

legal.

 

ERRO DE PROIBIÇÃO

ESCUSÁVEL – isenta de pena (afasta a culpabilidade);

INESCUSÁVEL – diminui a pena de 1/6 a 1/3.

 

 

 

5.2.7. Erro de proibição e delito putativo – diferença

 

No erro de proibição direto, conforme já dito, o agente supunha ser lícita uma conduta que, no

entanto era proibida pelo ordenamento jurídico.

No delito putativo, entretanto, podemos dizer que há uma relação de verso-reverso com o erro de

proibição direto, pois no delito putativo o sujeito acredita praticar uma infração que, na verdade,

não está prevista no nosso ordenamento jurídico-penal. O agente imagina proibida uma conduta

permitida. No delito putativo o crime só existe na imaginação do agente.

 

 

 

5.3. Exigibilidade de conduta diversa

 

5.3.1. Conceito

 

A rigor, todas as causas de exclusão da culpabilidade são hipóteses de inexigibilidade de conduta

diversa.

 

Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou

da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa

humana. É a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta

e melhor do que aquela a que o sujeito se decidiu.

 

A exigibilidade de conduta diversa deve ser analisada com base em características subjetivas do

agente, como sua instrução, inteligência, situação econômica etc.

 

 

5.3.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta

 

O CP enumera algumas causas de exclusão da culpabilidade, destacando-se três:

– coação irresistível;

– obediência hierárquica;

– aborto, quando a gravidez resulta de estupro.

 

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não

manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da

ordem.

 

As figuras da coação irresistível e obediência hierárquica são excludentes de culpabilidade.

 

Enfatize-se que o dispositivo legal fala em coação irresistível. Em assim procedendo, refere-se,

apenas, à coação moral (vis compulsiva) e não à coação física (vis absoluta). É evidente que

neste caso o agente não é sujeito ativo, mas passivo, isto é, ele é usado para prática da ação,

dela não participando sua vontade. A coação física afasta a própria conduta do agente, por

ausência de dolo ou culpa.

 

Na coação moral irresistível (vis compulsiva), o autor coagido atua, na verdade, como mero

instrumento nas mãos do coator, sendo este último considerado autor mediato.

 

Atente-se que o dispositivo ao referir à coação irresistível está, evidentemente, excluindo a

resistível. Naquele caso, o agente não é passível de punição; neste, a pena fica atenuada em face

do disposto no artigo 65, III, c, primeira parte, do Código Penal.  112

 

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III – ter o agente:

  1. c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de

autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da

vítima;

 

A segunda excludente, a obediência hierárquica, exige a presença de três elementos:

 

  1. que a ordem não seja manifestamente ilegal – se a ordem for manifestamente ilegal e o

agente ainda assim cumpri-la, responderá, juntamente com o superior hierárquico, em

concurso de agente em fato típico doloso.

  1. que a ordem seja oriunda de superior hierárquico – essa subordinação diz respeito,

apenas, à hierarquia vinculada à função pública. Não há relação hierárquica entre

particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados;

  1. que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da mesma – se houver excesso, o

executor da ordem responderá pelos danos causados.

 

 

Quanto ao aborto praticado quando a gravidez resulta de estupro, a maioria da doutrina entende

ser caso de exclusão da criminalidade, ilicitude, antijuridicidade, e não causa de exclusão da

punibilidade, ou culpabilidade.

 

Por quê o autor acredita ser causa de exclusão da culpabilidade?

 

Para ele, para haver excludente de ilicitude, o fato deve se amoldar a alguma das situações

elencadas no artigo 23: estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, legítima

defesa ou exercício regular do direito.

 

Não há legítima defesa porque o feto não agride a mãe;

Não há estrito cumprimento de dever legal porque a mãe não está obrigada a abortar;

Não há exercício regular do direito porque o direito visa a proteção da vida, e não sua extinção.

 

Quanto ao estado de necessidade, no qual alguns autores sustentam suas teses, presume-se que

estejam em conflito dois bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. No caso do inciso II,

denominado ABORTO SENTIMENTAL, estão em conflito a honra da vítima de estupro e, de outro

lado, a vida do feto em formação.

 

De acordo com a teoria unificadora ou unitária do estado de necessidade, todo estado de

necessidade é justificante, ou seja, não interessa o conflito entre o valor dos bens jurídicos em

confronto.

De acordo com a teoria diferenciadora, existe o estado de necessidade justificante e o estado de

necessidade exculpante. Se o bem defendido for mais valioso que o bem sacrificado, haverá

estado de necessidade justificante; se o bem defendido for menos valioso que o bem sacrificado,

haverá estado de necessidade exculpante. Se forem de igual valor, não há consenso na doutrina.

 

Se no aborto sentimental há conflito entre a honra da mãe e a vida da criança, não se poderia

falar, portanto, em estado de necessidade justificante.

 

CRÍTICA – o próprio autor salienta em capítulos anteriores que o Código Penal adotou a teoria

unitária, não sendo relevante a diferença entre os bens jurídicos tutelados.

 

 

 

5.3.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade

 

CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE – são aquelas que, embora não

estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios

informadores do ordenamento jurídico.

 

Embora alguns doutrinadores alemães, baseados na legislação alemã, que proíbe a sustentação

de causas supralegais de exclusão da culpabilidade, dissertem serem essas causas fatores

perigosos à segurança jurídica, não discordam que, nalgumas situações, sua utilização pode

prevenir a ocorrência de aberrações jurídicas, de injustiças gritantes.  113

 

Assim, não haveria qualquer impedimento em nosso ordenamento jurídico para a aplicação da

causa exculpante supralegal da inexigibilidade de conduta diversa.

 

 

 

5.3.4. Aplicação, no júri, das causas exculpantes supralegais

 

Alguns juízes e promotores têm sido contrários à aplicabilidade das causas exculpantes

supralegais nos julgamentos realizados pelo júri. Isso por conta de uma equivocada interpretação

do inciso III, do artigo 484, do CPP:

 

 

 

Art. 484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:

III – se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou

circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz

formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao fato

principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer

excludente de ilicitude;

 

De acordo com a doutrina mais moderna, se levarmos em conta o princípio da ampla defesa

insculpido no inciso LV, do art. 5o

, da CF, a defesa deveria ser AMPLA, ou seja, não poderá haver

limitações a hipóteses contidas na lei. Houve uma revogação parcial (sic. – na verdade, a boa

técnica constitucional indicaria que o dispositivo estaria parcialmente não recepcionado) desse

inciso III pela Constituição Federal de 88.

 

 

 

  1. CO-CULPABILIDADE

 

A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a

parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de

determinadas infrações penais pelos seus “supostos cidadãos”.

 

Tal poderá ser a contribuição da sociedade que, em algumas situações, deverá afastar

completamente a reprovação sobre a conduta do agente, ou, em outras, poderá diminuí-la,

conforme o permite o artigo 66 do CP, que prevê a possibilidade de aplicação de uma

circunstância atenuante genérica:

 

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou

posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

CAPÍTULO 33 – CULPABILIDADE

 

 

  1. CONCEITO

 

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma

contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.

 

 

 

  1. LIVRE-ARBÍTRIO E DETERMINISMO

 

LIVRE-ARBÍTRIO – fruto da Escola Clássica, prega que o homem é moralmente livre para fazer

suas escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está na responsabilidade moral do

indivíduo.

 

DETERMINISMO – fruto da Escola Positivista, prega que o homem não possui essa liberdade de

escolha de forma soberana. Fatores internos e externos podem influenciá-lo na prática do delito.

 

 

 

  1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULPABILIDADE NA TEORIA DO DELITO

 

Na evolução da teoria do delito, três teorias se destacaram – a teoria causal, a final e a social.

Além destas, surgiu uma quarta teoria, proposta por Roxin, denominada funcional.

 

 

 

3.1. Sistema causal-naturalista de Liszt-Beling

 

Para os autores, o delito possuía dois aspectos bem definidos: um interno e outro externo. O

externo compreendia a ação típica e antijurídica. O interno dizia respeito à culpabilidade (vínculo

psicológico que unia o agente à conduta.

 

Ação – era entendida como um movimento humano voluntário que causava uma modificação no

mundo exterior. No conceito de ação estava embutido, também, o de resultado. Não há ação sem

vontade, e não há ação sem resultado. Portanto, dois elementos compunham a ação: ato de

vontade e resultado.

 

Tipo – tinha a função de descrever objetivamente as condutas, descrevendo, ainda, o resultado.

 

Antijuridicidade – somada á ação típica, compunha o injusto penal. A antijuridicidade limitava-se

à comprovação de que a conduta do agente contrariava a lei penal. Não se perquiria sobre o

elemento subjetivo do agente, pois a antijuridicidade possuía somente elementos objetivos. As

causas de exclusão da ilicitude também eram analisadas objetivamente

 

Culpabilidade – para a teoria causalista da ação, dolo e culpa residiam na culpabilidade.

A imputabilidade era pressuposto da culpabilidade. Antes de se analisar o dolo e a culpa, primeiro

deveria-se avaliar se o agente é ou não imputável.

Culpabilidade era o vínculo psicológico que ligava o agente ao fato ilícito por ele cometido, razão

pela qual essa teoria passou a ser conhecida como uma teoria psicológica da culpabilidade.

Posteriormente, recebeu a denominação de sistema clássico.

 

CRÍTICAS:

– o conceito de ação não explica a essência da omissão;

– a culpabilidade como vínculo psicológico não se cogitava em explicar a culpa

inconsciente.

 

 

 

 

104

3.2. Teoria normativa – sistema neoclássico – metodologia neokantista

 

Ação – deixa de ser essencialmente natural para estar inspirada em um certo sentido normativo

que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como da omissão.

 

Tipo – acrescentaram-se elementos normativos ao tipo, que deixou de ser um elemento

meramente descritivo, e de elementos subjetivos que deviam ser incluídos no tipo (ânimo de

injuriar etc.).

 

Antijuridicidade – deixou de ter somente caráter formal e passou a ter também conteúdo de

desvalor material, representado pela DANOSIDADE SOCIAL.

 

Culpabilidade – deixa de ser eminentemente psicológica e passa a ser também normativa. A

base do sistema passa a ser a reprovabilidade como juízo de desaprovação jurídica do ato que

recai sobre o autor (exigibilidade da conduta conforme o direito).

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade – capacidade de compreender a ilicitude da conduta e capacidade de

autodeterminação;

– dolo ou culpa;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

 

 

3.3. Teoria da ação final

 

Nasceu em 1931, com a publicação da obra “Causalidade e ação”, de Hans Welzel. Para essa

teoria, a ação humana é essencialmente final. O homem pode prever, dentro de certos limites, as

conseqüências possíveis de sua atividade, estabelecendo fins diversos e dirigir sua atividade,

conforme o seu plano, a consecução desses fins.

 

Ação – partindo do pressuposto de que toda conduta humana – lícita ou ilícita – pressupõe uma

finalidade, o dolo e a culpa não poderiam continuar a ser estudados em sede de culpabilidade,

 

Tipo – o dolo migra para o tipo penal, afastando do dolo sua carga de normatividade (consciência

sobre a ilicitude do fato). Por isso, diz-se que o dolo finalista é um dolo natural. O tipo penal,

portanto, passa a ser um TIPO COMPLEXO, composto por elementos de ordem objetiva e

subjetiva (dolo e culpa).

 

Antijuridicidade – por ser um predicado da ação típica, passou a vir impregnada de elementos

subjetivos. O injusto típico ou injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) passou a ser composto

por elementos de ordem objetiva e subjetiva.

 

Culpabilidade – dela foram extraídos o dolo e a culpa. O dolo deixa de ser normativo e passa a

ser natural. Permaneceu na culpabilidade o potencial conhecimento sobre a ilicitude do fato

(extraído do dolo), juntamente com a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa.

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade;

– potencial consciência da ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

Assim, a culpabilidade era composta somente por elementos de ordem NORMATIVA, por isso, a

teoria final é reconhecida como uma teoria normativa pura.

 

CRÍTICAS:

– o próprio Welzel confessa que essa teoria final da ação não conseguiu apreender

corretamente o delito culposo, mas isso se deu pelo fato de que, ao contrário do que

ocorre com o dolo, a análise final da culpa não se dirige ao resultado pretendido pelo

agente, mas sim à finalidade de agir culposamente.

 

 

 

3.4. Teoria social da ação

 

A teoria social da ação procura englobar aspectos do finalismo e do causalismo. Ação, para essa

teoria, é um fenômeno social. A teoria social pretende fazer com que a ação seja entendida como

conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. A relevância social  105

da ação é verificada à medida que a conduta produza efeitos danosos na relação do indivíduo com

o seu ambiente social.

 

A crítica maior experimentada por essa teoria consiste no fato de que o conceito social de

conduta, que de modo algum serve de ponte entre causalismo e finalismo, padece dos mesmos

defeitos de qualquer conceito teórico nebuloso: na melhor das hipóteses resulta estéril, porque

não se pode extrair dele nenhuma conseqüência prática.

 

 

 

3.5. Funcionalismo

 

O funcionalismo parte dos pressupostos político-criminais ligados diretamente às funções do

Direito Penal, principalmente no que diz respeito à chamada teoria dos fins da pena.

 

Duas são as vigas mestras do funcionalismo:

– a teoria da imputação objetiva;

– a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade – exige a aferição da

necessidade preventiva da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta;

 

 

  1. CULPABILIDADE DE ATO E CULPABILIDADE DE AUTOR

 

Direito penal do fato – analisa-se o fato praticado pelo agente, e não o agente do fato;

Direito penal do autor – não se analisa o fato praticado pelo agente, mas sim o agente que

cometeu o fato.

 

Um direito penal exclusivamente do autor se mostra um direito penal intolerável, pois não se julga,

não se avalia o que o homem fez, mas sim o que ele é.

 

A culpabilidade de ato seria a reprovação do homem por aquilo que ele fez, considerando-se a sua

capacidade de autodeterminação;

Na culpabilidade de autor, o que se reprova é o homem como ele é, e não aquilo que fez.

Jescheck diz que o correto parece ser a união de ambas as concepções. “O núcleo do conceito de

culpabilidade somente pode ser a culpabilidade pelo fato individual, mas o Direito Penal deve ter

em conta também muitas vezes a culpabilidade do autor”.

 

 

 

  1. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE NA CONCEPÇÃO FINALISTA

 

Para o finalismo de Welzel, a culpabilidade possui os seguintes elementos normativos:

 

  1. a) imputabilidade
  2. b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
  3. c) exigibilidade da conduta diversa.

 

 

 

5.1. Imputabilidade

 

Imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.

 

A imputabilidade possui dois elementos:

 

– INTELECTUAL – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, de prever as

repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social.

– VOLITIVO – é a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

O Código Penal escolheu duas situações em que a imputabilidade penal é afastada:

 

 

I – Inimputabilidade por doença mental

106

Também chamada de inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, está

prevista no artigo 26, do CP:

 

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental

incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

Pela redação do artigo 26, podemos concluir que o Código adotou dois critérios de constatação da

inimputabilidade:

 

  1. a) existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado

(CRITÉRIO BIOLÓGICO);

  1. b) absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CRITÉRIO PSICOLÓGICO).

 

Pela união de ambos os critérios, podemos dizer que o Código Penal adotou o CRITÉRIO

BIOPSICOLÓGICO para aferição da inimputabilidade do agente.

 

O critério biológico reside na aferição da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto

ou retardado. Entretanto, ainda que comprovado, não será suficiente a fim de fazer surgir a

inimputabilidade, devendo-se averiguar a presença TAMBÉM do critério psicológico.

Se o resultado da análise trouxer à tona uma total inimputabilidade, o agente será absolvido e lhe

será imposta medida de segurança (ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA);

 

Diferente situação é trazida pelo parágrafo único do artigo 26:

 

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de

perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não

era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento.

 

Como se pode ver, a diferença entre a incapacidade do caput e do parágrafo único reside no fato

de que, neste, o agente não era INCAPAZ de entender o caráter ilícito do fato ou de

autodeterminar-se de acordo com o entendimento, mas sim PARCIALMENTE INCAPAZ.

 

O juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente deverá ser menor em virtude de sua

perturbação da saúde mental ou de seu desenvolvimento incompleto ou retardado, razão pela qual

a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços.

 

Neste caso, o sujeito pode ser condenado, mas o juiz poderá, com base no artigo 98, do CP,

substituir a pena privativa de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, por no mínimo 1

a 3 anos, nos termos do artigo 97 e seus parágrafos, do CP:

 

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o

condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser

substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3

(três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

 

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se,

todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a

tratamento ambulatorial.

  • 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando

enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O

prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

  • 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida

de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

  • 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a

situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de

persistência de sua periculosidade.

  • 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação

do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

 

 

 

 

 

107

II – Inimputabilidade por imaturidade natural

 

Aqui, adotou-se o critério exclusivamente biológico, pois, por motivos de política criminal, entendeu

o legislador que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que

lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito.

 

A questão da maioridade penal é de tamanha importância que foi inserida no artigo 228, da CF/88:

 

Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da

legislação especial.

 

Para alguns doutrinadores, a inimputabilidade penal pode ser reduzida aos 16 anos, mediante

Emenda constitucional, visto não constituir cláusula pétrea, imutável sequer pelo poder constituinte

derivado.

 

A súmula 74, do STJ, diz que

 

Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento

hábil.

 

O réu adquire maioridade penal no primeiro minuto do dia de seu aniversário, independentemente

da hora em que ocorreu o nascimento.

 

5.1.1. Denúncia oferecida em face de um inimputável e de um semi-imputável

 

É possível o oferecimento de denúncia em face do agente comprovadamente inimputável, quando

a lei processual penal determina em seu artigo 386, inciso V, que “o juiz absolverá o réu,

mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça existir circunstância que isente o

réu de pena”?

A única forma de se aplicar uma medida de segurança a um inimputável é por meio de uma ação

penal. Tomando conhecimento de que um agente comprovadamente inimputável praticou um fato

típico e antijurídico, deve o Promotor de Justiça denunciá-lo, narrando com exatidão os fatos por

ele cometidos, para que durante a instrução do processo possa ser assegurada sua ampla defesa,

e, ao final da peça acusatória, deverá o membro do Parquet, mencionando a causa dirimente da

culpabilidade, pugnar na própria denúncia pela absolvição do réu, com a conseqüente aplicação

de medida de segurança.

 

De forma diferente ocorre com o semi-imputável. Este pratica fato típico, ilícito e culpável, mas sua

pena será reduzida. O semi-imputável é condenado, mas sobre a condenação incide o parágrafo

único do artigo 26, fazendo reduzir o quantum da pena imposta. O membro do MP não pede a

absolvição na denúncia, mas sim a condenação com redução de pena.

 

 

 

5.1.2. Emoção e paixão

 

Nos termos do artigo 28, do CP:

 

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:

I – a emoção ou a paixão;

 

Como estabelece o preceito, a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal.

Todavia, são circunstâncias atenuantes, nos moldes do artigo 65, III, c. Também são causa de

diminuição de pena, como prescreve os artigos 121, § 1º (homicídio privilegiado), e 129, § 4º

(lesão corporal com diminuição de pena).

 

EMOÇÃO – intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento

imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por

predominar sobre outras atividades psíquicas.

 

PAIXÃO – estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a

atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes

alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle.

108

Embora possamos afirmar que elas não excluem a culpabilidade, quando do julgamento dos

crimes dolosos contra a vida, pelo tribunal do júri, esses fatores acabam por trazer a absolvição do

agente. Isso ocorre porque o Conselho de Sentença, composto geralmente por pessoas leigas,

geralmente aceita teses da defesa no sentido de que o agente não podia agir de outra forma, o

que o convence a absolver o réu.

 

 

 

5.1.3. Embriaguez

 

De acordo com o inciso II, do mesmo artigo 28, também não exclui a imputabilidade penal a

embriaguez, voluntária ou culposa, pelo alçou ou substância de efeitos análogos.

 

O Código admite que outras substâncias, que não o álcool, causem embriagues ou efeitos

análogos a ela.

 

Entretanto, se a embriaguez decorrer de CASO FORTUITO ou FORÇA MAIOR, e o agente era,

por esse motivo, INTEIRAMENTE INCAPAZ de compreender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento ao tempo da ação ou omissão, o artigo 28, inciso

II, §2o

, do CP, diz ser o agente ISENTO DE PENA.

 

A embriaguez pode ser:

– incompleta (ocorre quando há afrouxamento dos freios normais, em que o agente tem

ainda consciência, mas se torna excitado, loquaz, desinibido);

– completa (ocorre quando se desvanece qualquer censura ou freio moral, ocorrendo

confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e

vontade livres) ou

– comatosa (ocorre quando o sujeito cai em sono profundo).

 

Pode ser, ainda, voluntária ou involuntária:

 

VOLUNTÁRIA – é aquela presente no inciso II do artigo 28, do CP, e, mesmo quando for

completa, permite a punição do agente, em face da adoção da teoria da actio libera in causa.

– Voluntária em sentido estrito – ocorre quando o agente, por vontade própria, ingere

bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar.

– Culposa – ocorre quando o agente, embora não tenha a intenção de se embriagar, ingere

quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez.

Se ocorrer embriaguez preordenada, ou seja, o agente se embriaga para “tomar coragem” de

praticar o delito, a embriaguez terá o efeito de agravar a pena, conforme o artigo 61, II, “l”, do CP.

 

INVOLUNTÁRIA – é aquela proveniente de caso fortuito ou força maior.

Para afastar a culpabilidade do agente, a embriaguez involuntária deve ser COMPLETA. A

embriaguez involuntária incompleta veio prevista no artigo 28, inciso II, §2o

, do CP:

 

  • 2º. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,

proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão,

a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento.

 

CASO A EMBRIAGUEZ SEJA PATOLÓGICA, O SUJEITO É TIDO COMO UM DOENTE

MENTAL SENDO, POR ISSO, INIMPUTÁVEL.

 

 

 

5.2. Potencial consciência sobre a ilicitude do fato

 

5.2.1. Introdução

 

Antes da reforma da parte geral do CP, de 1984, existiam o erro de fato e o erro de direito. Após a

reforma esses termos deixaram de existir e surgiram o erro de tipo e o erro de proibição. Não

existe uma correspondência entre a terminologia antiga e a nova. Erro de fato não é erro de tipo e

erro de direito não é erro de proibição. O que ocorreu foi uma verdadeira mudança na concepção

do erro.

109

Conforme já estudado, com o finalismo de Welzel, dolo e culpa migraram da culpabilidade para o

fato típico, mais especificamente para a conduta do agente. O dolo, outrora normativo, passou a

ser natural permanecendo seu elemento normativo (potencial consciência da ilicitude do fato) na

culpabilidade.

 

O erro de tipo incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue

à figura típica. O erro de tipo é analisado no tipo.

O erro de proibição não é estudado no tipo, mas sim na culpabilidade. Com ele procura-se verificar

se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato

que praticava era ilícito.

 

O erro de proibição vem previsto no artigo 21, do CP:

 

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se

inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

 

Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a

consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir

essa consciência.

Por que podemos dizer que essa “potencial consciência sobre a ilicitude do fato” é de cunho

normativo, e não psicológico?

Não se trata do conhecimento da ilicitude (operação de natureza psicológica), mas da mera

possibilidade concreta desse conhecimento. Esse erro sobre a ilicitude do fato ocorre quando o

agente, por ignorância ou por uma representação falsa dou imperfeita da realidade supões ser

lícito o seu comportamento.

 

 

 

5.2.2. Diferença entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato

 

Pela mera redação do caput do artigo 21 percebe-se que o CP quis fazer distinção entre o

desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato, ao dizer que o primeiro é

inescusável e o segundo, se inevitável, isenta de pena.

 

Enquanto a lei é um diploma formal editado pelo poder competente, ilicitude é a relação de

contrariedade que se estabelece entre a conduta humana voluntária do agente e o ordenamento

jurídico.

 

 

 

5.2.3. Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do fato

 

Na consciência real o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita.

Na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar

esse conhecimento.

 

Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do

injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua

conduta, e esse conhecimento provém das normas de cultura, dos princípios morais, éticos, dos

conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.

 

 

 

5.2.4. Espécies de erro sobre a ilicitude do fato

 

Erro sobre a ilicitude do fato = erro de proibição, que pode ser

 

  1. a) erro de proibição direto;
  2. b) erro de proibição indireto;
  3. c) erro de proibição mandamental.

 

 

 

 

110

  1. A) ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO

É o erro que recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. O agente realiza uma conduta

proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender

o seu verdadeiro âmbito de incidência.

Ex.: turista holandês que, ao comprar um pacote turístico para o Brasil, após assistir a uma fita

promocional, na qual percebeu que um grupo de pessoas fumava um cigarro enrolado numa

palha, dando a entender que se tratava de maconha, quando na verdade não era, acredita que no

Brasil fosse permitido seu uso, tal como ocorre em algumas partes da Holanda. Ao descer do

avião, acende um cigarro e é preso em flagrante. O sujeito simplesmente não sabia que sua

conduta era ilícita.

 

  1. B) ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO

É a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os

limites da proposição permissiva (erro de permissão). Se o autor erra sobre uma situação fática

que, se existisse, tornaria a conduta legítima, o erro será de tipo, visto que o CP, no item 17 da

exposição de motivos da nova parte geral, deixa claro que adotou a teoria limitada da

culpabilidade.

TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE – se o erro do agente cair sobre uma situação de fato

que, se existisse, tornaria a ação legítima, será considerado erro de tipo. Se recair sobre a

existência ou os limites da causa de justificação, o erro será de proibição.

TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE – não faz essa distinção. Recaindo o erro sobre

situação fática ou sobre a existência ou limites da causa de justificação, será tudo erro de

proibição.

 

  1. C) ERRO MANDAMENTAL

É o erro que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou

impróprios. É o erro que recai sobre uma norma impositiva, que manda fazer, que está implícita,

evidentemente, nos tipos omissivos.

Deve-se distinguir o erro que recai sobre os elementos objetivos dos tipos omissivos (que afeta o

tipo penal) daquele erro que recai sobre o mandamento (que afeta a culpabilidade). Se o erro recai

sobre a situação objetiva de garantidor, o desconhecimento dará ensejo a erro de tipo. Se o erro

recai sobre o deve de cuidado derivado dessa posição, o erro será de proibição.

Ex. de erro de tipo – o banhista vê criança se afogar em uma lagoa e não presta socorro porque

não sabia nadar, mas na verdade, a profundidade da lagoa permitia o socorro se ele

permanecesse em pé.

Ex. de erro de proibição – o banhista que, podendo prestar socorro àquele que se afogava, não o

faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com ele, acreditava não estar

obrigado a isto.

 

 

 

5.2.5. Erro sobre elementos normativos do tipo

 

Elementos normativos são aqueles cujos conceitos são provenientes de uma norma, ou aqueles

sobre os quais o intérprete, obrigatoriamente, deverá realizar um juízo de valor, a exemplo do que

ocorre com as expressões indevidamente, sem justa causa etc..

 

A doutrina distingue elementos jurídico-normativos do tipo dos elementos jurídico-normativos da

ilicitude:

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DO TIPO – são conceitos que se constituem em

circunstâncias do fato criminoso, como “cheque”, “warrant”, “documento”, “moeda de curso legal”.

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA ILICITUDE – são conceitos que acentuam o desvalor

da conduta, como “indevidamente”, “sem justa causa”.

 

De uma forma ou de outra, tendo em vista que tanto os elementos jurídico-normativos do tipo

quanto da ilicitude integram o tipo penal, o erro incidente sobre eles será sempre de tipo.

 

 

 

5.2.6. Conseqüências do erro de proibição

 

Assim como no erro de tipo, o erro de proibição também poderá ser escusável ou inescusável,

mas suas conseqüências são completamente diferentes. O erro de tipo tem a finalidade de afastar

o dolo da conduta do agente, seja o erro escusável ou não.  111

 

ERRO DE TIPO

ESCUSÁVEL – afasta o dolo e a culpa;

INESCUSÁVEL – eliminará o dolo, mas permite a punição por crime culposo, havendo previsão

legal.

 

ERRO DE PROIBIÇÃO

ESCUSÁVEL – isenta de pena (afasta a culpabilidade);

INESCUSÁVEL – diminui a pena de 1/6 a 1/3.

 

 

 

5.2.7. Erro de proibição e delito putativo – diferença

 

No erro de proibição direto, conforme já dito, o agente supunha ser lícita uma conduta que, no

entanto era proibida pelo ordenamento jurídico.

No delito putativo, entretanto, podemos dizer que há uma relação de verso-reverso com o erro de

proibição direto, pois no delito putativo o sujeito acredita praticar uma infração que, na verdade,

não está prevista no nosso ordenamento jurídico-penal. O agente imagina proibida uma conduta

permitida. No delito putativo o crime só existe na imaginação do agente.

 

 

 

5.3. Exigibilidade de conduta diversa

 

5.3.1. Conceito

 

A rigor, todas as causas de exclusão da culpabilidade são hipóteses de inexigibilidade de conduta

diversa.

 

Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou

da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa

humana. É a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta

e melhor do que aquela a que o sujeito se decidiu.

 

A exigibilidade de conduta diversa deve ser analisada com base em características subjetivas do

agente, como sua instrução, inteligência, situação econômica etc.

 

 

5.3.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta

 

O CP enumera algumas causas de exclusão da culpabilidade, destacando-se três:

– coação irresistível;

– obediência hierárquica;

– aborto, quando a gravidez resulta de estupro.

 

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não

manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da

ordem.

 

As figuras da coação irresistível e obediência hierárquica são excludentes de culpabilidade.

 

Enfatize-se que o dispositivo legal fala em coação irresistível. Em assim procedendo, refere-se,

apenas, à coação moral (vis compulsiva) e não à coação física (vis absoluta). É evidente que

neste caso o agente não é sujeito ativo, mas passivo, isto é, ele é usado para prática da ação,

dela não participando sua vontade. A coação física afasta a própria conduta do agente, por

ausência de dolo ou culpa.

 

Na coação moral irresistível (vis compulsiva), o autor coagido atua, na verdade, como mero

instrumento nas mãos do coator, sendo este último considerado autor mediato.

 

Atente-se que o dispositivo ao referir à coação irresistível está, evidentemente, excluindo a

resistível. Naquele caso, o agente não é passível de punição; neste, a pena fica atenuada em face

do disposto no artigo 65, III, c, primeira parte, do Código Penal.  112

 

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III – ter o agente:

  1. c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de

autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da

vítima;

 

A segunda excludente, a obediência hierárquica, exige a presença de três elementos:

 

  1. que a ordem não seja manifestamente ilegal – se a ordem for manifestamente ilegal e o

agente ainda assim cumpri-la, responderá, juntamente com o superior hierárquico, em

concurso de agente em fato típico doloso.

  1. que a ordem seja oriunda de superior hierárquico – essa subordinação diz respeito,

apenas, à hierarquia vinculada à função pública. Não há relação hierárquica entre

particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados;

  1. que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da mesma – se houver excesso, o

executor da ordem responderá pelos danos causados.

 

 

Quanto ao aborto praticado quando a gravidez resulta de estupro, a maioria da doutrina entende

ser caso de exclusão da criminalidade, ilicitude, antijuridicidade, e não causa de exclusão da

punibilidade, ou culpabilidade.

 

Por quê o autor acredita ser causa de exclusão da culpabilidade?

 

Para ele, para haver excludente de ilicitude, o fato deve se amoldar a alguma das situações

elencadas no artigo 23: estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, legítima

defesa ou exercício regular do direito.

 

Não há legítima defesa porque o feto não agride a mãe;

Não há estrito cumprimento de dever legal porque a mãe não está obrigada a abortar;

Não há exercício regular do direito porque o direito visa a proteção da vida, e não sua extinção.

 

Quanto ao estado de necessidade, no qual alguns autores sustentam suas teses, presume-se que

estejam em conflito dois bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. No caso do inciso II,

denominado ABORTO SENTIMENTAL, estão em conflito a honra da vítima de estupro e, de outro

lado, a vida do feto em formação.

 

De acordo com a teoria unificadora ou unitária do estado de necessidade, todo estado de

necessidade é justificante, ou seja, não interessa o conflito entre o valor dos bens jurídicos em

confronto.

De acordo com a teoria diferenciadora, existe o estado de necessidade justificante e o estado de

necessidade exculpante. Se o bem defendido for mais valioso que o bem sacrificado, haverá

estado de necessidade justificante; se o bem defendido for menos valioso que o bem sacrificado,

haverá estado de necessidade exculpante. Se forem de igual valor, não há consenso na doutrina.

 

Se no aborto sentimental há conflito entre a honra da mãe e a vida da criança, não se poderia

falar, portanto, em estado de necessidade justificante.

 

CRÍTICA – o próprio autor salienta em capítulos anteriores que o Código Penal adotou a teoria

unitária, não sendo relevante a diferença entre os bens jurídicos tutelados.

 

 

 

5.3.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade

 

CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE – são aquelas que, embora não

estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios

informadores do ordenamento jurídico.

 

Embora alguns doutrinadores alemães, baseados na legislação alemã, que proíbe a sustentação

de causas supralegais de exclusão da culpabilidade, dissertem serem essas causas fatores

perigosos à segurança jurídica, não discordam que, nalgumas situações, sua utilização pode

prevenir a ocorrência de aberrações jurídicas, de injustiças gritantes.  113

 

Assim, não haveria qualquer impedimento em nosso ordenamento jurídico para a aplicação da

causa exculpante supralegal da inexigibilidade de conduta diversa.

 

 

 

5.3.4. Aplicação, no júri, das causas exculpantes supralegais

 

Alguns juízes e promotores têm sido contrários à aplicabilidade das causas exculpantes

supralegais nos julgamentos realizados pelo júri. Isso por conta de uma equivocada interpretação

do inciso III, do artigo 484, do CPP:

 

 

 

Art. 484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:

III – se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou

circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz

formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao fato

principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer

excludente de ilicitude;

 

De acordo com a doutrina mais moderna, se levarmos em conta o princípio da ampla defesa

insculpido no inciso LV, do art. 5o

, da CF, a defesa deveria ser AMPLA, ou seja, não poderá haver

limitações a hipóteses contidas na lei. Houve uma revogação parcial (sic. – na verdade, a boa

técnica constitucional indicaria que o dispositivo estaria parcialmente não recepcionado) desse

inciso III pela Constituição Federal de 88.

 

 

 

  1. CO-CULPABILIDADE

 

A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a

parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de

determinadas infrações penais pelos seus “supostos cidadãos”.

 

Tal poderá ser a contribuição da sociedade que, em algumas situações, deverá afastar

completamente a reprovação sobre a conduta do agente, ou, em outras, poderá diminuí-la,

conforme o permite o artigo 66 do CP, que prevê a possibilidade de aplicação de uma

circunstância atenuante genérica:

 

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou

posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

CAPÍTULO 33 – CULPABILIDADE

 

 

  1. CONCEITO

 

Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma

contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica.

 

 

 

  1. LIVRE-ARBÍTRIO E DETERMINISMO

 

LIVRE-ARBÍTRIO – fruto da Escola Clássica, prega que o homem é moralmente livre para fazer

suas escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está na responsabilidade moral do

indivíduo.

 

DETERMINISMO – fruto da Escola Positivista, prega que o homem não possui essa liberdade de

escolha de forma soberana. Fatores internos e externos podem influenciá-lo na prática do delito.

 

 

 

  1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULPABILIDADE NA TEORIA DO DELITO

 

Na evolução da teoria do delito, três teorias se destacaram – a teoria causal, a final e a social.

Além destas, surgiu uma quarta teoria, proposta por Roxin, denominada funcional.

 

 

 

3.1. Sistema causal-naturalista de Liszt-Beling

 

Para os autores, o delito possuía dois aspectos bem definidos: um interno e outro externo. O

externo compreendia a ação típica e antijurídica. O interno dizia respeito à culpabilidade (vínculo

psicológico que unia o agente à conduta.

 

Ação – era entendida como um movimento humano voluntário que causava uma modificação no

mundo exterior. No conceito de ação estava embutido, também, o de resultado. Não há ação sem

vontade, e não há ação sem resultado. Portanto, dois elementos compunham a ação: ato de

vontade e resultado.

 

Tipo – tinha a função de descrever objetivamente as condutas, descrevendo, ainda, o resultado.

 

Antijuridicidade – somada á ação típica, compunha o injusto penal. A antijuridicidade limitava-se

à comprovação de que a conduta do agente contrariava a lei penal. Não se perquiria sobre o

elemento subjetivo do agente, pois a antijuridicidade possuía somente elementos objetivos. As

causas de exclusão da ilicitude também eram analisadas objetivamente

 

Culpabilidade – para a teoria causalista da ação, dolo e culpa residiam na culpabilidade.

A imputabilidade era pressuposto da culpabilidade. Antes de se analisar o dolo e a culpa, primeiro

deveria-se avaliar se o agente é ou não imputável.

Culpabilidade era o vínculo psicológico que ligava o agente ao fato ilícito por ele cometido, razão

pela qual essa teoria passou a ser conhecida como uma teoria psicológica da culpabilidade.

Posteriormente, recebeu a denominação de sistema clássico.

 

CRÍTICAS:

– o conceito de ação não explica a essência da omissão;

– a culpabilidade como vínculo psicológico não se cogitava em explicar a culpa

inconsciente.

 

 

 

 

104

3.2. Teoria normativa – sistema neoclássico – metodologia neokantista

 

Ação – deixa de ser essencialmente natural para estar inspirada em um certo sentido normativo

que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como da omissão.

 

Tipo – acrescentaram-se elementos normativos ao tipo, que deixou de ser um elemento

meramente descritivo, e de elementos subjetivos que deviam ser incluídos no tipo (ânimo de

injuriar etc.).

 

Antijuridicidade – deixou de ter somente caráter formal e passou a ter também conteúdo de

desvalor material, representado pela DANOSIDADE SOCIAL.

 

Culpabilidade – deixa de ser eminentemente psicológica e passa a ser também normativa. A

base do sistema passa a ser a reprovabilidade como juízo de desaprovação jurídica do ato que

recai sobre o autor (exigibilidade da conduta conforme o direito).

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade – capacidade de compreender a ilicitude da conduta e capacidade de

autodeterminação;

– dolo ou culpa;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

 

 

3.3. Teoria da ação final

 

Nasceu em 1931, com a publicação da obra “Causalidade e ação”, de Hans Welzel. Para essa

teoria, a ação humana é essencialmente final. O homem pode prever, dentro de certos limites, as

conseqüências possíveis de sua atividade, estabelecendo fins diversos e dirigir sua atividade,

conforme o seu plano, a consecução desses fins.

 

Ação – partindo do pressuposto de que toda conduta humana – lícita ou ilícita – pressupõe uma

finalidade, o dolo e a culpa não poderiam continuar a ser estudados em sede de culpabilidade,

 

Tipo – o dolo migra para o tipo penal, afastando do dolo sua carga de normatividade (consciência

sobre a ilicitude do fato). Por isso, diz-se que o dolo finalista é um dolo natural. O tipo penal,

portanto, passa a ser um TIPO COMPLEXO, composto por elementos de ordem objetiva e

subjetiva (dolo e culpa).

 

Antijuridicidade – por ser um predicado da ação típica, passou a vir impregnada de elementos

subjetivos. O injusto típico ou injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) passou a ser composto

por elementos de ordem objetiva e subjetiva.

 

Culpabilidade – dela foram extraídos o dolo e a culpa. O dolo deixa de ser normativo e passa a

ser natural. Permaneceu na culpabilidade o potencial conhecimento sobre a ilicitude do fato

(extraído do dolo), juntamente com a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa.

Culpabilidade era composta por:

– imputabilidade;

– potencial consciência da ilicitude do fato;

– exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

Assim, a culpabilidade era composta somente por elementos de ordem NORMATIVA, por isso, a

teoria final é reconhecida como uma teoria normativa pura.

 

CRÍTICAS:

– o próprio Welzel confessa que essa teoria final da ação não conseguiu apreender

corretamente o delito culposo, mas isso se deu pelo fato de que, ao contrário do que

ocorre com o dolo, a análise final da culpa não se dirige ao resultado pretendido pelo

agente, mas sim à finalidade de agir culposamente.

 

 

 

3.4. Teoria social da ação

 

A teoria social da ação procura englobar aspectos do finalismo e do causalismo. Ação, para essa

teoria, é um fenômeno social. A teoria social pretende fazer com que a ação seja entendida como

conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. A relevância social  105

da ação é verificada à medida que a conduta produza efeitos danosos na relação do indivíduo com

o seu ambiente social.

 

A crítica maior experimentada por essa teoria consiste no fato de que o conceito social de

conduta, que de modo algum serve de ponte entre causalismo e finalismo, padece dos mesmos

defeitos de qualquer conceito teórico nebuloso: na melhor das hipóteses resulta estéril, porque

não se pode extrair dele nenhuma conseqüência prática.

 

 

 

3.5. Funcionalismo

 

O funcionalismo parte dos pressupostos político-criminais ligados diretamente às funções do

Direito Penal, principalmente no que diz respeito à chamada teoria dos fins da pena.

 

Duas são as vigas mestras do funcionalismo:

– a teoria da imputação objetiva;

– a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade – exige a aferição da

necessidade preventiva da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta;

 

 

  1. CULPABILIDADE DE ATO E CULPABILIDADE DE AUTOR

 

Direito penal do fato – analisa-se o fato praticado pelo agente, e não o agente do fato;

Direito penal do autor – não se analisa o fato praticado pelo agente, mas sim o agente que

cometeu o fato.

 

Um direito penal exclusivamente do autor se mostra um direito penal intolerável, pois não se julga,

não se avalia o que o homem fez, mas sim o que ele é.

 

A culpabilidade de ato seria a reprovação do homem por aquilo que ele fez, considerando-se a sua

capacidade de autodeterminação;

Na culpabilidade de autor, o que se reprova é o homem como ele é, e não aquilo que fez.

Jescheck diz que o correto parece ser a união de ambas as concepções. “O núcleo do conceito de

culpabilidade somente pode ser a culpabilidade pelo fato individual, mas o Direito Penal deve ter

em conta também muitas vezes a culpabilidade do autor”.

 

 

 

  1. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE NA CONCEPÇÃO FINALISTA

 

Para o finalismo de Welzel, a culpabilidade possui os seguintes elementos normativos:

 

  1. a) imputabilidade
  2. b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato;
  3. c) exigibilidade da conduta diversa.

 

 

 

5.1. Imputabilidade

 

Imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.

 

A imputabilidade possui dois elementos:

 

– INTELECTUAL – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, de prever as

repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social.

– VOLITIVO – é a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

O Código Penal escolheu duas situações em que a imputabilidade penal é afastada:

 

 

I – Inimputabilidade por doença mental

106

Também chamada de inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, está

prevista no artigo 26, do CP:

 

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental

incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de

entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

 

Pela redação do artigo 26, podemos concluir que o Código adotou dois critérios de constatação da

inimputabilidade:

 

  1. a) existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado

(CRITÉRIO BIOLÓGICO);

  1. b) absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do

fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CRITÉRIO PSICOLÓGICO).

 

Pela união de ambos os critérios, podemos dizer que o Código Penal adotou o CRITÉRIO

BIOPSICOLÓGICO para aferição da inimputabilidade do agente.

 

O critério biológico reside na aferição da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto

ou retardado. Entretanto, ainda que comprovado, não será suficiente a fim de fazer surgir a

inimputabilidade, devendo-se averiguar a presença TAMBÉM do critério psicológico.

Se o resultado da análise trouxer à tona uma total inimputabilidade, o agente será absolvido e lhe

será imposta medida de segurança (ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA);

 

Diferente situação é trazida pelo parágrafo único do artigo 26:

 

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de

perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não

era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo

com esse entendimento.

 

Como se pode ver, a diferença entre a incapacidade do caput e do parágrafo único reside no fato

de que, neste, o agente não era INCAPAZ de entender o caráter ilícito do fato ou de

autodeterminar-se de acordo com o entendimento, mas sim PARCIALMENTE INCAPAZ.

 

O juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente deverá ser menor em virtude de sua

perturbação da saúde mental ou de seu desenvolvimento incompleto ou retardado, razão pela qual

a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços.

 

Neste caso, o sujeito pode ser condenado, mas o juiz poderá, com base no artigo 98, do CP,

substituir a pena privativa de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, por no mínimo 1

a 3 anos, nos termos do artigo 97 e seus parágrafos, do CP:

 

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o

condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser

substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3

(três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

 

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se,

todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a

tratamento ambulatorial.

  • 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando

enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O

prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

  • 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida

de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

  • 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a

situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de

persistência de sua periculosidade.

  • 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação

do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

 

 

 

 

 

107

II – Inimputabilidade por imaturidade natural

 

Aqui, adotou-se o critério exclusivamente biológico, pois, por motivos de política criminal, entendeu

o legislador que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que

lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito.

 

A questão da maioridade penal é de tamanha importância que foi inserida no artigo 228, da CF/88:

 

Art. 228 – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da

legislação especial.

 

Para alguns doutrinadores, a inimputabilidade penal pode ser reduzida aos 16 anos, mediante

Emenda constitucional, visto não constituir cláusula pétrea, imutável sequer pelo poder constituinte

derivado.

 

A súmula 74, do STJ, diz que

 

Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento

hábil.

 

O réu adquire maioridade penal no primeiro minuto do dia de seu aniversário, independentemente

da hora em que ocorreu o nascimento.

 

5.1.1. Denúncia oferecida em face de um inimputável e de um semi-imputável

 

É possível o oferecimento de denúncia em face do agente comprovadamente inimputável, quando

a lei processual penal determina em seu artigo 386, inciso V, que “o juiz absolverá o réu,

mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça existir circunstância que isente o

réu de pena”?

A única forma de se aplicar uma medida de segurança a um inimputável é por meio de uma ação

penal. Tomando conhecimento de que um agente comprovadamente inimputável praticou um fato

típico e antijurídico, deve o Promotor de Justiça denunciá-lo, narrando com exatidão os fatos por

ele cometidos, para que durante a instrução do processo possa ser assegurada sua ampla defesa,

e, ao final da peça acusatória, deverá o membro do Parquet, mencionando a causa dirimente da

culpabilidade, pugnar na própria denúncia pela absolvição do réu, com a conseqüente aplicação

de medida de segurança.

 

De forma diferente ocorre com o semi-imputável. Este pratica fato típico, ilícito e culpável, mas sua

pena será reduzida. O semi-imputável é condenado, mas sobre a condenação incide o parágrafo

único do artigo 26, fazendo reduzir o quantum da pena imposta. O membro do MP não pede a

absolvição na denúncia, mas sim a condenação com redução de pena.

 

 

 

5.1.2. Emoção e paixão

 

Nos termos do artigo 28, do CP:

 

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal:

I – a emoção ou a paixão;

 

Como estabelece o preceito, a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal.

Todavia, são circunstâncias atenuantes, nos moldes do artigo 65, III, c. Também são causa de

diminuição de pena, como prescreve os artigos 121, § 1º (homicídio privilegiado), e 129, § 4º

(lesão corporal com diminuição de pena).

 

EMOÇÃO – intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento

imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por

predominar sobre outras atividades psíquicas.

 

PAIXÃO – estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a

atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes

alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle.

108

Embora possamos afirmar que elas não excluem a culpabilidade, quando do julgamento dos

crimes dolosos contra a vida, pelo tribunal do júri, esses fatores acabam por trazer a absolvição do

agente. Isso ocorre porque o Conselho de Sentença, composto geralmente por pessoas leigas,

geralmente aceita teses da defesa no sentido de que o agente não podia agir de outra forma, o

que o convence a absolver o réu.

 

 

 

5.1.3. Embriaguez

 

De acordo com o inciso II, do mesmo artigo 28, também não exclui a imputabilidade penal a

embriaguez, voluntária ou culposa, pelo alçou ou substância de efeitos análogos.

 

O Código admite que outras substâncias, que não o álcool, causem embriagues ou efeitos

análogos a ela.

 

Entretanto, se a embriaguez decorrer de CASO FORTUITO ou FORÇA MAIOR, e o agente era,

por esse motivo, INTEIRAMENTE INCAPAZ de compreender o caráter ilícito do fato ou de

determinar-se de acordo com esse entendimento ao tempo da ação ou omissão, o artigo 28, inciso

II, §2o

, do CP, diz ser o agente ISENTO DE PENA.

 

A embriaguez pode ser:

– incompleta (ocorre quando há afrouxamento dos freios normais, em que o agente tem

ainda consciência, mas se torna excitado, loquaz, desinibido);

– completa (ocorre quando se desvanece qualquer censura ou freio moral, ocorrendo

confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e

vontade livres) ou

– comatosa (ocorre quando o sujeito cai em sono profundo).

 

Pode ser, ainda, voluntária ou involuntária:

 

VOLUNTÁRIA – é aquela presente no inciso II do artigo 28, do CP, e, mesmo quando for

completa, permite a punição do agente, em face da adoção da teoria da actio libera in causa.

– Voluntária em sentido estrito – ocorre quando o agente, por vontade própria, ingere

bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar.

– Culposa – ocorre quando o agente, embora não tenha a intenção de se embriagar, ingere

quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez.

Se ocorrer embriaguez preordenada, ou seja, o agente se embriaga para “tomar coragem” de

praticar o delito, a embriaguez terá o efeito de agravar a pena, conforme o artigo 61, II, “l”, do CP.

 

INVOLUNTÁRIA – é aquela proveniente de caso fortuito ou força maior.

Para afastar a culpabilidade do agente, a embriaguez involuntária deve ser COMPLETA. A

embriaguez involuntária incompleta veio prevista no artigo 28, inciso II, §2o

, do CP:

 

  • 2º. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,

proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão,

a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento.

 

CASO A EMBRIAGUEZ SEJA PATOLÓGICA, O SUJEITO É TIDO COMO UM DOENTE

MENTAL SENDO, POR ISSO, INIMPUTÁVEL.

 

 

 

5.2. Potencial consciência sobre a ilicitude do fato

 

5.2.1. Introdução

 

Antes da reforma da parte geral do CP, de 1984, existiam o erro de fato e o erro de direito. Após a

reforma esses termos deixaram de existir e surgiram o erro de tipo e o erro de proibição. Não

existe uma correspondência entre a terminologia antiga e a nova. Erro de fato não é erro de tipo e

erro de direito não é erro de proibição. O que ocorreu foi uma verdadeira mudança na concepção

do erro.

109

Conforme já estudado, com o finalismo de Welzel, dolo e culpa migraram da culpabilidade para o

fato típico, mais especificamente para a conduta do agente. O dolo, outrora normativo, passou a

ser natural permanecendo seu elemento normativo (potencial consciência da ilicitude do fato) na

culpabilidade.

 

O erro de tipo incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue

à figura típica. O erro de tipo é analisado no tipo.

O erro de proibição não é estudado no tipo, mas sim na culpabilidade. Com ele procura-se verificar

se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato

que praticava era ilícito.

 

O erro de proibição vem previsto no artigo 21, do CP:

 

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se

inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

 

Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a

consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir

essa consciência.

Por que podemos dizer que essa “potencial consciência sobre a ilicitude do fato” é de cunho

normativo, e não psicológico?

Não se trata do conhecimento da ilicitude (operação de natureza psicológica), mas da mera

possibilidade concreta desse conhecimento. Esse erro sobre a ilicitude do fato ocorre quando o

agente, por ignorância ou por uma representação falsa dou imperfeita da realidade supões ser

lícito o seu comportamento.

 

 

 

5.2.2. Diferença entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato

 

Pela mera redação do caput do artigo 21 percebe-se que o CP quis fazer distinção entre o

desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato, ao dizer que o primeiro é

inescusável e o segundo, se inevitável, isenta de pena.

 

Enquanto a lei é um diploma formal editado pelo poder competente, ilicitude é a relação de

contrariedade que se estabelece entre a conduta humana voluntária do agente e o ordenamento

jurídico.

 

 

 

5.2.3. Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do fato

 

Na consciência real o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita.

Na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar

esse conhecimento.

 

Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do

injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua

conduta, e esse conhecimento provém das normas de cultura, dos princípios morais, éticos, dos

conhecimentos adquiridos na vida em sociedade.

 

 

 

5.2.4. Espécies de erro sobre a ilicitude do fato

 

Erro sobre a ilicitude do fato = erro de proibição, que pode ser

 

  1. a) erro de proibição direto;
  2. b) erro de proibição indireto;
  3. c) erro de proibição mandamental.

 

 

 

 

110

  1. A) ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO

É o erro que recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. O agente realiza uma conduta

proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender

o seu verdadeiro âmbito de incidência.

Ex.: turista holandês que, ao comprar um pacote turístico para o Brasil, após assistir a uma fita

promocional, na qual percebeu que um grupo de pessoas fumava um cigarro enrolado numa

palha, dando a entender que se tratava de maconha, quando na verdade não era, acredita que no

Brasil fosse permitido seu uso, tal como ocorre em algumas partes da Holanda. Ao descer do

avião, acende um cigarro e é preso em flagrante. O sujeito simplesmente não sabia que sua

conduta era ilícita.

 

  1. B) ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO

É a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os

limites da proposição permissiva (erro de permissão). Se o autor erra sobre uma situação fática

que, se existisse, tornaria a conduta legítima, o erro será de tipo, visto que o CP, no item 17 da

exposição de motivos da nova parte geral, deixa claro que adotou a teoria limitada da

culpabilidade.

TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE – se o erro do agente cair sobre uma situação de fato

que, se existisse, tornaria a ação legítima, será considerado erro de tipo. Se recair sobre a

existência ou os limites da causa de justificação, o erro será de proibição.

TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE – não faz essa distinção. Recaindo o erro sobre

situação fática ou sobre a existência ou limites da causa de justificação, será tudo erro de

proibição.

 

  1. C) ERRO MANDAMENTAL

É o erro que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou

impróprios. É o erro que recai sobre uma norma impositiva, que manda fazer, que está implícita,

evidentemente, nos tipos omissivos.

Deve-se distinguir o erro que recai sobre os elementos objetivos dos tipos omissivos (que afeta o

tipo penal) daquele erro que recai sobre o mandamento (que afeta a culpabilidade). Se o erro recai

sobre a situação objetiva de garantidor, o desconhecimento dará ensejo a erro de tipo. Se o erro

recai sobre o deve de cuidado derivado dessa posição, o erro será de proibição.

Ex. de erro de tipo – o banhista vê criança se afogar em uma lagoa e não presta socorro porque

não sabia nadar, mas na verdade, a profundidade da lagoa permitia o socorro se ele

permanecesse em pé.

Ex. de erro de proibição – o banhista que, podendo prestar socorro àquele que se afogava, não o

faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com ele, acreditava não estar

obrigado a isto.

 

 

 

5.2.5. Erro sobre elementos normativos do tipo

 

Elementos normativos são aqueles cujos conceitos são provenientes de uma norma, ou aqueles

sobre os quais o intérprete, obrigatoriamente, deverá realizar um juízo de valor, a exemplo do que

ocorre com as expressões indevidamente, sem justa causa etc..

 

A doutrina distingue elementos jurídico-normativos do tipo dos elementos jurídico-normativos da

ilicitude:

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DO TIPO – são conceitos que se constituem em

circunstâncias do fato criminoso, como “cheque”, “warrant”, “documento”, “moeda de curso legal”.

ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA ILICITUDE – são conceitos que acentuam o desvalor

da conduta, como “indevidamente”, “sem justa causa”.

 

De uma forma ou de outra, tendo em vista que tanto os elementos jurídico-normativos do tipo

quanto da ilicitude integram o tipo penal, o erro incidente sobre eles será sempre de tipo.

 

 

 

5.2.6. Conseqüências do erro de proibição

 

Assim como no erro de tipo, o erro de proibição também poderá ser escusável ou inescusável,

mas suas conseqüências são completamente diferentes. O erro de tipo tem a finalidade de afastar

o dolo da conduta do agente, seja o erro escusável ou não.  111

 

ERRO DE TIPO

ESCUSÁVEL – afasta o dolo e a culpa;

INESCUSÁVEL – eliminará o dolo, mas permite a punição por crime culposo, havendo previsão

legal.

 

ERRO DE PROIBIÇÃO

ESCUSÁVEL – isenta de pena (afasta a culpabilidade);

INESCUSÁVEL – diminui a pena de 1/6 a 1/3.

 

 

 

5.2.7. Erro de proibição e delito putativo – diferença

 

No erro de proibição direto, conforme já dito, o agente supunha ser lícita uma conduta que, no

entanto era proibida pelo ordenamento jurídico.

No delito putativo, entretanto, podemos dizer que há uma relação de verso-reverso com o erro de

proibição direto, pois no delito putativo o sujeito acredita praticar uma infração que, na verdade,

não está prevista no nosso ordenamento jurídico-penal. O agente imagina proibida uma conduta

permitida. No delito putativo o crime só existe na imaginação do agente.

 

 

 

5.3. Exigibilidade de conduta diversa

 

5.3.1. Conceito

 

A rigor, todas as causas de exclusão da culpabilidade são hipóteses de inexigibilidade de conduta

diversa.

 

Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou

da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa

humana. É a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta

e melhor do que aquela a que o sujeito se decidiu.

 

A exigibilidade de conduta diversa deve ser analisada com base em características subjetivas do

agente, como sua instrução, inteligência, situação econômica etc.

 

 

5.3.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta

 

O CP enumera algumas causas de exclusão da culpabilidade, destacando-se três:

– coação irresistível;

– obediência hierárquica;

– aborto, quando a gravidez resulta de estupro.

 

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não

manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da

ordem.

 

As figuras da coação irresistível e obediência hierárquica são excludentes de culpabilidade.

 

Enfatize-se que o dispositivo legal fala em coação irresistível. Em assim procedendo, refere-se,

apenas, à coação moral (vis compulsiva) e não à coação física (vis absoluta). É evidente que

neste caso o agente não é sujeito ativo, mas passivo, isto é, ele é usado para prática da ação,

dela não participando sua vontade. A coação física afasta a própria conduta do agente, por

ausência de dolo ou culpa.

 

Na coação moral irresistível (vis compulsiva), o autor coagido atua, na verdade, como mero

instrumento nas mãos do coator, sendo este último considerado autor mediato.

 

Atente-se que o dispositivo ao referir à coação irresistível está, evidentemente, excluindo a

resistível. Naquele caso, o agente não é passível de punição; neste, a pena fica atenuada em face

do disposto no artigo 65, III, c, primeira parte, do Código Penal.  112

 

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

III – ter o agente:

  1. c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de

autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da

vítima;

 

A segunda excludente, a obediência hierárquica, exige a presença de três elementos:

 

  1. que a ordem não seja manifestamente ilegal – se a ordem for manifestamente ilegal e o

agente ainda assim cumpri-la, responderá, juntamente com o superior hierárquico, em

concurso de agente em fato típico doloso.

  1. que a ordem seja oriunda de superior hierárquico – essa subordinação diz respeito,

apenas, à hierarquia vinculada à função pública. Não há relação hierárquica entre

particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados;

  1. que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da mesma – se houver excesso, o

executor da ordem responderá pelos danos causados.

 

 

Quanto ao aborto praticado quando a gravidez resulta de estupro, a maioria da doutrina entende

ser caso de exclusão da criminalidade, ilicitude, antijuridicidade, e não causa de exclusão da

punibilidade, ou culpabilidade.

 

Por quê o autor acredita ser causa de exclusão da culpabilidade?

 

Para ele, para haver excludente de ilicitude, o fato deve se amoldar a alguma das situações

elencadas no artigo 23: estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, legítima

defesa ou exercício regular do direito.

 

Não há legítima defesa porque o feto não agride a mãe;

Não há estrito cumprimento de dever legal porque a mãe não está obrigada a abortar;

Não há exercício regular do direito porque o direito visa a proteção da vida, e não sua extinção.

 

Quanto ao estado de necessidade, no qual alguns autores sustentam suas teses, presume-se que

estejam em conflito dois bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. No caso do inciso II,

denominado ABORTO SENTIMENTAL, estão em conflito a honra da vítima de estupro e, de outro

lado, a vida do feto em formação.

 

De acordo com a teoria unificadora ou unitária do estado de necessidade, todo estado de

necessidade é justificante, ou seja, não interessa o conflito entre o valor dos bens jurídicos em

confronto.

De acordo com a teoria diferenciadora, existe o estado de necessidade justificante e o estado de

necessidade exculpante. Se o bem defendido for mais valioso que o bem sacrificado, haverá

estado de necessidade justificante; se o bem defendido for menos valioso que o bem sacrificado,

haverá estado de necessidade exculpante. Se forem de igual valor, não há consenso na doutrina.

 

Se no aborto sentimental há conflito entre a honra da mãe e a vida da criança, não se poderia

falar, portanto, em estado de necessidade justificante.

 

CRÍTICA – o próprio autor salienta em capítulos anteriores que o Código Penal adotou a teoria

unitária, não sendo relevante a diferença entre os bens jurídicos tutelados.

 

 

 

5.3.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade

 

CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE – são aquelas que, embora não

estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios

informadores do ordenamento jurídico.

 

Embora alguns doutrinadores alemães, baseados na legislação alemã, que proíbe a sustentação

de causas supralegais de exclusão da culpabilidade, dissertem serem essas causas fatores

perigosos à segurança jurídica, não discordam que, nalgumas situações, sua utilização pode

prevenir a ocorrência de aberrações jurídicas, de injustiças gritantes.  113

 

Assim, não haveria qualquer impedimento em nosso ordenamento jurídico para a aplicação da

causa exculpante supralegal da inexigibilidade de conduta diversa.

 

 

 

5.3.4. Aplicação, no júri, das causas exculpantes supralegais

 

Alguns juízes e promotores têm sido contrários à aplicabilidade das causas exculpantes

supralegais nos julgamentos realizados pelo júri. Isso por conta de uma equivocada interpretação

do inciso III, do artigo 484, do CPP:

 

 

 

Art. 484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras:

III – se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou

circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz

formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao fato

principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer

excludente de ilicitude;

 

De acordo com a doutrina mais moderna, se levarmos em conta o princípio da ampla defesa

insculpido no inciso LV, do art. 5o

, da CF, a defesa deveria ser AMPLA, ou seja, não poderá haver

limitações a hipóteses contidas na lei. Houve uma revogação parcial (sic. – na verdade, a boa

técnica constitucional indicaria que o dispositivo estaria parcialmente não recepcionado) desse

inciso III pela Constituição Federal de 88.

 

 

 

  1. CO-CULPABILIDADE

 

A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a

parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de

determinadas infrações penais pelos seus “supostos cidadãos”.

 

Tal poderá ser a contribuição da sociedade que, em algumas situações, deverá afastar

completamente a reprovação sobre a conduta do agente, ou, em outras, poderá diminuí-la,

conforme o permite o artigo 66 do CP, que prevê a possibilidade de aplicação de uma

circunstância atenuante genérica:

 

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou

posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

CAPÍTULO 36 – CONCURSO DE CRIMES

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O concurso de crimes surge quando uma ou mais pessoas comete mais de uma infração penal.

Na verdade, o concurso de crimes também é um concurso de penas, pois o cerne da questão é

saber qual ou quais as penas deverão ser aplicadas ao autor.

 

Existem três formas de concurso de crimes:

 

– concurso material (ou real) – art. 69, do CP;

– concurso formal (ou ideal) – art. 70, do CP;

– crime continuado – art. 71, do CP.

 

 

 

  1. CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES

 

 

 

2.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 69, do CP:

 

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em

que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção,

executa-se primeiro aquela.

 

Conceito de ação:

– causal – é toda conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo

exterior;

– final – é o exercício de uma atividade final;

– social – é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana.

 

 

 

2.2. Requisitos e conseqüências do concurso material ou real

 

São requisitos abstraídos do caput do art. 69:

 

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

E a conseqüência é a seguinte:

 

  • aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

 

Concurso material ocorre, portanto, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,

poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais

crimes.

 

Se as infrações ocorreram em épocas diferentes, investigadas em processos diferentes, que

culminaram em várias condenações, ocorre unificação das penas, e não concurso material.

 

Enquanto para a maioria dos autores não é preciso, para que haja concurso material, que os

delitos sejam julgados em um mesmo processo (desnecessidade de conexão), para o autor, em

posição minoritária, os crimes devem ter, entre si, uma relação de conexão ou continência.

154

Para o autor, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra

vier a ser praticada, a soma das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material,

mas sim de mera soma de penas, unificação com a finalidade de atender ao limite previsto no

artigo 75, do CP:

 

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior

a 30 (trinta) anos.

 

  • 1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja

superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste

artigo.

 

  • 2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á

nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

 

Em ocorrendo concurso material, o juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a

cada infração penal praticada pelo agente. Após o cálculo final de todas elas, serão somadas para

que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado.

 

Soma e unificação de penas são institutos distintos.

  • Soma é a simples operação matemática que tem por finalidade reunir, adicionar, a fim de se

chegar a um resultado final de todas as penas aplicáveis ao condenado.

  • Unificação é uma soma que destina-se a manter do total das penas aplicadas ao condenado o

tempo que supere o limite de trinta anos para cumprimento de pena.

 

A exigência feita na parte final do caput do artigo, de no caso de aplicação cumulativa de penas de

reclusão e de detenção, executar-se primeiro aquela, é inútil, visto que praticamente não há

diferença entre uma e outra.

 

 

 

2.3. Concurso material homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a

modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada.

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais diversas.

Essa distinção, ao contrário do que ocorre no concurso formal, não tem relevância prática.

 

 

 

2.4. Concurso material e penas restritivas de direitos

 

Nos termos dos §§ 1o

e 2o

, do artigo 69,

 

  • 1º. Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de

liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição

de que trata o artigo 44 deste Código.

 

  • 2º. Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá

simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

 

E o referido artigo 44 determina que:

 

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de

liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi

cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,

se o crime for culposo.

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,

bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

 

O cumprimento simultâneo de penas restritivas de direitos, do §2o

, pode ocorres, por exemplo, nas

penas de suspensão de habilitação para dirigir veículos, por um fato e prestação de serviços à

comunidade, por outro.

A incompatibilidade pode ocorrer, por exemplo, quando houver duas penas de limitação de fim de

semana, caso em que deverão ser cumpridas de forma sucessiva.  155

 

 

 

 

  1. CONCURSO FORMAL OU IDEAL DE CRIMES

 

 

 

3.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 70, do CP:

 

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,

idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente

uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas

aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes

concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

 

A regra do concurso formal foi criada por razões de política criminal para o fim de beneficiar os

agentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados

também previstos como crime.

 

Duas teorias debatem a natureza jurídica do concurso formal: a teoria da unidade do delito e a da

pluralidade.

UNIDADE – não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. É por isso que se

utiliza da expressão concurso IDEAL;

PLURALIDADE – a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. Não

interessa que tenha havido somente uma ação.

 

 

 

3.2. Requisitos e conseqüências do concurso formal ou ideal

 

São requisitos:

  1. a) uma só ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

São conseqüências:

  • aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de

desígnios autônomos.

 

Exemplo de concurso formal é o caso do motorista que, dirigindo de forma imprudente, colide o

carro matando os três passageiros que o acompanhavam. A conduta é única, mas há três

resultados morte.

 

 

 

3.3. Concurso formal homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica duas infrações idênticas;

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica infrações distintas.

 

Aqui a distinção é relevante, pois o Código traz soluções diversas no momento de aplicação da

pena. Se homogêneo, o juiz aplicará uma das penas, aumentando-a de 1/6 à metade. Se o

concurso formal é heterogêneo, o juiz selecionará a mais grave das penas e, também nesse caso,

aplicará o percentual de 1/6 à metade no aumento.

 

 

 

 

 

156

3.4. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito)

 

A distinção entre concurso formal próprio e impróprio depende do elemento subjetivo do agente ao

iniciar sua conduta.

 

CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – ocorrerá quando a conduta do agente for culposa na sua

origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a título de culpa (o sujeito atropela duas

pessoas que aguardavam no ponto de ônibus), ou, sendo dolosa em sua origem, o resultado

aberrante lhe é imputado culposamente (o sujeito quer ferir seu desafeto e lança garrafa em sua

direção, acertando o alvo e também um terceiro que por ali passava).

 

CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – é o da parte final do artigo 70, em que o agente atua com

desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Desígnio

autônomo quer dizer que a conduta, embora única, foi dirigida finalisticamente (dolosamente) à

produção dos resultados.

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6

a ½.

NO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – aplica-se a pena de cada crime em concurso material,

visto ter havido desígnios autônomos na conduta do agente. Na verdade, o concurso formal

impróprio se aproxima mais de um concurso material que de um formal propriamente dito, pois

seus efeitos são os mesmos daquele. A diferença é que no concurso material exige-se mais de

uma ação ou omissão.

 

 

 

3.5. Concurso material benéfico

 

De acordo com o artigo 70, § único:

 

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do artigo 69

deste Código.

 

A pena a que se refere é a do concurso formal, e a do artigo 69 é a do concurso material. Tal

dispositivo se justifica porque se anteriormente ressaltamos que as regras do concurso formal

foram editadas para beneficiar o agente, se a metodologia da pena do concurso formal trouxer

maiores gravames ao agente comparativamente à metodologia do concurso material, a regra não

teria razão de ser.

 

 

 

3.6. Dosagem da pena

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a maior pena, acrescida de 1/6 a ½.

A variação da pena entre esses percentuais DEPENDERÁ DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES

PENAIS COMETIDAS PELO AGENTE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

157

 

 

  1. CRIME CONTINUADO

 

 

 

4.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 71, do CP:

 

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e

outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro,

aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,

aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou

grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,

aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o

triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código.

 

Também foi criado por razões de política criminal, devendo portanto ser aplicado sempre que, e

somente se, vier a beneficiar o agente.

 

 

 

4.2. Natureza jurídica do crime continuado

 

Três teorias explicam a natureza jurídica do crime continuado:

 

  1. a) teoria da unidade real – entende ser crime único as várias condutas que, por si sós, já se

constituiriam em infrações penais;

  1. b) teoria da ficção jurídica – TEORIA ADOTADA NO BRASIL. São consideradas fictamente

como um delito único as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas

individualmente, já se consistiam em infrações penais, desde que reunidas;

  1. c) teoria mista – é um terceiro crime, fruto do próprio concurso.

 

4.3. Requisitos e conseqüências do crime continuado

 

São requisitos:

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie;
  3. c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes;
  4. d) os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

 

São conseqüências:

  • aplicação da pena de um só dos crimes, se idêntica, aumentada de um sexto a dois terços;
  • aplicação da pena mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços;
  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação de pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo;

  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo;

 

4.3.1. Crimes da mesma espécie

 

Existem duas posições que explicam o que se poderia entender como crimes da mesma espécie:

 

1) são crimes da mesma espécie aqueles que atingem o mesmo bem juridicamente protegido,

como o furto e o roubo, por exemplo – posição do STJ;

2) são crimes da mesma espécie os que possuem a mesma tipificação penal, não importando se

simples, privilegiados ou qualificados, tentados ou consumados – posição do STF.

 

 

158

4.3.2. Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes

 

No que diz respeito ao tempo, não existe um critério objetivo, rígido, a ser considerado para que

se possa falar em continuidade delitiva. Entre os crimes deve existir um tempo que indique a

persistência de um certo liame psíquico que sugira uma seqüência entre os dois fatos. Deve haver

uma relação de contextualidade entre os fatos para que o crime continuado não se confunda com

a reiteração criminosa.

 

O STF, embora reconheça a inexistência de um critério infalível, objetivo, já se pronunciou no

sentido de que entre as condutas não pode haver um intervalo superior a 30 dias para que haja

continuidade delitiva.

 

Quanto ao lugar, embora haja julgados inadmitindo a existência de crimes continuados quando

praticados em cidades diversas, prevalece a opinião de que, assim como ocorre com o fator

temporal, deve haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo

agente.

 

Quanto à forma de execução, ao modus operandi, diferentemente não ocorre: ainda que o

criminoso não adote um padrão de conduta entre os delitos não se impede o reconhecimento da

continuidade criminosa. O necessário é a existência de uma relação de contexto, de unicidade

entre as diversas infrações penais.

 

 

 

4.3.3. Os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro

 

Exige-se também, para a configuração do crime continuado, que as infrações penais posteriores

devem ser entendidas como continuação da primeira.

 

Três teorias discutem o tratamento do crime continuado:

  1. a) teoria objetiva – para a configuração do crime continuado basta a presença dos requisitos

de ordem objetiva do artigo 71, como condições de tempo, lugar, forma de execução e

outras semelhantes. Não se exige a unidade de desígnios, a relação de contexto entre as

infrações penais;

  1. b) teoria subjetiva – não importam os elementos objetivos, e sim a unidade de desígnio, a

relação de contexto, para que se possa falar em crime continuado;

  1. c) teoria objetivo-subjetiva – ambos os elementos são indispensáveis, sob pena de não

haver crime continuado.

 

A teoria que melhor se coaduna com a realidade jurídico-penal brasileira é a objetivo-subjetiva.

 

Diferenciando crime continuado de reiteração criminosa, ressalta-se que a habitualidade é

diferente da continuação, não podendo ambas terem tratamento jurídico idêntico.

 

 

 

4.4. Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa

 

Com a redação do parágrafo único do artigo 71, cai por terra a súmula 605, do STF, que dizia ser

impossível a continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

 

 

 

4.5. Crime continuado simples e crime continuado qualificado

 

SIMPLES – é o crime continuado que ocorre nas hipóteses do caput do artigo 71, do CP;

QUALIFICADO – é o que está previsto no parágrafo único do mesmo artigo, que permite aumentar

a pena em até o triplo.

 

 

 

 

159

4.6. Conseqüências do crime continuado

 

No crime continuado simples, aplica-se a pena mais grave aumentada de 1/6 a 2/3, ou seja, de 1/6

a 4/6.

No crime continuado qualificado, também aplica-se a pena mais grave, porém aumentada até ao

triplo. Como se pode ver, não há neste caso aumento mínimo previsto pela lei. A doutrina aponta o

aumento mínimo de 1/6, assim como ocorre com o crime continuado simples, visto que não seria

razoável que o juiz procedesse um aumento inferior à situação mais grave.

 

 

 

4.7. Concurso material benéfico

 

Da mesma forma que ocorre com o concurso formal, o crime continuado foi criado por razões de

política criminal com o mister principal de beneficiar o agente. Assim,não seria razoável que um

instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, a prejudicar o mesmo.

 

Assim, se em uma mesma situação a aplicação do concurso material se mostra menos gravosa

que a do crime continuado, este deve ser desprezado.

 

 

 

4.8. Dosagem da pena no crime continuado

 

Assim como ocorre no concurso formal, o percentual de aumento de pena variará de acordo com o

número de infrações penais praticadas.

 

 

 

 

 

4.9. Crime continuado e novatio legis in pejus

 

Pode ocorrer que, no cometimento do crime continuado, parte do crime seja cometido sob a

vigência de uma lei A e, outra parte, sob a vigência de uma lei B, mais gravosa que a anterior.

 

O STF tem decidido que, embora mais gravosa, a lei posterior será aplicada à toda cadeia de

infrações penais, visto que, mesmo conhecedores da lei penal, os agentes que, ainda assim,

insistiram em cometer novos delitos, deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei

nova.

 

Da reiteração dessas decisões surgiu a súmula 711, do STF:

 

Súmula 711 – A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime

permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

 

 

 

 

  1. APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES

 

Em qualquer das situações de concursos de crime (concurso material, formal ou crime

continuado), o juiz deverá aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal

praticada. Após, aplica as regras correspondentes àqueles concursos.

 

O artigo 119, do CP, diz que:

 

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena

de cada um, isoladamente.

 

Assim, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no

caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram

aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas

isoladamente.  160

 

 

 

  1. MULTA NO CONCURSO DE CRIMES

 

De acordo com o artigo 72, do CP:

 

Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.

 

Isso significa que, em qualquer forma de concurso de crimes, as multas deverão ser aplicadas

isoladamente para cada infração penal. Portanto, no concurso formal, por exemplo, não se aplica

o aumento de 1/6 até a metade sobre a pena de multa.

CAPÍTULO 36 – CONCURSO DE CRIMES

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O concurso de crimes surge quando uma ou mais pessoas comete mais de uma infração penal.

Na verdade, o concurso de crimes também é um concurso de penas, pois o cerne da questão é

saber qual ou quais as penas deverão ser aplicadas ao autor.

 

Existem três formas de concurso de crimes:

 

– concurso material (ou real) – art. 69, do CP;

– concurso formal (ou ideal) – art. 70, do CP;

– crime continuado – art. 71, do CP.

 

 

 

  1. CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES

 

 

 

2.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 69, do CP:

 

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em

que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção,

executa-se primeiro aquela.

 

Conceito de ação:

– causal – é toda conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo

exterior;

– final – é o exercício de uma atividade final;

– social – é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana.

 

 

 

2.2. Requisitos e conseqüências do concurso material ou real

 

São requisitos abstraídos do caput do art. 69:

 

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

E a conseqüência é a seguinte:

 

  • aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

 

Concurso material ocorre, portanto, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,

poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais

crimes.

 

Se as infrações ocorreram em épocas diferentes, investigadas em processos diferentes, que

culminaram em várias condenações, ocorre unificação das penas, e não concurso material.

 

Enquanto para a maioria dos autores não é preciso, para que haja concurso material, que os

delitos sejam julgados em um mesmo processo (desnecessidade de conexão), para o autor, em

posição minoritária, os crimes devem ter, entre si, uma relação de conexão ou continência.

154

Para o autor, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra

vier a ser praticada, a soma das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material,

mas sim de mera soma de penas, unificação com a finalidade de atender ao limite previsto no

artigo 75, do CP:

 

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior

a 30 (trinta) anos.

 

  • 1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja

superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste

artigo.

 

  • 2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á

nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

 

Em ocorrendo concurso material, o juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a

cada infração penal praticada pelo agente. Após o cálculo final de todas elas, serão somadas para

que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado.

 

Soma e unificação de penas são institutos distintos.

  • Soma é a simples operação matemática que tem por finalidade reunir, adicionar, a fim de se

chegar a um resultado final de todas as penas aplicáveis ao condenado.

  • Unificação é uma soma que destina-se a manter do total das penas aplicadas ao condenado o

tempo que supere o limite de trinta anos para cumprimento de pena.

 

A exigência feita na parte final do caput do artigo, de no caso de aplicação cumulativa de penas de

reclusão e de detenção, executar-se primeiro aquela, é inútil, visto que praticamente não há

diferença entre uma e outra.

 

 

 

2.3. Concurso material homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a

modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada.

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais diversas.

Essa distinção, ao contrário do que ocorre no concurso formal, não tem relevância prática.

 

 

 

2.4. Concurso material e penas restritivas de direitos

 

Nos termos dos §§ 1o

e 2o

, do artigo 69,

 

  • 1º. Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de

liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição

de que trata o artigo 44 deste Código.

 

  • 2º. Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá

simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

 

E o referido artigo 44 determina que:

 

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de

liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi

cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,

se o crime for culposo.

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,

bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

 

O cumprimento simultâneo de penas restritivas de direitos, do §2o

, pode ocorres, por exemplo, nas

penas de suspensão de habilitação para dirigir veículos, por um fato e prestação de serviços à

comunidade, por outro.

A incompatibilidade pode ocorrer, por exemplo, quando houver duas penas de limitação de fim de

semana, caso em que deverão ser cumpridas de forma sucessiva.  155

 

 

 

 

  1. CONCURSO FORMAL OU IDEAL DE CRIMES

 

 

 

3.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 70, do CP:

 

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,

idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente

uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas

aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes

concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

 

A regra do concurso formal foi criada por razões de política criminal para o fim de beneficiar os

agentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados

também previstos como crime.

 

Duas teorias debatem a natureza jurídica do concurso formal: a teoria da unidade do delito e a da

pluralidade.

UNIDADE – não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. É por isso que se

utiliza da expressão concurso IDEAL;

PLURALIDADE – a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. Não

interessa que tenha havido somente uma ação.

 

 

 

3.2. Requisitos e conseqüências do concurso formal ou ideal

 

São requisitos:

  1. a) uma só ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

São conseqüências:

  • aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de

desígnios autônomos.

 

Exemplo de concurso formal é o caso do motorista que, dirigindo de forma imprudente, colide o

carro matando os três passageiros que o acompanhavam. A conduta é única, mas há três

resultados morte.

 

 

 

3.3. Concurso formal homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica duas infrações idênticas;

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica infrações distintas.

 

Aqui a distinção é relevante, pois o Código traz soluções diversas no momento de aplicação da

pena. Se homogêneo, o juiz aplicará uma das penas, aumentando-a de 1/6 à metade. Se o

concurso formal é heterogêneo, o juiz selecionará a mais grave das penas e, também nesse caso,

aplicará o percentual de 1/6 à metade no aumento.

 

 

 

 

 

156

3.4. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito)

 

A distinção entre concurso formal próprio e impróprio depende do elemento subjetivo do agente ao

iniciar sua conduta.

 

CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – ocorrerá quando a conduta do agente for culposa na sua

origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a título de culpa (o sujeito atropela duas

pessoas que aguardavam no ponto de ônibus), ou, sendo dolosa em sua origem, o resultado

aberrante lhe é imputado culposamente (o sujeito quer ferir seu desafeto e lança garrafa em sua

direção, acertando o alvo e também um terceiro que por ali passava).

 

CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – é o da parte final do artigo 70, em que o agente atua com

desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Desígnio

autônomo quer dizer que a conduta, embora única, foi dirigida finalisticamente (dolosamente) à

produção dos resultados.

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6

a ½.

NO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – aplica-se a pena de cada crime em concurso material,

visto ter havido desígnios autônomos na conduta do agente. Na verdade, o concurso formal

impróprio se aproxima mais de um concurso material que de um formal propriamente dito, pois

seus efeitos são os mesmos daquele. A diferença é que no concurso material exige-se mais de

uma ação ou omissão.

 

 

 

3.5. Concurso material benéfico

 

De acordo com o artigo 70, § único:

 

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do artigo 69

deste Código.

 

A pena a que se refere é a do concurso formal, e a do artigo 69 é a do concurso material. Tal

dispositivo se justifica porque se anteriormente ressaltamos que as regras do concurso formal

foram editadas para beneficiar o agente, se a metodologia da pena do concurso formal trouxer

maiores gravames ao agente comparativamente à metodologia do concurso material, a regra não

teria razão de ser.

 

 

 

3.6. Dosagem da pena

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a maior pena, acrescida de 1/6 a ½.

A variação da pena entre esses percentuais DEPENDERÁ DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES

PENAIS COMETIDAS PELO AGENTE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

157

 

 

  1. CRIME CONTINUADO

 

 

 

4.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 71, do CP:

 

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e

outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro,

aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,

aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou

grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,

aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o

triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código.

 

Também foi criado por razões de política criminal, devendo portanto ser aplicado sempre que, e

somente se, vier a beneficiar o agente.

 

 

 

4.2. Natureza jurídica do crime continuado

 

Três teorias explicam a natureza jurídica do crime continuado:

 

  1. a) teoria da unidade real – entende ser crime único as várias condutas que, por si sós, já se

constituiriam em infrações penais;

  1. b) teoria da ficção jurídica – TEORIA ADOTADA NO BRASIL. São consideradas fictamente

como um delito único as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas

individualmente, já se consistiam em infrações penais, desde que reunidas;

  1. c) teoria mista – é um terceiro crime, fruto do próprio concurso.

 

4.3. Requisitos e conseqüências do crime continuado

 

São requisitos:

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie;
  3. c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes;
  4. d) os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

 

São conseqüências:

  • aplicação da pena de um só dos crimes, se idêntica, aumentada de um sexto a dois terços;
  • aplicação da pena mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços;
  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação de pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo;

  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo;

 

4.3.1. Crimes da mesma espécie

 

Existem duas posições que explicam o que se poderia entender como crimes da mesma espécie:

 

1) são crimes da mesma espécie aqueles que atingem o mesmo bem juridicamente protegido,

como o furto e o roubo, por exemplo – posição do STJ;

2) são crimes da mesma espécie os que possuem a mesma tipificação penal, não importando se

simples, privilegiados ou qualificados, tentados ou consumados – posição do STF.

 

 

158

4.3.2. Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes

 

No que diz respeito ao tempo, não existe um critério objetivo, rígido, a ser considerado para que

se possa falar em continuidade delitiva. Entre os crimes deve existir um tempo que indique a

persistência de um certo liame psíquico que sugira uma seqüência entre os dois fatos. Deve haver

uma relação de contextualidade entre os fatos para que o crime continuado não se confunda com

a reiteração criminosa.

 

O STF, embora reconheça a inexistência de um critério infalível, objetivo, já se pronunciou no

sentido de que entre as condutas não pode haver um intervalo superior a 30 dias para que haja

continuidade delitiva.

 

Quanto ao lugar, embora haja julgados inadmitindo a existência de crimes continuados quando

praticados em cidades diversas, prevalece a opinião de que, assim como ocorre com o fator

temporal, deve haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo

agente.

 

Quanto à forma de execução, ao modus operandi, diferentemente não ocorre: ainda que o

criminoso não adote um padrão de conduta entre os delitos não se impede o reconhecimento da

continuidade criminosa. O necessário é a existência de uma relação de contexto, de unicidade

entre as diversas infrações penais.

 

 

 

4.3.3. Os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro

 

Exige-se também, para a configuração do crime continuado, que as infrações penais posteriores

devem ser entendidas como continuação da primeira.

 

Três teorias discutem o tratamento do crime continuado:

  1. a) teoria objetiva – para a configuração do crime continuado basta a presença dos requisitos

de ordem objetiva do artigo 71, como condições de tempo, lugar, forma de execução e

outras semelhantes. Não se exige a unidade de desígnios, a relação de contexto entre as

infrações penais;

  1. b) teoria subjetiva – não importam os elementos objetivos, e sim a unidade de desígnio, a

relação de contexto, para que se possa falar em crime continuado;

  1. c) teoria objetivo-subjetiva – ambos os elementos são indispensáveis, sob pena de não

haver crime continuado.

 

A teoria que melhor se coaduna com a realidade jurídico-penal brasileira é a objetivo-subjetiva.

 

Diferenciando crime continuado de reiteração criminosa, ressalta-se que a habitualidade é

diferente da continuação, não podendo ambas terem tratamento jurídico idêntico.

 

 

 

4.4. Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa

 

Com a redação do parágrafo único do artigo 71, cai por terra a súmula 605, do STF, que dizia ser

impossível a continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

 

 

 

4.5. Crime continuado simples e crime continuado qualificado

 

SIMPLES – é o crime continuado que ocorre nas hipóteses do caput do artigo 71, do CP;

QUALIFICADO – é o que está previsto no parágrafo único do mesmo artigo, que permite aumentar

a pena em até o triplo.

 

 

 

 

159

4.6. Conseqüências do crime continuado

 

No crime continuado simples, aplica-se a pena mais grave aumentada de 1/6 a 2/3, ou seja, de 1/6

a 4/6.

No crime continuado qualificado, também aplica-se a pena mais grave, porém aumentada até ao

triplo. Como se pode ver, não há neste caso aumento mínimo previsto pela lei. A doutrina aponta o

aumento mínimo de 1/6, assim como ocorre com o crime continuado simples, visto que não seria

razoável que o juiz procedesse um aumento inferior à situação mais grave.

 

 

 

4.7. Concurso material benéfico

 

Da mesma forma que ocorre com o concurso formal, o crime continuado foi criado por razões de

política criminal com o mister principal de beneficiar o agente. Assim,não seria razoável que um

instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, a prejudicar o mesmo.

 

Assim, se em uma mesma situação a aplicação do concurso material se mostra menos gravosa

que a do crime continuado, este deve ser desprezado.

 

 

 

4.8. Dosagem da pena no crime continuado

 

Assim como ocorre no concurso formal, o percentual de aumento de pena variará de acordo com o

número de infrações penais praticadas.

 

 

 

 

 

4.9. Crime continuado e novatio legis in pejus

 

Pode ocorrer que, no cometimento do crime continuado, parte do crime seja cometido sob a

vigência de uma lei A e, outra parte, sob a vigência de uma lei B, mais gravosa que a anterior.

 

O STF tem decidido que, embora mais gravosa, a lei posterior será aplicada à toda cadeia de

infrações penais, visto que, mesmo conhecedores da lei penal, os agentes que, ainda assim,

insistiram em cometer novos delitos, deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei

nova.

 

Da reiteração dessas decisões surgiu a súmula 711, do STF:

 

Súmula 711 – A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime

permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

 

 

 

 

  1. APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES

 

Em qualquer das situações de concursos de crime (concurso material, formal ou crime

continuado), o juiz deverá aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal

praticada. Após, aplica as regras correspondentes àqueles concursos.

 

O artigo 119, do CP, diz que:

 

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena

de cada um, isoladamente.

 

Assim, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no

caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram

aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas

isoladamente.  160

 

 

 

  1. MULTA NO CONCURSO DE CRIMES

 

De acordo com o artigo 72, do CP:

 

Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.

 

Isso significa que, em qualquer forma de concurso de crimes, as multas deverão ser aplicadas

isoladamente para cada infração penal. Portanto, no concurso formal, por exemplo, não se aplica

o aumento de 1/6 até a metade sobre a pena de multa.

CAPÍTULO 36 – CONCURSO DE CRIMES

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O concurso de crimes surge quando uma ou mais pessoas comete mais de uma infração penal.

Na verdade, o concurso de crimes também é um concurso de penas, pois o cerne da questão é

saber qual ou quais as penas deverão ser aplicadas ao autor.

 

Existem três formas de concurso de crimes:

 

– concurso material (ou real) – art. 69, do CP;

– concurso formal (ou ideal) – art. 70, do CP;

– crime continuado – art. 71, do CP.

 

 

 

  1. CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES

 

 

 

2.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 69, do CP:

 

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em

que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção,

executa-se primeiro aquela.

 

Conceito de ação:

– causal – é toda conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo

exterior;

– final – é o exercício de uma atividade final;

– social – é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana.

 

 

 

2.2. Requisitos e conseqüências do concurso material ou real

 

São requisitos abstraídos do caput do art. 69:

 

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

E a conseqüência é a seguinte:

 

  • aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido.

 

Concurso material ocorre, portanto, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão,

poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais

crimes.

 

Se as infrações ocorreram em épocas diferentes, investigadas em processos diferentes, que

culminaram em várias condenações, ocorre unificação das penas, e não concurso material.

 

Enquanto para a maioria dos autores não é preciso, para que haja concurso material, que os

delitos sejam julgados em um mesmo processo (desnecessidade de conexão), para o autor, em

posição minoritária, os crimes devem ter, entre si, uma relação de conexão ou continência.

154

Para o autor, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra

vier a ser praticada, a soma das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material,

mas sim de mera soma de penas, unificação com a finalidade de atender ao limite previsto no

artigo 75, do CP:

 

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior

a 30 (trinta) anos.

 

  • 1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja

superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste

artigo.

 

  • 2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á

nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

 

Em ocorrendo concurso material, o juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a

cada infração penal praticada pelo agente. Após o cálculo final de todas elas, serão somadas para

que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado.

 

Soma e unificação de penas são institutos distintos.

  • Soma é a simples operação matemática que tem por finalidade reunir, adicionar, a fim de se

chegar a um resultado final de todas as penas aplicáveis ao condenado.

  • Unificação é uma soma que destina-se a manter do total das penas aplicadas ao condenado o

tempo que supere o limite de trinta anos para cumprimento de pena.

 

A exigência feita na parte final do caput do artigo, de no caso de aplicação cumulativa de penas de

reclusão e de detenção, executar-se primeiro aquela, é inútil, visto que praticamente não há

diferença entre uma e outra.

 

 

 

2.3. Concurso material homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a

modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada.

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais diversas.

Essa distinção, ao contrário do que ocorre no concurso formal, não tem relevância prática.

 

 

 

2.4. Concurso material e penas restritivas de direitos

 

Nos termos dos §§ 1o

e 2o

, do artigo 69,

 

  • 1º. Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de

liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição

de que trata o artigo 44 deste Código.

 

  • 2º. Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá

simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

 

E o referido artigo 44 determina que:

 

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de

liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi

cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada,

se o crime for culposo.

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,

bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

 

O cumprimento simultâneo de penas restritivas de direitos, do §2o

, pode ocorres, por exemplo, nas

penas de suspensão de habilitação para dirigir veículos, por um fato e prestação de serviços à

comunidade, por outro.

A incompatibilidade pode ocorrer, por exemplo, quando houver duas penas de limitação de fim de

semana, caso em que deverão ser cumpridas de forma sucessiva.  155

 

 

 

 

  1. CONCURSO FORMAL OU IDEAL DE CRIMES

 

 

 

3.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 70, do CP:

 

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,

idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente

uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas

aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes

concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

 

A regra do concurso formal foi criada por razões de política criminal para o fim de beneficiar os

agentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados

também previstos como crime.

 

Duas teorias debatem a natureza jurídica do concurso formal: a teoria da unidade do delito e a da

pluralidade.

UNIDADE – não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. É por isso que se

utiliza da expressão concurso IDEAL;

PLURALIDADE – a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. Não

interessa que tenha havido somente uma ação.

 

 

 

3.2. Requisitos e conseqüências do concurso formal ou ideal

 

São requisitos:

  1. a) uma só ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes;

 

São conseqüências:

  • aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade;
  • aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de

desígnios autônomos.

 

Exemplo de concurso formal é o caso do motorista que, dirigindo de forma imprudente, colide o

carro matando os três passageiros que o acompanhavam. A conduta é única, mas há três

resultados morte.

 

 

 

3.3. Concurso formal homogêneo e heterogêneo

 

HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica duas infrações idênticas;

HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica infrações distintas.

 

Aqui a distinção é relevante, pois o Código traz soluções diversas no momento de aplicação da

pena. Se homogêneo, o juiz aplicará uma das penas, aumentando-a de 1/6 à metade. Se o

concurso formal é heterogêneo, o juiz selecionará a mais grave das penas e, também nesse caso,

aplicará o percentual de 1/6 à metade no aumento.

 

 

 

 

 

156

3.4. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito)

 

A distinção entre concurso formal próprio e impróprio depende do elemento subjetivo do agente ao

iniciar sua conduta.

 

CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – ocorrerá quando a conduta do agente for culposa na sua

origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a título de culpa (o sujeito atropela duas

pessoas que aguardavam no ponto de ônibus), ou, sendo dolosa em sua origem, o resultado

aberrante lhe é imputado culposamente (o sujeito quer ferir seu desafeto e lança garrafa em sua

direção, acertando o alvo e também um terceiro que por ali passava).

 

CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – é o da parte final do artigo 70, em que o agente atua com

desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Desígnio

autônomo quer dizer que a conduta, embora única, foi dirigida finalisticamente (dolosamente) à

produção dos resultados.

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6

a ½.

NO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – aplica-se a pena de cada crime em concurso material,

visto ter havido desígnios autônomos na conduta do agente. Na verdade, o concurso formal

impróprio se aproxima mais de um concurso material que de um formal propriamente dito, pois

seus efeitos são os mesmos daquele. A diferença é que no concurso material exige-se mais de

uma ação ou omissão.

 

 

 

3.5. Concurso material benéfico

 

De acordo com o artigo 70, § único:

 

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do artigo 69

deste Código.

 

A pena a que se refere é a do concurso formal, e a do artigo 69 é a do concurso material. Tal

dispositivo se justifica porque se anteriormente ressaltamos que as regras do concurso formal

foram editadas para beneficiar o agente, se a metodologia da pena do concurso formal trouxer

maiores gravames ao agente comparativamente à metodologia do concurso material, a regra não

teria razão de ser.

 

 

 

3.6. Dosagem da pena

 

NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a maior pena, acrescida de 1/6 a ½.

A variação da pena entre esses percentuais DEPENDERÁ DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES

PENAIS COMETIDAS PELO AGENTE.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

157

 

 

  1. CRIME CONTINUADO

 

 

 

4.1. Introdução

 

De acordo com o artigo 71, do CP:

 

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais

crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e

outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro,

aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas,

aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

 

Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou

grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias,

aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o

triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código.

 

Também foi criado por razões de política criminal, devendo portanto ser aplicado sempre que, e

somente se, vier a beneficiar o agente.

 

 

 

4.2. Natureza jurídica do crime continuado

 

Três teorias explicam a natureza jurídica do crime continuado:

 

  1. a) teoria da unidade real – entende ser crime único as várias condutas que, por si sós, já se

constituiriam em infrações penais;

  1. b) teoria da ficção jurídica – TEORIA ADOTADA NO BRASIL. São consideradas fictamente

como um delito único as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas

individualmente, já se consistiam em infrações penais, desde que reunidas;

  1. c) teoria mista – é um terceiro crime, fruto do próprio concurso.

 

4.3. Requisitos e conseqüências do crime continuado

 

São requisitos:

  1. a) mais de uma ação ou omissão;
  2. b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie;
  3. c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes;
  4. d) os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

 

São conseqüências:

  • aplicação da pena de um só dos crimes, se idêntica, aumentada de um sexto a dois terços;
  • aplicação da pena mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços;
  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação de pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo;

  • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo;

 

4.3.1. Crimes da mesma espécie

 

Existem duas posições que explicam o que se poderia entender como crimes da mesma espécie:

 

1) são crimes da mesma espécie aqueles que atingem o mesmo bem juridicamente protegido,

como o furto e o roubo, por exemplo – posição do STJ;

2) são crimes da mesma espécie os que possuem a mesma tipificação penal, não importando se

simples, privilegiados ou qualificados, tentados ou consumados – posição do STF.

 

 

158

4.3.2. Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes

 

No que diz respeito ao tempo, não existe um critério objetivo, rígido, a ser considerado para que

se possa falar em continuidade delitiva. Entre os crimes deve existir um tempo que indique a

persistência de um certo liame psíquico que sugira uma seqüência entre os dois fatos. Deve haver

uma relação de contextualidade entre os fatos para que o crime continuado não se confunda com

a reiteração criminosa.

 

O STF, embora reconheça a inexistência de um critério infalível, objetivo, já se pronunciou no

sentido de que entre as condutas não pode haver um intervalo superior a 30 dias para que haja

continuidade delitiva.

 

Quanto ao lugar, embora haja julgados inadmitindo a existência de crimes continuados quando

praticados em cidades diversas, prevalece a opinião de que, assim como ocorre com o fator

temporal, deve haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo

agente.

 

Quanto à forma de execução, ao modus operandi, diferentemente não ocorre: ainda que o

criminoso não adote um padrão de conduta entre os delitos não se impede o reconhecimento da

continuidade criminosa. O necessário é a existência de uma relação de contexto, de unicidade

entre as diversas infrações penais.

 

 

 

4.3.3. Os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro

 

Exige-se também, para a configuração do crime continuado, que as infrações penais posteriores

devem ser entendidas como continuação da primeira.

 

Três teorias discutem o tratamento do crime continuado:

  1. a) teoria objetiva – para a configuração do crime continuado basta a presença dos requisitos

de ordem objetiva do artigo 71, como condições de tempo, lugar, forma de execução e

outras semelhantes. Não se exige a unidade de desígnios, a relação de contexto entre as

infrações penais;

  1. b) teoria subjetiva – não importam os elementos objetivos, e sim a unidade de desígnio, a

relação de contexto, para que se possa falar em crime continuado;

  1. c) teoria objetivo-subjetiva – ambos os elementos são indispensáveis, sob pena de não

haver crime continuado.

 

A teoria que melhor se coaduna com a realidade jurídico-penal brasileira é a objetivo-subjetiva.

 

Diferenciando crime continuado de reiteração criminosa, ressalta-se que a habitualidade é

diferente da continuação, não podendo ambas terem tratamento jurídico idêntico.

 

 

 

4.4. Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à

pessoa

 

Com a redação do parágrafo único do artigo 71, cai por terra a súmula 605, do STF, que dizia ser

impossível a continuidade delitiva nos crimes contra a vida.

 

 

 

4.5. Crime continuado simples e crime continuado qualificado

 

SIMPLES – é o crime continuado que ocorre nas hipóteses do caput do artigo 71, do CP;

QUALIFICADO – é o que está previsto no parágrafo único do mesmo artigo, que permite aumentar

a pena em até o triplo.

 

 

 

 

159

4.6. Conseqüências do crime continuado

 

No crime continuado simples, aplica-se a pena mais grave aumentada de 1/6 a 2/3, ou seja, de 1/6

a 4/6.

No crime continuado qualificado, também aplica-se a pena mais grave, porém aumentada até ao

triplo. Como se pode ver, não há neste caso aumento mínimo previsto pela lei. A doutrina aponta o

aumento mínimo de 1/6, assim como ocorre com o crime continuado simples, visto que não seria

razoável que o juiz procedesse um aumento inferior à situação mais grave.

 

 

 

4.7. Concurso material benéfico

 

Da mesma forma que ocorre com o concurso formal, o crime continuado foi criado por razões de

política criminal com o mister principal de beneficiar o agente. Assim,não seria razoável que um

instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, a prejudicar o mesmo.

 

Assim, se em uma mesma situação a aplicação do concurso material se mostra menos gravosa

que a do crime continuado, este deve ser desprezado.

 

 

 

4.8. Dosagem da pena no crime continuado

 

Assim como ocorre no concurso formal, o percentual de aumento de pena variará de acordo com o

número de infrações penais praticadas.

 

 

 

 

 

4.9. Crime continuado e novatio legis in pejus

 

Pode ocorrer que, no cometimento do crime continuado, parte do crime seja cometido sob a

vigência de uma lei A e, outra parte, sob a vigência de uma lei B, mais gravosa que a anterior.

 

O STF tem decidido que, embora mais gravosa, a lei posterior será aplicada à toda cadeia de

infrações penais, visto que, mesmo conhecedores da lei penal, os agentes que, ainda assim,

insistiram em cometer novos delitos, deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei

nova.

 

Da reiteração dessas decisões surgiu a súmula 711, do STF:

 

Súmula 711 – A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime

permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

 

 

 

 

  1. APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES

 

Em qualquer das situações de concursos de crime (concurso material, formal ou crime

continuado), o juiz deverá aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal

praticada. Após, aplica as regras correspondentes àqueles concursos.

 

O artigo 119, do CP, diz que:

 

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena

de cada um, isoladamente.

 

Assim, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no

caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram

aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas

isoladamente.  160

 

 

 

  1. MULTA NO CONCURSO DE CRIMES

 

De acordo com o artigo 72, do CP:

 

Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.

 

Isso significa que, em qualquer forma de concurso de crimes, as multas deverão ser aplicadas

isoladamente para cada infração penal. Portanto, no concurso formal, por exemplo, não se aplica

o aumento de 1/6 até a metade sobre a pena de multa.

CAPÍTULO 42 – DA REABILITAÇÃO

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Nos termos do artigo 93, do CP:

 

Art. 93. A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva,

assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação.

 

Parágrafo único. A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos

no artigo 92 desse Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos

I e II do mesmo artigo.

 

 

 

  1. APLICABILIDADE

 

Pela simples observação do disposto no artigo 202, da LEP, observa-se que o instituto da

reabilitação do CP, ao menos quanto ao sigilo de informações quanto ao cumprimento de pena

pelo condenado, é demasiadamente maléfico e burocrático, visto serem necessários, além do

prazo de 2 anos do cumprimento ou extinção da pena, outros requisitos:

 

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou

certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou

referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal

ou outros casos expressos em lei.

 

Também não cabe reabilitação nos casos dos incisos I e II do artigo 92, acima analisados.

No inciso I, caso em que ocorre o efeito da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, a

reabilitação não tem o efeito de reintegrar o interessado na situação anterior. O reabilitado não é

reconduzido ao exercício do cargo, função pública ou mandato perdidos. Serve a reabilitação para

afastar qualquer óbice para que o reabilitado se habilite a novo cargo, função ou mandato eletivo.

Situação óbvia é a do inciso II, em que a reabilitação não faz restaurar a capacidade para o

exercício do poder familiar, quando o condenado praticou crime doloso punido com reclusão

contra filho, tutelado ou curatelado.

No caso do inciso III, do mesmo artigo, a reabilitação é apta a restaurar a habilitação do

condenado a dirigir veículo, quando havia perdido a mesma por tê-lo usado como instrumento do

crime.

 

 

 

  1. REQUISITOS E COMPETÊNCIA PARA A ANÁLISE DO PEDIDO

 

O artigo 94 traz os requisitos necessários ao pedido de reabilitação:

 

Art. 94. A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for

extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de

prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que

o condenado:

I – tenha tido domicílio no País no prazo acima referido;

II – tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom

comportamento público e privado;

III – tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade

de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou

novação da dívida.

 

Tendo em vista não ter sido incluída no rol de competências do juízo das Execuções Penais (art.

66, da LEP), entende-se que a apreciação do pedido de reabilitação é de competência do juízo de

conhecimento, nos termos do art. 743, do CPP, revogado apenas parcialmente:

 

Art. 743. A reabilitação será requerida ao juiz da condenação, após o decurso de 4

(quatro) ou 8 (oito) anos, pelo menos, conforme se trate de condenado ou reincidente,

contados do dia em que houver terminado a execução da pena principal ou da medida de  180

segurança detentiva, devendo o requerente indicar as comarcas em que haja residido

durante aquele tempo.

 

 

 

  1. RECURSO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REABILITAÇÃO

 

Nos termos do § único, do artigo 94, do CP:

 

Parágrafo único. Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que

o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.

 

Embora o artigo não faça previsão de recurso, pois prevê a possibilidade de novo pedido, instruído

com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários, entende-se que contra a

decisão denegatória pode ser interposto recurso de apelação, visto tal decisão ter força definitiva.

 

 

 

  1. REVOGAÇÃO DA REABILITAÇÃO

 

De acordo com o artigo 95, do CP:

 

Art. 95. A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se

o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja

de multa.

 

São, portanto, dois os requisitos que permitem a revogação da reabilitação:

 

  1. a) a condenação transitada em julgado posterior deve ser relativa a pena privativa de

liberdade ou restritiva de direitos;

  1. b) a condenação deve se dar com reconhecimento de que o reabilitado é reincidente.

 

 

 

 

 

181

CAPÍTULO 43 – MEDIDAS DE SEGURANÇA

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Durante a vigência do Código Penal de 1940, prevalecia o sistema do DUPLO BINÁRIO ou

DUPLO TRILHO, no qual a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso,

que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução era iniciada após o condenado

cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa.

 

Hoje, abandono-se o sistema do duplo binário, adotando o sistema VICARIANTE, que quer dizer

“substituição”, ou seja, aplica-se medida de segurança, como regra, ao sujeito que pratica fato

típico, ilícito, porém, não culpável. O sujeito é absolvido, mas lhe é aplicada a medida de

segurança.

 

As medidas de segurança têm uma finalidade diversa da pena, pois se destinam à cura ou

tratamento daquele que praticou fato típico e ilícito.

 

Quando o inimputável pratica conduta típica e ilícita, deverá ser absolvido, aplicando-se-lhe,

contudo, medida de segurança, razão pela qual essa sentença que, por um lado, o absolve, mas,

por outro, lhe aplica a medida, é denominada SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA.

 

 

 

  1. ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA

 

Nos termos do artigo 96, do CP:

 

Art. 96. As medidas de segurança são:

I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro

estabelecimento adequado;

II – sujeição a tratamento ambulatorial.

 

Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a

que tenha sido imposta.

 

Como as medidas de segurança podem-se iniciar em internação ou em tratamento ambulatorial,

dividem-se as mesmas em medidas de segurança DETENTIVAS (internação) e RESTRITIVAS

(tratamento ambulatorial).

 

De acordo com o artigo 97, do CP:

 

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se,

todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a

tratamento ambulatorial.

 

Não obstante a redação do artigo, entende0se que o juiz tem a faculdade de optar pelo tratamento

que melhor se adapte ao inimputável, não importando se o fato definido como crime é punido com

reclusão ou com detenção.

 

 

 

  1. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

 

De acordo com os artigos 171 e 172, da LEP:

 

Art. 171. Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será

ordenada a expedição de guia para a execução.

 

Art. 172. Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou

submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a

guia expedida pela autoridade judiciária.

 

182

 

  1. PRAZO DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

 

Tendo em vista sua natureza de providência curativa, a medida de segurança não tem prazo certo

de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento do inimputável. Enquanto

não cessada a periculosidade do agente a medida será mantida, podendo conservar-se, não raras

vezes, até o falecimento do paciente.

 

Embora haja autores que não aceitem a indeterminação do prazo da medida, de forma a limitá-lo

ao prazo da pena máxima abstratamente cominada ao delito, visto ser esse o limite da intervenção

estatal, seja a título de pena, seja a título de medida, na liberdade do indivíduo (princípio da

proibição constitucional da prisão perpétua), não se pode, mesmo após longos anos de

tratamento, lançar o doente ao convívio da sociedade quando, por sua doença, representar um

perigo a si próprio e à sociedade. Por isso os §§1o

e 2o

, do art. 97, do CP, dizem que:

 

  • 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando

enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O

prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

  • 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida

de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

 

Ao contrário do que se pode entender pela leitura dos parágrafos em destaque, o juiz, mesmo que

não tenha sido esgotado o período mínimo de duração da medida de segurança, poderá, diante de

requerimento do MP ou do interessado, procurador ou defensor, ordenar o exame de averiguação

da cessação da periculosidade.

 

 

 

  1. DESINTERNAÇÃO OU LIBERAÇÃO CONDICIONAL

 

Nos termos do §3o

, do art. 97, do CP:

 

  • 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a

situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de

persistência de sua periculosidade.

 

Com a desinternação, o sujeito deixa o tratamento em regime de internação e dá início ao

tratamento ambulatorial. Pode ocorrer, contudo, de a internação ter sido suficiente para o

restabelecimento do paciente do mal que lhe afligia, sendo que, neste caso, o juiz determinará sua

liberação, ou seja, não será necessária a continuação do tratamento, seja em regime de

internação, seja em regime de tratamento ambulatorial.

 

Para o restabelecimento do paciente à internação ou tratamento ambulatorial não é necessário

que, dentro do prazo de um ano da desinternação ou liberação, exigido pela lei, o agente tenha

praticado crime, bastando que de seus atos possa ser induzida periculosidade.

 

 

 

  1. REINTERNAÇÃO DO AGENTE

 

De acordo com o §4o

, do art. 97, do CP:

 

  • 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação

do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

 

Essa possibilidade demonstra que, na insuficiência do tratamento ambulatorial dado ao paciente,

seja aquele em desinternação condicional ou submetido inicialmente ao tratamento, o juiz

determinará, fundamentadamente, internação do paciente, de ofício.

 

 

 

  1. MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA APLICADA AO SEMI-IMPUTÁVEL

 

Tal substituição ocorre na seguinte situação:  183

 

O semi-imputável foi condenado; aplicaram-lhe uma pena; agora, em virtude da necessidade de

especial tratamento curativo, pois que sua saúde mental encontra-se perturbada, a pena privativa

de liberdade a ele aplicada poderá ser substituída pela internação ou pelo tratamento ambulatorial.

 

Embora o artigo 98 do CP faça remissão ao 97, implicando dizer que o tratamento ambulatorial ou

a internação se darão por prazo indeterminado, entende-se que, nesse caso específico, o tempo

da medida de segurança jamais poderá ser superior ao tempo da condenação do agente.

 

 

 

  1. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E MEDIDA DE SEGURANÇA

 

Nos termos do § único do art. 96, do CP:

 

Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a

que tenha sido imposta.

 

Aplicam-se, portanto, às medidas de segurança, todas as causas extintivas da punibilidade

previstas na legislação, dentre as quais, obviamente, a prescrição.

 

Quanto ao cálculo da prescrição, entende-se que, pelo fato de o inimputável não poder ser

condenado, não conferindo a sentença uma referência concreta ao cálculo da prescrição, este

cálculo deverá ser realizado sempre pela pena máxima cominada ao fato delitivo.

 

 

 

  1. DIREITOS DO INTERNADO

 

O ponto de relevo quanto a esse tema é o seguinte:

 

Aquele a quem o Estado aplicou medida de segurança, por reconhecê-lo inimputável, não poderá

ser recolhido a uma cela de delegacia policial, ou mesmo em uma penitenciária em razão de não

haver vaga em estabelecimento hospitalar próprio, impossibilitando-lhe, portanto, o tratamento

adequado. Aliás, essa situação constitui constrangimento ilegal sanável inclusive mediante habeas

corpus. Na absoluta impossibilidade, por falta de vagas, para a internação, deve ser substituído o

internamento pelo tratamento ambulatorial.

 

 

 

 

 

184

CAPÍTULO 44 – AÇÃO PENAL

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

Ação é um direito subjetivo público de se invocar do Estado-Administração a sua tutela

jurisdicional, a fim de que decida sobre determinado fato trazido ao seu crivo, trazendo de volta a

paz social, concedendo ou não o pedido aduzido em juízo.

 

A ação penal é, portanto, o exercício de uma acusação, que indica o autor de determinado crime,

responsabilizando-o, e pedindo, para o mesmo, a punição prevista em lei.

 

 

 

  1. CONDIÇÕES DA AÇÃO

 

São condições indispensáveis ao exercício do direito de ação de natureza penal:

  1. a) legitimidade das partes;
  2. b) interesse de agir;
  3. c) possibilidade jurídica do pedido;
  4. d) justa causa (há quem diga não ser ela condição da ação penal).

 

 

 

2.1. Legitimidade das partes

 

A legitimidade ativa é sempre estabelecida em lei, podendo ser ou do Ministério Público ou do

particular.

 

Existem situações, entretanto, em que há uma legitimidade ativa primária e uma legitimidade ativa

secundária, que só opera na impossibilidade ou inércia da primária.

Um primeiro exemplo de legitimidade ativa secundária é o da ação penal privada subsidiária da

pública, em que o particular, pela inércia do primariamente legitimado, toma frente na ação penal.

Outro exemplo é o caso de falecimento ou declaração de ausência do ofendido nas ações penais

privadas, em que o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passa ao cônjuge,

ascendente, descendente ou irmão.

 

O legitimado passivo será aquele em face do qual se propõe a ação penal, desde que lastreada a

propositura em indícios de autoria. A efetiva análise da autoria do crime é matéria de mérito, o que

não influencia na legitimidade inicial do processo penal.

 

 

 

2.2. Interesse de agir

 

O interesse de agir, no âmbito penal, decorre da necessidade de ter o titular da ação penal que se

valer do Estado para que este conheça e, se for convencido da infração penal, condene o réu ao

cumprimento de uma pena justa.

 

Esse interesse pode ser dividido em interesse-necessidade e interesse-utilidade.

 

Quanto ao primeiro, pode-se afirmar que sempre se fará presente, pois sempre é necessário o

exercício da jurisdição penal para que se possa aplicar qualquer sanção de natureza penal. Será

sempre preciso a intervenção do Estado-Juiz a aplicação de uma pena, seja ela qual for.

 

Quanto ao interesse-utilidade, entretanto, pode acontecer que, no caso concreto, a intervenção da

jurisdição penal já não seja mais útil, como nos casos em que o MP, antes mesmo de propor a

ação penal, já verifica a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do Estado.

 

 

 

185

 

 

2.3. Possibilidade jurídica do pedido

 

A possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na

ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência

pretendida pelo interessado.

 

Pedido juridicamente impossível é, portanto, o pedido insuscetível, de si mesmo, por sua própria

natureza, de ser julgado pelo Poder Judiciário, por ser a este vedado fazê-lo.

 

 

 

2.4. Justa causa

 

Justa causa é o lastro probatório mínimo que dê suporte aos fatos narrados na peça inicial de

acusação. Refere-se aos indícios da autoria, à existência material de uma conduta típica e a

alguma prova da antijuridicidade e da culpabilidade.

 

 

 

  1. ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL

 

Existem duas formas diferentes de ação penal: pública e privada. A regra geral, de acordo com o

artigo 100, do CP, é que a ação penal seja pública:

 

Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do

ofendido.

 

A rigor, toda ação penal é de natureza pública, visto que para a aplicação de qualquer sanção

penal é necessária a intervenção do Estado. O que difere entre público ou privado é a iniciativa

da ação penal. Assim, a ação penal pode ser de iniciativa pública (promovida pelo MP) ou de

iniciativa privada (promovida pelo ofendido ou seu representante legal).

 

 

 

3.1. Ação penal de iniciativa pública

 

Pode ser:

  1. a) incondicionada ou
  2. b) condicionada à representação do ofendido ou a requerimento do Ministro da Justiça.

 

 

 

3.1.1. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA INCONDICIONADA

 

A ação penal será de iniciativa pública incondicionada quando, para que o MP possa inicia-la, ou

mesmo requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. É a regra

geral das ações penais.

 

Pelo fato de não se exigir qualquer condição para seu início é que, nos termos do artigo 27, do

CPP:

 

Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos

casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e

a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

 

 

3.1.2. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO

OFENDIDO OU DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

 

Ocorrem em situações nas quais a lei penal exige a conjugação da vontade da vítima ou de seu

representante legal com a vontade do MP em ajuizar a pretensão penal, condicionando tanto o

início da ação penal quanto o das investigações policiais a essa manifestação de vontade.  186

 

A representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça constituem CONDIÇÕES DE

PROCEDIBILIDADE, sem as quais o MP não pode dar início à ação penal ou às investigações.

Entretanto, tais condições não vinculam o MP, constituindo somente um “aval”, uma anuência para

que este, SE ENTENDER NECESSÁRIO, ingresse com a ação penal.

 

 

3.1.3. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA

 

Os princípios que norteiam a ação penal pública, seja ela condicionada ou não, são os seguintes:

 

  1. a) obrigatoriedade ou legalidade – o MP é obrigado a propor a ação penal caso o fato

praticado seja, ao menos em tese, típico, ilícito e culpável e, ainda, caso se façam

presentes os elementos constituintes da justa causa, quais sejam: indício de autoria e

prova da materialidade do crime;

  1. b) oficialidade – por esse princípio, a persecutio criminis in judicio será procedida somente

por órgão oficial, ou seja, pelo MP, visto que a própria Constituição estabeleceu ser uma

de suas funções institucionais a promoção, privativa, da ação penal pública;

  1. c) indisponibilidade – por esse princípio, fica vedado ao órgão do MP desistir da ação penal

por ele iniciada. Vale lembrar que o pedido de improcedência da denúncia realizado pelo

próprio MP ao final da ação, não constitui desistência.;

  1. d) indivisibilidade – esse princípio determina que, se a infração foi praticada por vários

indivíduos, todos eles devem receber o mesmo tratamento, não podendo o MP escolher a

quem acionar;

  1. e) intranscendência – a ação penal só pode ser proposta em face dos que participaram do

cometimento da infração penal, não podendo atingir pessoas estranhas ao fato delituoso.

 

 

 

3.2. Ação penal de iniciativa privada

 

Ação privada é aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao

ofendido ou a quem tenha qualidade para representa-lo. As ações penais privadas podem ser

divididas em: a) privada propriamente dita; b) privada subsidiária da pública e c) personalíssima.

 

3.2.1. PRIVADA PROPRIAMENTE DITA

 

São procedidas mediante queixa do ofendido ou do representante legal.

A rigor, o Estado sempre sofre com a prática de uma infração penal, pois esta coloca em perigo a

ordem jurídica e a paz social. Entretanto, existem algumas situações que interessam mais

intimamente ao particular do que ao Estado, e é nestas situações que o Estado delega o jus

accusationis ao particular, preservando consigo o jus persequendi in judicio.

 

 

3.2.2. PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA

 

Essas ações encontram respaldo no §3o

, do art. 100, do CP e no artigo 29, do CPP:

 

  • 3º. A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o

Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

 

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada

no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer

denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de

prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a

ação como parte principal.

 

Permitiu-se, portanto, que o particular acompanhasse as investigações, bem como o trabalho do

órgão oficial encarregado da persecução penal. Se o MP, por desídia, deixar de oferecer denúncia

no prazo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, substituindo-o, oferecer sua queixa-crime,

dando-se, assim, início à ação penal.

 

Somente no caso de inércia, de desídia do MP pode o particular dar início à ação penal, ainda que

tal inércia seja justificada, por exemplo, pelo acúmulo de serviço.

187

 

3.2.3. PRIVADA PERSONALÍSSIMA

 

São aquelas em que somente o ofendido, e mais ninguém, pode propô-las. Entendeu a lei que as

infrações que dão margem a esse tipo de ação atingem a vítima de forma tão pessoal, tão íntima,

que somente a ela caberá emitir o seu juízo de pertinência a respeito da propositura ou não da

ação penal. Nessas ações, não ocorre a sucessão por morte ou ausência naqueles termos do

artigo 100, §4o

, do CP e do artigo 31, do CPP.

 

 

3.2.4. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

 

Existem três princípios informadores dessas ações:

 

  1. a) oportunidade – é o titular da ação penal quem julga a conveniência ou inconveniência

quanto à propositura da mesma. É a antítese do princípio da obrigatoriedade, que rege as

ações penais públicas;

  1. b) disponibilidade – o particular pode, mesmo após a propositura da ação, utilizando-se de

alguns instrumentos jurídicos, dispor da ação penal por ele proposta. É a antítese do

princípio da indisponibilidade;

  1. c) indivisibilidade – aqui as ações penais públicas e privadas são coincidentes. A ação penal

deve ser instrumento de justiça, e não de simples vingança. O particular não pode eleger

quem vai e quem não vai processar por infração cometida em concurso. Nos termos do

artigo 48, do CPP:

 

Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o

Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.

 

 

 

  1. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL OU REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA

 

Tanto uma quanto outra são requisitos ou condições de procedibilidade da ação penal pública

condicionada, sem as quais torna-se impossível a abertura de inquérito policial ou o oferecimento

da denúncia pelo MP.

 

De acordo com o artigo 39, do CPP:

 

Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador

com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do

Ministério Público, ou à autoridade policial.

 

Nos termos do artigo 102, do CP:

 

Art. 102. A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia.

 

Tendo em vista que o artigo acima não se referiu à retratação da requisição feita pelo Ministro da

Justiça, a melhor doutrina entende que a mesma não é retratável.

 

 

 

  1. AÇÃO PENAL NO CRIME COMPLEXO

 

Crime complexo é aquele em que, em sua configuração típica, pode-se vislumbra a fusão de dois

ou mais tipos penais. Ex.: o roubo é a fusão do furto com a lesão corporal ou ameaça.

 

O artigo 101, do CP, trata do tema:

 

Art. 101. Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que,

por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em

relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.

188

A esse dispositivo foram dirigidas duras críticas da doutrina, visto que, pelo sistema adotado pelo

Código, nos crimes em que a ação for de iniciativa privada, haverá expressa disposição legal

neste sentido, por força do artigo 100, do CP.

 

Em relação ao estupro, tem-se que, com base na análise da Súmula 608, do STF, e com base em

uma interpretação sistêmica do artigo 225, e dos artigos 223 e 224, do CP, temos que a ação

penal relativa ao crime de estupro será de iniciativa pública INCONDICIONADA.

CAPÍTULO 45 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A punibilidade é uma conseqüência natural advinda da prática de um fato típico, ilícito e culpável

pelo agente.

 

Entretanto, o Estado, em determinadas situações expressamente previstas em seus diplomas

legais, pode abrir mão ou mesmo perder o direito de punir. Por questões de política criminal, o

estado pode entender por bem não fazer valer o seu ius puniendi, e nestas ocasiões ocorrerá o

que a legislação penal denominou de extinção da punibilidade.

 

As causas extintivas da punibilidade estão no rol do artigo 107, do CP:

 

Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

I – pela morte do agente;

II – pela anistia, graça ou indulto;

III – pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV – pela prescrição, decadência ou perempção;

V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

VII – revogado pela lei 11.106/05

VIII – revogado pela lei 11.106/05

IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

 

Vale observar, entretanto, que esse elenco não é taxativo, pois existem outras situações descritas

no Código Penal em que os efeitos e a natureza jurídica são os mesmos, como, por exemplo, no

artigo 312, §2o

, do CP, ou no artigo 89, §5o

, da Lei 9.099/95:

 

Peculato culposo

  • 2º. Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

  • 3º. No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença

irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

 

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,

abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor

a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo

processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos

que autorizariam a suspensão condicional da pena.

  • 5º. Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

 

De acordo com o artigo 61, do CPP,

 

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá

declará-lo de ofício.

 

Tendo em vista que o dispositivo só menciona a possibilidade de reconhecimento da extinção da

punibilidade de ofício EM QUALQUER FASE DO PROCESSO, caso haja uma causa extintiva da

punibilidade ainda durante a fase de inquérito policial, entende-se que o juiz não poderá declará-

la, mas tão-somente determinar o seu arquivamento, após ouvido o MP.

 

De acordo com o § único, do mesmo artigo:

 

Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do réu, o

juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar conveniente,

concederá o prazo de 5 (cinco) dias para a prova, proferindo a decisão dentro de 5 (cinco)

dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final.

 

 

 

 

 

 

190

 

 

  1. MORTE DO AGENTE

 

A dúvida, aqui, surge em torno do seguinte ponto:

Não são raras as situações em que o agente faz juntar aos autos falsa certidão de óbito. Embora

seja prudente que o MP, ao manifestar-se, requerer ao juiz a expedição de ofício junto ao cartório

de registro civil indicado no documento, a fim de atestar-lhe a veracidade, o acusado poderá

falsificar atestado médico e fazer lavrar em cartório o óbito com base neste documento falso.

 

O que se indaga é o seguinte: se declarada a extinção da punibilidade após tomadas todas as

providências a fim de se certificar sobre a autenticidade do documento, se o juiz descobrir que a

certidão de óbito apresentada era falsa, poderá, uma vez transitada em julgado a referida decisão,

retomar o curso normal da ação penal, desconsiderando-se a decisão anterior?

 

Embora a maioria dos doutrinadores entenda que não, admitindo somente o processo por crime

de falso, vez que o ordenamento não tolera a chamada revisão pro societate, o STF já se

posicionou de forma contrária, visto que o despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido

estrito, funda-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer

efeitos.

 

Vale frisar que a pena de multa, embora dívida de valor, possui natureza penal, e como tal deverá

ser tratada no caso de extinção da punibilidade do agente, ou seja, não poderá ser executada em

face de seus herdeiros, dado o princípio da intranscendência da pena.

 

 

 

  1. ANISTIA, GRAÇA E INDULTO

 

ANISTIA

Por meio dela o Estado renuncia ao seu ius puniendi, perdoando a prática de infrações penais

que, normalmente, têm cunho político. Portanto, via de regra, a anistia dirige-se aos crimes

políticos, mas nada impede que seja concedida a crimes comuns.

A concessão é de competência da União (art. 21, XVII, da CF):

 

Art. 21 – Compete à União:

XVII – conceder anistia;

 

De acordo com o art. 48, inciso VIII, da CF, é de competência do Congresso Nacional:

 

Art. 48 – Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não

exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de

competência da União, especialmente sobre:

VIII – concessão de anistia;

 

A anistia pode ser concedida antes ou depois da sentença penal condenatória, sempre retroagindo

a fim de beneficiar os agentes.

 

Nos termos do artigo 2o

, I, da Lei n. 8.072/90, os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico

ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo SÃO INSUSCETÍVEIS DE ANISTIA.

 

 

GRAÇA E INDULTO

A graça é o indulto concedido individualmente, a uma pessoa específica.

Ambos são de competência do Presidente da República.

O indulto coletivo, ou simplesmente indulto, costuma ser concedido anualmente pelo Presidente

da República, mediante decreto, em data próxima ao final do ano, razão pela qual esse instituto

passou a ser conhecido como indulto de natal.

Também não é possível a concessão de graça ou indulto aos crimes previsto s na lei 8.072/90.

 

 

 

  1. RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO CRIMINOSO

191

É o fenômeno da abolitio criminis, que ocorre quando o Estado, por razões de política criminal,

entende por bem em não mais considerar determinado fato como criminoso.

 

De acordo com o artigo 2o

, do CP:

 

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,

cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

 

Somente permanecerão os efeitos de natureza civil, sendo que os de natureza penal, como a

reincidência e os maus antecedentes, desaparecerão.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO

 

A prescrição será tratada em capítulo próprio.

 

A DECADÊNCIA é o instituto jurídico mediante o qual a vítima, ou quem tenha qualidade para

representa-la, perde o seu direito de queixa (ações penais privadas) ou de representação (ações

penais públicas condicionadas à representação) em virtude do decurso de um certo lapso

temporal.

 

De acordo com o artigo 103, do CP:

 

Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou

de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em

que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do artigo 100 deste Código,

do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

 

A PEREMPÇÃO é instituto jurídico aplicável às ações penais de iniciativa privada propriamente

dita ou personalíssima, não se aplicando à privada subsidiária da pública. Nos termos do artigo 60,

do CP:

 

Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á

perempta a ação penal:

I – quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo

durante 30 (trinta) dias seguidos;

II – quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em

juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das

pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no artigo 36;

III – quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do

processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas

alegações finais;

IV – quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

 

Entende-se, também, que na ação penal PERSONALÍSSIMA do crime de induzimento a erro

essencial e ocultação de impedimento, a morte do querelante impede o prosseguimento da ação

penal.

 

No caso do inciso I, o querelante deve ser intimado para que tome providências no sentido de dar

andamento ao processo, só se justificando a decretação de perempção na sua inércia.

No caso do inciso II, entende-se que não é necessária a intimação dos parentes do querelante,

visto a impossibilidade de a justiça penal realizar investigação em cada caso concreto para o

descobrimento de parentes do falecido.

No caso do inciso III, existem duas situações: a ausência do querelante a qualquer ato do

processo (desde que sua presença seja essencial) e se o querelante deixa de pedir a condenação

do querelado em suas alegações finais.

192

 

 

  1. RENÚNCIA AO DIREITO DE QUEIXA OU PERDÃO ACEITO NOS CRIMES DE AÇÃO

PRIVADA

 

 

 

6.1. Renúncia ao direito de queixa

 

A renúncia ao direito de queixa pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando formalizada

por meio de declaração assinada pelo ofendido, representante legal ou procurador com poderes

especiais. Será tácita quando o ofendido praticar atos incompatíveis com a vontade de exercer o

direito de queixa.

 

A lei 9.099/95, em seu artigo 74, estabelece que:

 

Art. 74 – A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz

mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no Juízo civil

competente.

 

Parágrafo único – Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública

condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de

queixa ou representação.

 

E o artigo 49, do CPP, consagrando o princípio da indivisibilidade também no âmbito da ação

penal privada e da ação penal pública condicionada à representação do ofendido, estabelece que:

 

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do

crime, a todos se estenderá.

 

 

 

6.2. Perdão do ofendido

 

O perdão do ofendido só pode ocorrer nos crimes que se procedem mediante queixa

 

De acordo com o artigo 106, do CP:

 

Art. 106. O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito:

I – se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita;

II – se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros;

III – se o querelado o recusa, não produz efeito;

 

  • 1º. Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de

prosseguir na ação.

  • 2º. Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.

 

No inciso I, consagra-se o princípio da indivisibilidade da ação penal.

 

 

 

  1. RETRATAÇÃO DO AGENTE, NOS CASOS EM QUE A LEI ADMITE

 

A retratação é o ato pelo qual o agente reconhece o erro que cometeu e o denuncia à autoridade,

retirando o que anteriormente havia dito. O agente volta atrás naquilo que disse, fazendo com que

a verdade dos fatos seja, efetivamente, trazida à luz.

 

Nos termos do artigo 143, do CP:

 

Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da

difamação, fica isento de pena.

 

A retratação, portanto, só produzirá efeitos se manifestada antes da entrega da sentença pelo juiz

em cartório. Pela redação do dispositivo, fica claro que ela não caberá nos crimes de injúria. No

caso da Lei de Imprensa, entretanto, admite-se também a retratação nos crimes de injúria, embora

o STF não tenha concordado com essa possibilidade.  193

 

De acordo com o artigo 342, §2o

, do CP:

 

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito,

contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou

em juízo arbitral:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

 

  • 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito,

o agente se retrata ou declara a verdade.

 

 

 

  1. PELO CASAMENTO DO AGENTE COM A VÍTIMA, NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES,

DEFINIDOS NOS CAPÍTULOS I, II E III DO TÍTULO VI DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO

PENAL

 

O inciso que tratava dessa possibilidade de extinção da punibilidade foi revogado pela lei

11.106/05, não havendo mais que se falar nessa situação.

 

 

 

  1. PELO CASAMENTO DA VÍTIMA COM TERCEIRO, NOS CRIMES REFERIDOS NOS

CAPÍTULOS I, II E III DO TÍTULO VI DO CÓDIGO PENAL, SE COMETIDOS SEM VIOLÊNCIA

REAL OU GRAVE AMEAÇA E DESDE QUE A OFENDIDA NÃO REQUEIRA O

PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL OU DA AÇÃO PENAL NO PRAZO DE 60

(SESSENTA) DIAS A CONTAR DA CELEBRAÇÃO.

 

O inciso que tratava dessa possibilidade de extinção da punibilidade também foi revogado pela lei

11.106/05, não havendo mais que se falar nessa situação.

 

 

 

  1. PERDÃO JUDICIAL, NOS CASOS PREVISTOS EM LEI

 

O perdão judicial só pode ser aplicado pelo juiz nos casos em que a lei o autoriza, sendo vedada,

portanto, a analogia in bonam partem.

 

Muito se discutiu sobre a natureza jurídica do perdão judicial em sentença condenatória,

absolutória ou meramente declaratória da extinção da punibilidade. Nos termos da Súmula 18, do

STJ:

 

Súmula 18 – A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da

punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

 

Mas seria o perdão judicial uma faculdade do julgador ou um direito subjetivo do agente?

A melhor doutrina preleciona no sentido em que o perdão judicial é um direito do réu. Se presentes

as circunstâncias exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo puro arbítrio, deixar de aplica-lo.

 

 

 

10.1. Perdão judicial no código de trânsito brasileiro

 

Antes do advento do CTB, os agentes que praticavam crimes de homicídio ou de lesões culposas

respondiam, respectivamente, pelas sanções previstas nos artigos 121, §3o

, e 129, §6o

, do CP.

Para essas infrações havia, também, previsão do perdão judicial.

 

Acontece que esses crimes foram tratados nos artigos 302 e 303, do CTB:

 

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a

permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

 

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor:

Penas – detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a

permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.  194

 

Muito embora houvesse previsão no artigo 330 do projeto de lei que disciplinou o CTB, o

Presidente da República achou por bem vetá-lo sob a justificativa de que “o artigo trata do perdão

judicial, já consagrado pelo Direito Penal. Deve ser vetado, porém, porque as hipóteses previstas

pelo §5o

do art.121 e §8o

do art. 129 do Código Penal disciplinam o instituto de forma mais

abrangente”.

 

Seria possível, a partir daí, dada a inexistência de previsão legal expressa no CTB de aplicação do

perdão judicial aos crimes de homicídio e lesão corporal culposos praticados na direção de veículo

automotor, continuarmos a admitir o perdão judicial nessas situações?

Embora haja opiniões em contrário, a doutrina majoritária entende que sim, tendo em vista

questões de política criminal.

 

 

 

10.2. Perdão judicial e a lei n.o

9.807/99

 

A lei trata da organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a

testemunhas ameaçadas, bem como dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que

tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo penal.

 

Nos termos de seu artigo 13:

 

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e

a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado

efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa

colaboração tenha resultado:

I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;

II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

III – a recuperação total ou parcial do produto do crime.

 

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do

beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

 

Trata-se de um novo caso de perdão judicial a ser concedido em crimes cometidos em concurso

de pessoas.

 

Embora a leitura do dispositivo nos induza a pensar que o mesmo foi criado com vistas ao crime

de extorsão mediante seqüestro (dado o perfeito amoldamento de seus incisos a esse crime),

opiniões abalizadas na doutrina têm dito que esse perdão judicial pode ser concedido em qualquer

outra infração penal, cujos requisitos possam ser devidamente preenchidos.

 

 

 

 

 

195

CAPÍTULO 46 – PRESCRIÇÃO

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

A prescrição é o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer

valer o seu direito de punir em determinado intervalo de tempo previsto pela lei, faz com que

ocorra a extinção da punibilidade.

 

Para DAMÁSIO, a prescrição, em face de nossa legislação penal, tem tríplice fundamento:

  1. a) o decurso do tempo (teoria do esquecimento do fato;
  2. b) a correção do condenado;
  3. c) a negligência da autoridade.

 

 

 

  1. NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO

 

A doutrina é praticamente assente no sentido de que a prescrição, para nosso ordenamento

jurídico, é instituto de direito material, regulado no CP, e, nessas circunstâncias, conta-se do dia

do seu início.

 

 

 

  1. ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO

 

A legislação penal prevê duas espécies de prescrição:

– prescrição da pretensão punitiva;

– prescrição da pretensão executória.

 

A prescrição da pretensão punitiva acarreta a impossibilidade de o Estado formar o seu título

executivo judicial, ou, em algumas situações, embora se chegue a proferir o decreto condenatório,

a decisão não terá força de título executivo.

 

São efeitos penais da prescrição da pretensão punitiva a permanência da primariedade do réu e a

conservação de seus bons antecedentes. Como efeito cível podemos mencionar a impossibilidade

de a vítima executar o decreto condenatório, caso houver, visto que a prescrição impede a

formação do título executivo judicial.

 

Na prescrição da pretensão executória, o estado terá perdido somente o direito de executar sua

decisão. O título executivo já foi formado com o trânsito em julgado da sentença condenatória,

mas não será executado. A condenação implica a reincidência ou o atestado dos maus

antecedentes do agente. Além disso, a vítima poderá executar na esfera cível a sentença obtida.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO ANTES DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA

 

De acordo com o artigo 109, do CP:

 

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos

  • § 1º e 2º do artigo 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de

liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze);

II – em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a

12 (doze);

III – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8

(oito);

IV – em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4

(quatro);

V – em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não

excede a 2 (dois);

VI – em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

196

Tendo em vista que o cálculo deve ser realizado antes mesmo da sentença condenatória, tem-se

que a prescrição a que se refere o dispositivo é a prescrição da pretensão punitiva do Estado.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

 

Nos termos do § único do artigo 109, do CP:

 

Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos

para as privativas de liberdade.

 

Tendo em vista que as penas restritivas de direito são substitutivas, o prazo para efeitos de cálculo

de prescrição será o mesmo previsto para a pena privativa de liberdade aplicada.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO DEPOIS DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA PENAL

CONDENATÓRIA

 

De acordo com o artigo 110, e §1o

, do CP:

 

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se

pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se

aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

  • 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a

acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

 

Se ainda não tiver havido trânsito em julgado em relação à acusação, a pena ainda poderá ser

ampliada, devendo o cálculo da prescrição incidir sobre o máximo de pena cominada à infração

penal. Caso não tenha havido recurso do MP, ou após ter sido ele improvido, como a pena não

pode ser aumentada com recurso do réu, o cálculo já poderá ser realizado, mas com base na

pena aplicada.

 

Embora a maioria da doutrina entenda que essa prescrição do artigo 110 diz respeito à prescrição

da pretensão EXECUTÓRIA, o autor discorda, visto que esta só poderia se dar após a formação

do título executivo judicial, o que só ocorre após o trânsito em julgado para ambas as partes,

momento em que a pena não mais poderia ser alterada.

 

Outra discussão surgiu acerca da parte final do caput do artigo 110, que diz que, caso o

condenado seja reincidente, os prazos do 109 serão aumentados em 1/3. Seria esse aumento

aplicável à prescrição da pretensão punitiva ou da pretensão executória?

Resolvendo o problema, o STJ editou a súmula 220, que diz:

 

Súmula 220 – A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.

 

 

 

  1. MOMENTO PARA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO

 

Tendo em vista ser a prescrição matéria de ordem pública, aplica-se o artigo 61, do CPP, que diz:

 

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá

declará-lo de ofício.

 

Entende-se, entretanto, que o juiz só poderá reconhecer de ofício a extinção da punibilidade

quando já houver um processo em andamento, não podendo fazê-lo em fase de inquérito,

situação em que, deve determinar seu arquivamento, viso a possibilidade de reabertura em caso

de superveniência de novas provas.

 

 

 

 

 

197

  1. PRESCRIÇÃO RETROATIVA E INTERCORRENTE (OU SUPERVENIENTE)

 

PRESCRIÇÃO RETROATIVA ocorre quando, com fundamento na pena aplicada na sentença

penal condenatória com trânsito em julgado para o MP ou para o querelante, o cálculo

prescricional é refeito, retroagindo-se, partindo-se do primeiro momento para sua contagem, que é

a data do fato, com algumas peculiaridades.

 

Encontra seu fundamento no artigo 110, §2o

, do CP:

 

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se

pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se

aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.

 

  • 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a

acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

 

  • 2º. A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior

à do recebimento da denúncia ou da queixa.

 

Deve-se percorrer todos os caminhos, desde a prática do fato até o primeiro marco interruptivo da

prescrição, que é o despacho de recebimento da denúncia ou da queixa; em seguida, realiza-se

novamente o cálculo entre a data do recebimento da denúncia ou da queixa até a sentença penal

condenatória recorrível. Ocorrendo entre esses períodos prazo superior ao previsto na lei penal

como caracterizador da prescrição, extingue-se a punibilidade, com base na prescrição retroativa.

 

A prescrição retroativa, por levar em conta a pena concretizada na sentença penal condenatória,

só pode ocorrer após a existência do trânsito em julgado para a acusação.

 

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ocorre quando há prescrição após o trânsito em julgado para a

acusação, ou do improvimento do seu recurso, tomando por base a pena fixada na sentença penal

condenatória.

 

 

 

  1. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO ANTES DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA

FINAL

 

De acordo com o artigo 111, do CP:

 

Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:

I – do dia em que o crime se consumou;

II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da

data em que o fato se tornou conhecido.

 

Inciso I

Alguns crimes se consumam no momento da ação do autor (como as lesões corporais), enquanto

outros se consumam no momento do resultado (homicídio). Embora o Código Penal tenha

adotado em seu artigo 4o

a teoria da atividade, dizendo considerar-se praticado o crime no

momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado, o artigo 111, do

CP, excepcionando a regra, adotou a teoria do resultado. Assim, o termo inicial trazido no inciso I

é o da efetiva produção do resultado (nos crimes materiais).

 

Inciso II

Embora a redação do inciso cause estranheza, nalgumas situações, os diversos atos de execução

podem se distanciar no tempo, como no caso daquele que quer matar alguém por

envenenamento, ministrando à vitima diariamente, doses que, se conjugadas, a levarão à morte. A

partir da ministração da última dose é que o prazo prescricional terá início.

 

Inciso III

Crimes permanentes são os que a execução e consumação se prolongam no tempo. Enquanto

não tiver cessada a permanência da execução do crime não correrá o prazo de prescrição da

pretensão punitiva do Estado.

 

Inciso IV  198

Todos os crimes descritos no inciso, embora sejam instantâneos, produzem efeitos permanentes,

o que justifica que o prazo prescricional só inicie na data em que o fato tornar-se conhecido da

autoridade pública.

 

 

 

  1. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA

IRRECORRÍVEL

 

Nos termos do artigo 112, do CP:

 

Art. 112. No caso do artigo 110 deste Código, a prescrição começa a correr:

I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a

que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

II – do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva

computar-se na pena.

 

Com exceção da primeira parte do inciso I, que trata da prescrição da pretensão punitiva do

Estado (pois só houve trânsito em julgado para a acusação), todos os demais casos tratam da

prescrição da pretensão executória estatal.

 

No que tange ao sursis (suspensão condicional da pena), o agente deverá cumprir integralmente a

pena que lhe fora aplicada, pois esta se encontrava apenas suspensa. O prazo de prescrição será

calculado levando-se em consideração a pena cujo cumprimento estava suspenso, e será contado

a partir do trânsito em julgado da sentença que revogar o sursis.

 

No caso de suspensão do livramento condicional, o início da contagem da pena se dá no mesmo

termo, mas o cálculo do prazo levará em conta o tempo restante do cumprimento da pena, ou

seja, o tempo cumprido em livramento condicional será considerado tempo de cumprimento de

pena.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO DA MULTA

 

De acordo com o artigo 114, do CP:

 

Art. 114. A prescrição da pena de multa ocorrerá:

I – em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada;

II – no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a

multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.

 

Nesse ponto, a doutrina se divide.

 

De um lado, alguns autores afirmam que a prescrição da pena de multa ocorrerá sempre em 5

anos, e sua execução será realizada separadamente da pena privativa de liberdade, perante a

Vara da Fazenda Pública, visto que a nova lei determinou que, para fins de execução, a pena

pecuniária seria considerada dívida de valor.

 

De outro lado, alega-se que devem ser conjugados os prazos prescricionais ditados pelo 114, com

as novas regras de execução da pena de multa prevista pelo artigo 51.

 

 

 

  1. REDUÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS

 

Nos termos do artigo 115, do CP:

 

Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao

tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70

(setenta) anos.

 

Essa redução de prazo se aplica tanto à prescrição da pretensão punitiva quanto à da executória.

199

A jurisprudência tem estendido a redução do prazo prescricional também àqueles que

completarem 70 anos depois da sentença condenatória, porém antes do acórdão proferido pelos

tribunais.

 

 

 

  1. CAUSAS SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO

 

São causas que suspendem o curso do prazo prescricional, que volta a correr pelo tempo restante

após cessadas as causas que as determinaram.

 

De acordo com o artigo 116, do CP:

 

Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:

I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento

da existência do crime;

II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.

 

Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não

corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

 

Inciso I

Exemplo clássico é o delito de bigamia. Se a validade do primeiro casamento estiver sendo

discutida no juízo cível, o curso da ação penal e o prazo prescricional da mesma ficarão

suspensos até que se resolva a questão prejudicial.

 

Inciso II

A norma se justifica porque, nesses casos, é impossível a extradição do criminoso.

 

 

 

  1. CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO

 

As causas interruptivas da prescrição têm o condão de fazer com que a contagem do prazo por

elas interrompido seja reiniciada após a cessação das mesmas. O artigo 117 do CP traz um rol

TAXATIVO de causas de interrupção da prescrição:

 

Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se:

I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa;

II – pela pronúncia;

III – pela decisão confirmatória da pronúncia;

IV – pela sentença condenatória recorrível;

V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VI – pela reincidência.

 

  • 1º. Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição

produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam

objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

 

  • 2º. Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo

começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

 

14.1. Recebimento da denúncia ou da queixa

 

Deve-se destacar que o mero OFERECIMENTO da denúncia ou da queixa não é suficiente à

interrupção da prescrição, devendo as mesmas serem RECEBIDAS pelo Juiz. O recebimento por

juiz incompetente não interrompe a prescrição.

 

O aditamento feito à denúncia não interrompe a prescrição, a não ser que contenha novos fatos,

que se traduzam em nova infração penal, ou que importe em inclusão de novo acusado.

 

 

 

 

 

 

200

14.2. Pronúncia

 

Pronúncia é ato formal de decisão pelo qual o juiz, nos casos de competência do Tribunal do Júri,

se convencendo da existência do crime e dos indícios de sua autoria, encerra a primeira etapa do

julgamento, declarando o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu.

 

O marco interruptivo é contado a partir da publicação da sentença de pronúncia em cartório.

 

Se, em grau de recurso, o Tribunal desclassificar o crime para outro, cuja competência não é do

Júri, não haverá mais o efeito interruptivo da prescrição pela pronúncia anterior. Isso não ocorre se

a desclassificação enquadra a conduta em outro crime de competência do Júri ou se a

desclassificação advier do Conselho de Sentença. De acordo com a súmula 191, do STJ:

 

Súmula 191 – A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri

venha a desclassificar o crime.

 

 

 

14.3. Decisão confirmatória da pronúncia

 

O acórdão que confirma a sentença de pronúncia interrompe a prescrição. Além disso, caso o réu

tenha sido impronunciado ou sumariamente absolvido pelo juiz de primeira instância, o acórdão do

tribunal que pronuncia o réu também interromperá a prescrição.

 

O prazo, segundo o STF, será interrompido na data da realização do julgamento, e não na da

publicação do acórdão no Diário da Justiça.

 

 

 

14.4. Sentença condenatória recorrível

 

Somente a sentença condenatória recorrível interrompe a prescrição. A absolutória não produz

esse efeito. A prescrição será interrompida quando da sua publicação em cartório.

 

Se o acusado for absolvido em primeira instância e condenado pelo Tribunal, o acórdão

condenatório terá o condão de interromper a prescrição.

 

 

 

14.5. Início ou continuação do cumprimento da pena

 

Durante o cumprimento da pena, evidentemente, o prazo prescricional não tem curso.

Se o condenado foge, a prescrição começa a correr da data da fuga e terá seu prazo regulado

com base no restante de pena a ser cumprido. Se o condenado é recapturado, interrompe-se

novamente a prescrição.

 

 14.6. Reincidência

 

A reincidência, como marco interruptivo da prescrição da pretensão executória, tem o poder de gerar tal efeito a partir da data do trânsito em julgado da sentença que condenou o agente pela rática do novo crime.

 

 

14.7. Efeitos da interrupção

 

Nos termos do §1o do artigo 117, do CP:

  • 1º. Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição

produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam

objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.  201

A primeira parte faz referência aos delitos cometidos em concurso de pessoas. Os incisos V e VI, ao contrário dos anteriores, tratam da prescrição da pretensão executória estatal. Assim,

interrompida a prescrição da pretensão punitiva do Estado, o reconhecimento da interrupção

alcançará a todos os agentes, salvo os que, por alguma condição especial, tenham prazo

diferenciado dos demais (art. 115, do CP).

Se um dos autores tiver sido absolvido, ainda assim a interrupção da prescrição poderá gerar

efeitos quanto a ele, visto que sua situação jurídica pode vir a alterar-se frente ao recurso

interposto pelo MP.

 

  1. PRESCRIÇÃO NO CONCURSO DE CRIMES

De acordo com o artigo 119, do CP:

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena

de cada um, isoladamente.

Existem em nosso ordenamento três hipóteses de concurso de crimes: material, formal e crime continuado.

Em virtude desse dispositivo, muito embora a pena final aplicada possa ter sido fruto de um

concurso de crimes, para efeitos de prescrição teremos d encontrar a pena de cada uma das

infrações penais, individualmente, e sobre ela fazer o cálculo prescricional.

 

 

 

  1. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA (IDEAL, HIPOTÉTICA OU PELA PENA VIRTUAL)

É o reconhecimento antecipado da prescrição em razão da pena em perspectiva.

De acordo com a maioria da doutrina, e com a jurisprudência do STF, não se admite a prescrição retroativa por antecipação, uma vez que, além de inexistir previsão legal, não pode, antes da sentença condenatória, presumir a pena frente às circunstâncias do caso concreto, ou seja, mesmo que a pena a ser aplicada ao réu não possa ser superior ao mínimo legal, dadas as regras de fixação da pena.

Não se pode reconhecer aquilo que ainda não aconteceu.

 

Caso o Promotor ou o Juiz se depararem com essa situação, embora como “pano de fundo se

encontre a efetiva possibilidade de ocorrência futura da prescrição, ambos fundamentarão suas razões na falta de interesse de agir, na modalidade interesse-utilidade da medida, condição indispensável ao regular exercício do direito de ação.

 

  1. IMPRESCRITIBILIDADE

 

A Constituição Federal excepciona a regra da prescritibilidade dos crimes somente em duas

hipóteses: – prática de racismo (art. 5o

, XLII) e – ação armada de grupos civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático (art. 5o, XLIV).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

By | 2018-11-12T16:06:09+00:00 novembro 12th, 2018|Direito Penal|0 Comments

Leave A Comment